Não tenho razões para esconder a minha visceral antipatia pessoal e política pela figura e, sobreudo, pelo discurso (é isso o que realmente interessa!) de Helena Matos, até há bem pouco "comentadora de ecologia" na Rádio Paris-Lisboa e agora presente, também sob forma escrita, no jornal "Público".
Não valerá a pena enunciar de forma minimamente circunstanciada as (aliás, inúmeras!) coisas que, pessoal e politicamente, me separam da senhora em causa.
Acho, todavia, que devo, apesar disso, dizer que ter a pretensão de ser, hoje-por-hoje, ecologista e tentar, ao mesmo tempo, argumentar (e defender!) o paradigma de "desenvolvimento" dito genericamente "europeu" (com aspas...) e/ou "ocidental" serve, em derradeira instância, como barómetro fiável para classificar a seriedade já nem digo intelectual mas certamente argumentacional e epistemológica de quem pretende colocar-se contra toda a razão e o bom senso nessa improvável posição teorética, digamos assim.
Ora se eu avanço aqui com esta "confissão" é exclusivamente pelo seguinte: lendo a crónica que o "Público" divulgou na sua edição do passado dia 16.12.08 intitulada "O combinado" não hesito em atribuir-lhe uma incondicional (porque justa) concordância.
Há muito que venho, aliás, defendendo que 'confundir' o sistema económico-político que globalmente nos rege na "Europa" dos nossos caóticos pós-modernos dias com uma Democracia constitui um erro crasso de apreciação e análise sem corrigir o qual nunca chegaremos, aliás, a meu ver--nós que vivemos numa "demomorfia instrumenmtal" e em caso algum numa verdadeira Democracia--a ter a mínima hipótese crível de atingir, um dia, esta.
Uma Democracia, a meu ver, define-se genericamente por:
a) constituir muito mais (infinitimamente mais!) do que um sistema ou uma arquitectura institucional padronizados e supostamente definitivos (uma 'silhueta institucional' composta por parlamento, sufrágio universal, separação de poderes e existência de uma imprensa dita abstractamente "livre") um dispositivo funcional variável de segurança, no fundo, aplicável a qualquer sistema político, resultando daí que muito mais do que um (a) sistema em si mesmo (b) "encontrado" ou... revelado a Democracia é (deve ser!) na realidade um anti-sistema, definível na essência por aquilo que evita e impede e não por aquilo que supostamente permite ou favorece de forma directa e em si mesma.
Ou seja: uma Democracia não nega na sua baseação ou substanciação epistemológica básica, essencial, a luta de classes.
Não pode (ninguém pode, aliás, honestamente!) fazê-lo.
O que ela faz é precisamente o contrário, isto é, aceitando expressamente a evidência da realidade da luta de classes na História, a Democracia integra-a no núcleo mesmo das suas próprias formulações teóricas e práticas essenciais, partindo, em seguida, de forma necessária, dessa integração nuclear para a definição precisa de modelos específicos, concretos, sempre funcionais (e continuamente funcionalizáveis!) de "humanização" do próprio quadro social, histórico e político onde vai inserir-se.
Nós sabemos como um uso economocêntrico e economocrata da ideia de "democracia" faz questão de tentar persuadir as sociedades em geral que "democracia" e "luta de classes" são opostos.
Não são! A luta de classes, volto a dizer, constitui um pressuposto incontornável de análise e organização teórica e prática da realidade histórica, social e política. A questão não é, pois, se ela existe: a questão, para a Democracia, é a de saber como lidar honesta e democraticamente com ela.
Ora, a única maneira de fazer ambas essas (ideais) coisas--isto é, lidar (a) honesta e (b) democraticamente com a luta de classes--é conter e manter tão estavelmente quanto possível contidos os efeitos disruptores da invariavelmente brutal realidade que ela encerra e que ela inevitavelmente pressupõe.
É por isso que eu digo (é baseando-me nesse pressuposto da violência social indissociável da luta de clases pura-e-dura), claro, que as 'boas', as verdadeiras democracias se definem, na essência, por serem anti-sistemas que cumprem o seu nobre desejo humanizador da própria História social quando impedem muito mais do que quando permitem directamente, como atrás mais de uma vez afirmo.
Um exemplo: uma democracia que, em termos de susbstancialidade de episteme, digamos assim, admite a existência de uma História, por seu turno, definida pela circunstância completamente aberrante de, na sua base, se achar uma economia com um "revestimento politiforme", i.e., uma "sociedade instrumental" 'a toda a volta' a qual pode ciclicamente "desligar-se" como qualquer máquina sempre que ocorre uma "crise", é, ela mesma, uma aberração teórica e um aborto epistemológico apenas possível de ser genericamente aceite pelas sociedades onde ocorre porque a nossa ideia de "democracia" remete muito mais para a tyal ideia da democracia ser um sistema em si do que para a visão correcta que consiste, como digo, em vê-la antes de tudo como um dispositivo de segurança funcional e variável, móvel, aplicável em tese, a todos ou quase todos os sistemas.
b) Evitar que, na prática social e política, o Tempo democrático sofra a dissociação ou desintegração que existe (de facto senão de direito) nas demomorfias instrumentais caracterizadas pela negociação e cedência social do poder em vez de sê-lo pela negociação e ceência instrumental do exercício desse mesmo poder, que é aquilo que visam as Democracias genuínas.
Ou seja: se o aparelho institucional da Democracia não for capaz de encontrar formas de fazer coincidir (ao menos, tendencial e substancialmente) os tempo ou temporicidades da Democracia, o resultado é que deixa de hver Democracia.
Em Democracia, com efeito, as formas de julgar o cumprimento da representacionalidade democrática não podem estar limitadas, não podem resumir-se, a desoptar ou desvotar os políticos que não cumpriram os deveres inerentes àquela representacionalidade.
Dito de outro modo, desoptá-los ou desvotá-los no fim de um mandato, equivale a tomar para si um Tempo ou temporicidade puramente "moral" (não activa e não realmente políticos) da Democracia, deixando para aqueles que exercem o poder o Tempo ou temporiciade efectivos ou activos.
Ora, é esse desdobramento (porque não dizê-lo? Essa alienação) residuante, residuacional, espúria do Tempo único democrático que faz com que a cedência desejável, operativa (desejável porque operativa) do exercício do poder "derive" na prática para a cedência objectiva do próprio poder, corrompendo, assim, fatalmente a pureza genuína, enfim, a "saúde" básica, nuclear, essencial da própria Democracia.
Esta tem, pois, em resultado de tudo quanto até agora disse, de conter, além das componentes conhecidas como o parlamento e o sufrágio universal, dispositivos correctores verdadeiramente eficazes aptos a reajustarem continuamente a tendência para a esquizofrenização objectual da Democracia que resulta, em última instância, na existência prática de "duas democracias" numa única, isto é, de uma "democracia efectivamente actuante" (a do poder) ao lado uma outra "moral" ou (im!) puramente "moralizante" que apenas pode no fundo discorrer sem própriamente agir: a da sociedade em geral.
Em tempo real, seguramente.
Na realidade, em lugar de uma Democracia, nós vivemos, no que chamamos o "Ocidente" numa "retrocracia" ou "dismocracia" caracterizada por tudo nela configurar uma imagem especlar da verdadeira Democracia.
Nas retrocracias como a "nossa", as pessoas des-votam ou des-elegem ainda por cima sistemicamente fora do tempo real, por assim dizer.
A melhor imagem da "dismocracia objectual" talvez seja dada por uma "boutade": se, com efeito, a Democracia pode ser genericamente descrita como o reconhecimento da liberdade de as pessoas elegerem as formas e modalidades objectivas do seu próprio futuro, aquilo que caracteriza a retro- ou dismocracia é, ao invés, o reconhecimento do direito de as pessoas e as sociedades escolherem livremente... o seu próprio passado, aquele que melhor corrsponde aos seus desejos e aspirações individuais e colectivas...
A estas duas características básicas, essenciais, da Democracia (conter os sobressaltos da acvção social e do seu report objectivo na arquitectura política das sociedades humanas--um ponto chave!--e a capacidade para introduzir sistemicamente em si mecanismos eficazes de reunificação e reintegração da temporicidade democrática); a estas duas características fundamentais, dizia, deve juntar-se uma terceira, igualmente teorética e substanciante básica. Refiro à "questão da propriedade".
A 'boa' democracia percebe e reintegra no cerne das suas formulações teóricas e práticas, o papel esencial da propriedade na natureza. Essse papel é o de funcionalizando-se e refuncionalizando-se continuamente possibilitar a própria Vida em termos amplos.
Por outras palavras: há uma ecologia natural da propriedde ou da proprietação que a 'boa' Democracia sabe que tem de transpor adequadamente para as suas próprias formulações em matéria de organização social e política.
A 'boa' Democracia sabe perfeitamente que a propriedade não pode, em caso algum, representar outra coisda que não seja aquilo a que chamo uma "variável pura de vitação", isto é, as formas e modelos que ela assume devem variar funcionalmente, não podendo, em caso algum, constituir uma constante e, por conseguinte, no limite, um entrave à própria Vida ou vitação.
A ecologia é isso.
É também isso: estar aberto à reconsideração contínua dos modelos ou paradigmas de proprietação, reformulando-os continuamente de modo a caberem naquele princípio ecológico básico de possibilitarem continuamente a Vida.
É a isto que eu chamo substanciar e mesmo resubstanciar continuamente o nosso modelo ou os nossos modelos de Democracia.
A Democracia, para finalizar, não é (não pode ser) nem um capricho de "iluminados" nem um "objecto teorético e institucional" sacro (um "insecto perfeito", diria um entomologista) que se lega imutavelmente de etapa em etapa ou de Qandar" em "andar" da própria História.
A Democracia tem de ser sempre, na essência, uma teoria da realidade que vai buscar a sua aparelhagem epistemeoforme à observação atenta e escrupulosa do funcionamento dessa mesma realidade.
Deve ser um ponto de vista substanciado sobre esta.
Deve vir sistemicamente de uma reflexão cuidada e séria, individual e colectiva, sobre ela e deve, sobretudo, induzir sempre continuamente novos paradigmas de reflexionalidade estrutural sobre ela.
É in/exactamene porque o não faz habitualmente que se tonou tão vulnarável a doenças de episteme como as inúmeras de que correntemente padece e das quais procurei acima dar um quadro sintomático sucinto, juntamente com a enunciação de alguns princípios terapêuticos que resultam já daquela necessária reflexão de que atrás falo
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Claro que Helena Matos (regressando a ela e ao artigo do "Público") não diz (nem podia obviamente dizer!) nada que se pareça sequer com isto.
Eu afirmei que concordava com quanto ela escreveu não porque seja deste tipo ou feição, mesmo sequer remotamente, a leitura que ela faz da realidade social e política em geral mas porque aquilo de que ela fala são factos--factos que é vital recordar, independentemente dos modos que cada um encontre para lidar ideológica, politicamente, com eles.
Esse modo vem evidentemente depois.
Cada forma que possa assumir representa um contributo importante para a reflexão que não pode deixar de ser feita.
O meu modo de fazê-lo (uma parte significativa dele) está expresso, com a clareza e o rigor intelectual de que sou capaz, no texto acima.
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