Nunca deixa, confesso, de me divertir o argumento (copiosamente usado, de resto, na corrente "questão da Educação") de que isto (significando 'qualquer coisa que não agrade ao poder estabelecido' ainda que possa corresponder ponto-por-ponto às aspirações de quem elegeu esse mesmo poder, i.e. a própria Cidadania como tal...) só é possível "porque estamos em ano de eleições".
Ou "case como é o quaso" na pitoresca sintaxe do disléxico...
Ora, como "argumento"... democrático é, de facto, impressionante o que de des/estruturalmente anti-democrático esta "argumentação" tem pressuposto!...
Tem, para começar, claramente pressuposto que os poderes políticos se elegem, no fundo, em última instância, para si próprios.
Ou seja, que o "dever da classe política é, na realidade, eleger-se a si mesma para o poder", tendo, para isso, de passar tão incólume quanto possível pelo "incidente formal e in/essencialmente instrumental" das obstáculos e problemas.
Tem pressuposto, pois, que, não menos no fundo ou em última instância, não são as sociedades ou as Cidadanias que elegem o poder político para representá-las e representar funcionalmente as suas aspirações colectivas mas é o poder político que elege de facto (senão mesmo de direito...) as Cidadanias e as própria sociedades para representá-lo a ele e mais às suas, colectivas ou não, aspirações...
Isto é, que, uma vez eleito o que deveria ser o poder político funcional, não é mais ele que deve responder perante a Cidadania mas esta que não tem mais remédio, tal como as coisas manifestamente estão organizadas e até, em larga medida, interiorizadas, senão explicar-se perante o poder instituído.
Ora eu pergunto: uma Democracia não é um espírito antes de ser uma arquitectura institucional?
As pessoas quando pretendem ver esse espírito (que é o da natureza estritamente funcional ideal do exercício do poder político) exercido na prática, atrapalham?
É, então, a Cidadania que "gira em torno" do poder político e não, como eu democraticamente supunha, o inverso?
Fazer-se ouvir quando vai haver eleições para determinar exactamente quem melhor pode exercer (ou vir a exercer) o poder representativo deve ser afinal, bizarramente, visto e entendido como... um delito?
Como, no mínimo dos mínimos, um acto de censurável oportunismo?
À luz de que concepção de 'contrato social' ou de democraticamente (i) legítima concepção de exercício do poder político é isto argumentável?
A ideia será a de que um governo quer ser eleito para fazer determinadas coisas que ELE acha essenciais e não pode nem deve ser "incomodado" nesse tipo de desígnio ou "projectualidade" superior (e, se calhar, autónoma) por essa coisa impertinente e importuna que é uma Sociedade?
Que é a Opinião?
Que é a expressão dos anseios individuais e colectivos das pessoas?
Mas, então, para que é que há, afinal, eleições?
Não é para representar funcionalmente esses anseios e essa vontade?
Não deveriam os prospectivos representantes da vontade popular acolher com satisfação a expressão em tempo real dessa mesma vontade?
É vergonha numa democracia, pretender exercê-la?
Quando se fazem, por outro exemplo, campanhas eleitorais a atitude que aqui se censura não é exactamente a mesma só que organizada por quantos pretendem exercer o poder ou, no mínimo, influenciar (mas aí, ao que parece, aceitavelmente...) o paradigma concreto de exercício do poder?
Mas que raio de Democracia e de democratas são estes para quem a democracia, quando exercida "de cima para baixo" está certa mas, no sentido inverso passa automaticamente a "estar mal"?
Que raio de democracia é, numa palavra, esta que quando exercida ou desejada efectivamente exercer, só atrapalha"??!!...
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