quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
"Ainda a barbárie israelita"
Relativamente ao bárbaro ataque desencadeado pelas tropas israelitas na Palestina, a União "europeia" dá mostras da sua habitual duplicidade e hipocrisia, alardeando mais uma vez para com a selvajaria judaica uma ruidosa "indignação" que não deixa, muito convenientemente, de ir, por outro lado, dando àquela gente tempo para enfraquecer o poder do Hamas--o governo legalmente eleito em Gaza...--de modo a que, quando chegar o momento de finalmente fazer realmente alguma coisa, o equilíbrio de forças na região tenha já pendido substancialmente (mais ainda...) para o lado do agressor judaico.
Q.e.d...
Ora, aquilo que eu digo (e que qualquer pessoa para quem os direitos humanos efectivamente contem diz) é que única atitude decente seria o embargo total ao estado judaico.
O embargo a tudo o que pudesse provir de Israel, desde os produtos aos viajantes.
Como os E.U.A. fazem a Cuba, por exemplo...
Pela parte que me toca, é, repito, o que proponho e com esse objectivo desde já me disponho a observar com extrema atenção os produtos nos supermercados: se vierem daquele lugar e daquela gente... zás! Fora!
Quem mata selvaticamente velhos, mulheres e crianças--quem mata seres humanos com a cobarde indiferença com que aqueles fulanos e fulanas fazem: seres humanos sejam eles quem forem! Quem mata seres humanos como "way of life"...--não merece outra atitude que não seja o desprezo mais veemente.
Eles e tudo quanto a eles diga respeito.
segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
Haja a Coragem de Clamar: Fim de Vez à Selvajaria Etno-fascista!!
No próprio instante em que escrevo, é possível que alguma criança, velho ou mulher indefesa tenha sofrido já na carne a indiscriminada selavajaria etno-fascista, tendencialmente genocida, típica da acção (da... "política", chamam-lhe eles!) externa do Estado de Israel--o que faz com que seja com um insuportável nó na garganta e uma revolta incontida no coração que me decido a redigir esta "entrada".
Como é possível que um Estado, supostamente civilizado, disponha da possibilidade de, sempre que lhe apetece (ou politicamente convém, como parece ser desta vez o caso) massacrar impunemente uma nação inteira sem que do mundo não menos supostamente civilizado saiam mais do que tímidos balbuceios e rogos implorando que a brutalidade cesse e os verdadeiros selvagens que invariavelmente lhe dão início a esta monstruosa escala regressem aos bunkers (ao Estado-bunker!) de onde saíram para assassinar em nome da liberdade, da democracia e do progresso de que desavergonhadamente se reivindicam os campeões na zona?
Como é possível que autênticos criminosos se hajam organizado em Estado e actuem com a barbaridade e o cinismo com que o fazem estes brutais 'etnocidas disfarçados de país'?!
Não é a presente... "campanha", como lhe chamam os cruéis genocidas, a melhor prova de falta de legitimidade que marca não apenas a esmagdora maioria das suas acções de... "política externa" na região como, no limite, a sua própria existência enquanto estado?
Basta pedir a... gente (?) desta que mata indiscriminadamente velhos, mulheres e crianças; que acha que é "política" ter isolado e convertido num autêntico campo de extermínio global à espera que sufoque e morra de vez por si, sem medicamentos, água ou simples comida, na "paz" (?) como na guerra, uma sociedade inteira, dotada de um governo democraticamente eleito que estes bárbaros travestidos apressadamente de nação confessam, aliás, agora, perdido o pouco que lhes restava de vergonha ou pudor, ser seu propósito derrubar (1) ainda que para tanto haja que matar, mutilar, chacinar de forma literalmente indiscriminada; basta, dizia, pedir a verdadeiros monstros do talante destes genocidas"encartados" (ainda tenho nos ouvidos o cinismo com que o primeiro-ministro deste inimaginável Estado-veneno designou a barbaridade por si agora friamente determinada: fê-lo, como ouviram quantos lhes escutaram as impensavelmente cínicas declarações hoje proferidas em entrevista à estação de televisão SIC Notícias, usando a atroz expressão "pôr botas no terreno"...); basta com fulanos e fulanas deste talante pedir-lhes que regressem ao covil de onde saíram e se disponham finalmente a ocupar um lugar por direito próprio entre as sociedades modernas e civilizadas?
E como pode um bando de assassinos confessos (não admitem eles, com um cinismo que arrepia, que a "política" a que chamam de "assassínio selectivo" (2) é parte integrante do seu arsenal "estratégico" comum, da sua... "política" de Estado?); como pode, dizia, este bando de confessos assassinos dispor na imprensa de uma nação europeia como Portugal, cujos governantes enchem a todo o momento a boca com a "defesa dos direitos humanos", de porta-vozes e "relações públicas disfarçados e infiltrados", agentes na sombra cuja missão é a de, sem um mínimo de rebuço ou pudor, "vender" a selvajaria da liderança fascista que governa esse autêntico bastião de bandidos "legais", "doublés" de políticos e estadistas genuínos que é chamado Estado de Israel?
Gente como Esther Mucznik e um tal Shlomo Ben Ami (3), a primeira, pelo menos, com assento regular na imprensa de um país onde paradoxalmente não chegam, sobre esta questão, outras vozes regulares senão as suas?...
As acções destes criminosos levam-me a duas reflexões com as quais termino, para já, esta "entrada":
1ª Independentemente das posições que venham a ser tomadas também em meu nome pela chamada União "Europeia", eu, pessoalmente, só tenho para com estes autênticos malfeitores etnocidas uma atitude (a desaprovação mais incondicional e o nojo mais veemente) e uma designação: a de facínoras sem lei a quem é preciso virar decididamente a cara quando, por azar, nos cruzamos física ou moralmente com um deles.
2ª É "gente" e são "políticas" destas que nos levam, até a nós, opositores da guerra, dos fundamentalismos de todo o tipo assim como especificamente do nuclear, a concluir que (perante uma O.N.U. que se limita a pedir aos criminosos que tenham uma consciência que criminoso algum é, por definição, capaz de ter e uma dita União "Europeia" que apenas vê números e negócios à frente papagueia, entre cálculos de milhões, umas vagas boas intenções muito gerais) só a existência de uma outra potência na zona, dotada de poderio bélico semelhante ou até igual pode, com hipóteses de êxito, desencorajar as barbaridades destes assassinos de crianças, até aqui deixados literalmente à solta e sem obstáculos capazes de travar-lhes os criminosos passos.
Se outras provas não houvesse, a lição ainda muito recente da aventura libanesa deste país-paiol, objectivamente pária de civilização e de ética, prova-o à saciedade...
NOTAS:
(1) Cf. in "Público online" de 29.12.08 o texto: "Israel avisa que o objectivo da operação é fazer cair o Hamas";
(2) Ver a este propósito, por exemplo, entre muitos outros possíveis, a edição do jornal "Público" de 18.07.08, designadamente o texto intitulado "Samir Kuntar continua a ser "um alvo" para Israel".
(3) Cf. in jornal "Público", edição impressa de 29.12.08, o texto por ele subscrito, intitulado "Lentamente em direcção a Gaza"
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
"Crónicas da República Oscilatória: Se Calhar Até Há Mesmo Regressos..."
Um texto de Rui Tavares no "Público" de 22 de Dezembro (intitulado "Mas não há regressos") leva-me aqui a reequacionar um aspecto que considero particlarmente relevante no âmbito da consideração teórica da "questão democrática".
É preciso dizer que o texto de Tavares incide sobre a personagem do americano G. Bush e especificamente sobre o modo como essa (aliás tenebrosíssima!) figura de (como dizer?) "elefante amalucado deixado à solta" na "loja de cristais geopolítica" lidou com a recente "crise" financeira que a todos afecta, hoje-por-hoje.
A questão é que a personagem em causa terá declarado algures que (e cito) "abandonou os princípios do mercado livre para salvar o sistema de mercado livre".
Ora, a minha reflexão pessoal sobre este ponto é que, sem se dar seguramente conta do facto, a criatura em causa (e Rui Tavares na esteira dela) acabam, à vez, por levantar aquela que é sem dúvida uma questão absolutamente fulcral em termos de uma equacionação correcta da referida "questão democrática".
Ou seja: é comum ouvirmos papaguear onde quer que seja aquela "máxima" de Churchill onsde se dioz que a "democracia é o pior dos sistemas políticos tirando todos os outros".
Ora, a Democracia talvez o seja.
Aquilo que comummente se entende por tal é que, francamente, já não sei...
A "democracia" para o sistema não é algo de autónomo e essencial: é, sim, como tantas vezes tenho dito, um modo sem dúvida eufónico de "argumentar" no plano (chamemos-lhe:) "significadamente político" um regime económico e de propriedade perfeitamente preciso, definido (e, esse sim, essencial, pelo menos do ponto de vista de si próprio) ao mesmo tempo que almeja ser também um modo social e politicamente seguro de conservá-lo solidamente "preso à História".
Por outras palavras: é comum acontecer dado este papel im/puramente ancilar e instrumental atribuído à "democracia" que as crises desta nada mais sejam, no fundo, que as inevitáveis "crises" fatalmente geradas pela base ou pelo núcleo económico de todo o sistema.
Isto é, dito de outro modo ainda: não sendo, pois, a 'democracia' nem um pressuposto verdadeiramente autónomo de organização social e política nem, de um modo ou de outro, independente das funções precisas que é chamada a desempenhar na tal condição de "argumento político" ou "politiforme" da sua própria infrastrutura económico-financeira, ela acaba por não ter verdadeiramente direito a ter as suas próprias "crises", ficando reduzida a ecoar secundariamente as daquela infrastrutura.
O recentísimo "caso" grego, para não irmos mais longe, evidencia-o, de resto, à saciedade.
Quanto à frase de Churchill, por muito espirituosa que possa ser (e é!) sabendo nós hoje o que sabemos (aqueles que querem realmente saber...) a "democracia" para o 'regime', é seguramente altura de substituí-la por uma outra que será seguramente qualquer coisa como :"A democracia é o melhor dos (não) sistemas políticos para gerir a pura (ou impura...) normalidade do funcionamento das sociedades que dela se reclamam, apenas se lhe podendo imputar para ser o regime político "perfeito" o pequeno "defeito" que é o ser ela completamente incapaz de permitir gerir a maior parte das modalidades de anormalidade comuns ao funcionamento daquele sistema".
Ou seja: não foi apenas Bush (nem "os comunistas" ortodoxos com a questão da ditadura do proletariado, segundo Tavares) quem recorreu (ou quem supostamente recorreu) ao contrário do paradigma comummente aceite de qualquer coisa teórica específica a fim de supostamente salvá-la.
Os ingleses fizeram-no quando se viram a braços com o problema irlandês; os espanhois com o da ETA, os franceses com o independentismo corso e assim por diante. Todos eles suspenderam "estrategicamente" a democracia a fim de salvá-la", quando lhes tocou pela porta gerir circunstâncias supostamente "anormais" do funcionamento político das respectivas sociedades.
Agora, são os americanos quem, primeiro, suspendeu a "democracia", montando a gigantesca (e trágica paródia de regime democrático que se plasmou nos "casos Abu Ghraib ou Guantánamo" (para citar apenas os mais mediáticos) e, logo a seguir, negou como Pedro o essencial do seu próprio "evangelho económico".
A verdade é que parece evidente que tantas "suspensões" da normalidade num regime que deveria ser "o pior de todos excepto os restantes" dá que pensar...
Ora, dando que pensar, permite que se levantem hipóteses de hermeneuse do tipo: "se calhar o problema não consiste numa qualquer fatal incapacidade da democracia para gerir problemas e dificuldades do seu próprio funcionamento, sejam elas de cariz político e económico ou económico-financeiro, como os que atrás se recordam.
Se calhar, o problema reside no nosso modo preciso, concreto, de "imaginar teoricamente" os paradigmas de democracia que comummente temos.
Se calhar a necessidade de recorrer sistematicamente ao contrário teorético ou contrário de episte das "coisas" políticas a fim de reparar as... "fugas" recorrentes ocorridas no 'sistema' em geral, deve-se, em última (mas também verdadeira!) instância, ao modo disfincional, apócrifo, como acabámos (através do projecto aberrante de "utilizar" a política de forma espuriamente secundária a fim de "argumentar" um modelo económico central e inamovível, intransformável) por inverter/subverter completamente a História, também ela abusivamente "usada" para "justificar" a economia ou mais rigorosamente a economocracia vigente.
Se calhar, uma "política" que está, no limite, terminantemente proibida de mudar a História, cabendo-lhe ao invés legitimar um determinado modelo muito preciso dela (é esse o papel neo-conservador da "democracia" hoje em dia: impedir que a História escape ao controlo firme da economia--de uma certa muito precisa economia; uma "política" que tem de resignar-se a permanecer todo o tempo acorrentada a uma História à qual é, pois, vedado mudar no seu in/essencial (pense-se, por exemplo, no "exemplo" democraticamente escandaloso, obsceno mesmo, da "aprovação" do chamado "tratado de Lisboa"), apenas pode gerar mais ou menos regularmente situações "agudas" daquele tipo que obriga a "ir buscar" fora da "democracia" as "soluções" pontuais que está, devido às condicionantes que são impostas de modo exógeno e abusivo ao seu funcionamento, está objectivamente impossibilitada de gerar.
[Na imagem: "Escher por Shane Willis", extraído com vénia de "Sarcasmos Múltiplos"]
Monólogo..." [arte do titular do blog]
O senhor pensativo:
"Dizem que o P.S. pretende retomar o slogan de campanha do Bloco de Esquerda "o Zé Faz Falta" mas adaptando-o um pouco à realidade política actual.
Ora, isso, a meu ver, só pode dar qualquer coisa como "o Zé faz... m. É isso! O novo slogan deles podia perfeitamente ser "O Zé Faz M... E A Gente Depois Vai Atrás E Limpa!"
Fiz um slogan! Sou o maior!...
(Será que no P.S. me querem para assessor de imagem de alguém? Deva-me jeito...
Nesse caso, o "m" seria a primeira letra da palavra "melhor".
Ou talvez "maravilhas".
"Merda", nesse caso, é que nunca, claro!...)
"Civilizização: outra das minhas colagens preferidas-II"
Aqui se evoca a sinistra América-F.B.I., a da tenebrosa obsessão persecutória característica da Guerra Fria, os fantasmas sempre latentes do maccarthyismo.
Uma América que Hitchcock deu muito bem em diversos dos seus filmes ("Sabotage", "Foreign Correspondent" ou de uma forma incomparavelmente mais sofisticadamente em "North By Northwest", por exemplo, onde 'à pala' da denúncia imediata dos totalitarismos assumidos e formais discorre também sempre sobre 'os outros', muito mais sofisticados e, no fundo, por isso mesmo mais subtil e mais reptilineamente perversos...)
"Crónicas da República Oscilatória: sobre alguns spectos da teórica democrática"
Não tenho razões para esconder a minha visceral antipatia pessoal e política pela figura e, sobreudo, pelo discurso (é isso o que realmente interessa!) de Helena Matos, até há bem pouco "comentadora de ecologia" na Rádio Paris-Lisboa e agora presente, também sob forma escrita, no jornal "Público".
Não valerá a pena enunciar de forma minimamente circunstanciada as (aliás, inúmeras!) coisas que, pessoal e politicamente, me separam da senhora em causa.
Acho, todavia, que devo, apesar disso, dizer que ter a pretensão de ser, hoje-por-hoje, ecologista e tentar, ao mesmo tempo, argumentar (e defender!) o paradigma de "desenvolvimento" dito genericamente "europeu" (com aspas...) e/ou "ocidental" serve, em derradeira instância, como barómetro fiável para classificar a seriedade já nem digo intelectual mas certamente argumentacional e epistemológica de quem pretende colocar-se contra toda a razão e o bom senso nessa improvável posição teorética, digamos assim.
Ora se eu avanço aqui com esta "confissão" é exclusivamente pelo seguinte: lendo a crónica que o "Público" divulgou na sua edição do passado dia 16.12.08 intitulada "O combinado" não hesito em atribuir-lhe uma incondicional (porque justa) concordância.
Há muito que venho, aliás, defendendo que 'confundir' o sistema económico-político que globalmente nos rege na "Europa" dos nossos caóticos pós-modernos dias com uma Democracia constitui um erro crasso de apreciação e análise sem corrigir o qual nunca chegaremos, aliás, a meu ver--nós que vivemos numa "demomorfia instrumenmtal" e em caso algum numa verdadeira Democracia--a ter a mínima hipótese crível de atingir, um dia, esta.
Uma Democracia, a meu ver, define-se genericamente por:
a) constituir muito mais (infinitimamente mais!) do que um sistema ou uma arquitectura institucional padronizados e supostamente definitivos (uma 'silhueta institucional' composta por parlamento, sufrágio universal, separação de poderes e existência de uma imprensa dita abstractamente "livre") um dispositivo funcional variável de segurança, no fundo, aplicável a qualquer sistema político, resultando daí que muito mais do que um (a) sistema em si mesmo (b) "encontrado" ou... revelado a Democracia é (deve ser!) na realidade um anti-sistema, definível na essência por aquilo que evita e impede e não por aquilo que supostamente permite ou favorece de forma directa e em si mesma.
Ou seja: uma Democracia não nega na sua baseação ou substanciação epistemológica básica, essencial, a luta de classes.
Não pode (ninguém pode, aliás, honestamente!) fazê-lo.
O que ela faz é precisamente o contrário, isto é, aceitando expressamente a evidência da realidade da luta de classes na História, a Democracia integra-a no núcleo mesmo das suas próprias formulações teóricas e práticas essenciais, partindo, em seguida, de forma necessária, dessa integração nuclear para a definição precisa de modelos específicos, concretos, sempre funcionais (e continuamente funcionalizáveis!) de "humanização" do próprio quadro social, histórico e político onde vai inserir-se.
Nós sabemos como um uso economocêntrico e economocrata da ideia de "democracia" faz questão de tentar persuadir as sociedades em geral que "democracia" e "luta de classes" são opostos.
Não são! A luta de classes, volto a dizer, constitui um pressuposto incontornável de análise e organização teórica e prática da realidade histórica, social e política. A questão não é, pois, se ela existe: a questão, para a Democracia, é a de saber como lidar honesta e democraticamente com ela.
Ora, a única maneira de fazer ambas essas (ideais) coisas--isto é, lidar (a) honesta e (b) democraticamente com a luta de classes--é conter e manter tão estavelmente quanto possível contidos os efeitos disruptores da invariavelmente brutal realidade que ela encerra e que ela inevitavelmente pressupõe.
É por isso que eu digo (é baseando-me nesse pressuposto da violência social indissociável da luta de clases pura-e-dura), claro, que as 'boas', as verdadeiras democracias se definem, na essência, por serem anti-sistemas que cumprem o seu nobre desejo humanizador da própria História social quando impedem muito mais do que quando permitem directamente, como atrás mais de uma vez afirmo.
Um exemplo: uma democracia que, em termos de susbstancialidade de episteme, digamos assim, admite a existência de uma História, por seu turno, definida pela circunstância completamente aberrante de, na sua base, se achar uma economia com um "revestimento politiforme", i.e., uma "sociedade instrumental" 'a toda a volta' a qual pode ciclicamente "desligar-se" como qualquer máquina sempre que ocorre uma "crise", é, ela mesma, uma aberração teórica e um aborto epistemológico apenas possível de ser genericamente aceite pelas sociedades onde ocorre porque a nossa ideia de "democracia" remete muito mais para a tyal ideia da democracia ser um sistema em si do que para a visão correcta que consiste, como digo, em vê-la antes de tudo como um dispositivo de segurança funcional e variável, móvel, aplicável em tese, a todos ou quase todos os sistemas.
b) Evitar que, na prática social e política, o Tempo democrático sofra a dissociação ou desintegração que existe (de facto senão de direito) nas demomorfias instrumentais caracterizadas pela negociação e cedência social do poder em vez de sê-lo pela negociação e ceência instrumental do exercício desse mesmo poder, que é aquilo que visam as Democracias genuínas.
Ou seja: se o aparelho institucional da Democracia não for capaz de encontrar formas de fazer coincidir (ao menos, tendencial e substancialmente) os tempo ou temporicidades da Democracia, o resultado é que deixa de hver Democracia.
Em Democracia, com efeito, as formas de julgar o cumprimento da representacionalidade democrática não podem estar limitadas, não podem resumir-se, a desoptar ou desvotar os políticos que não cumpriram os deveres inerentes àquela representacionalidade.
Dito de outro modo, desoptá-los ou desvotá-los no fim de um mandato, equivale a tomar para si um Tempo ou temporicidade puramente "moral" (não activa e não realmente políticos) da Democracia, deixando para aqueles que exercem o poder o Tempo ou temporiciade efectivos ou activos.
Ora, é esse desdobramento (porque não dizê-lo? Essa alienação) residuante, residuacional, espúria do Tempo único democrático que faz com que a cedência desejável, operativa (desejável porque operativa) do exercício do poder "derive" na prática para a cedência objectiva do próprio poder, corrompendo, assim, fatalmente a pureza genuína, enfim, a "saúde" básica, nuclear, essencial da própria Democracia.
Esta tem, pois, em resultado de tudo quanto até agora disse, de conter, além das componentes conhecidas como o parlamento e o sufrágio universal, dispositivos correctores verdadeiramente eficazes aptos a reajustarem continuamente a tendência para a esquizofrenização objectual da Democracia que resulta, em última instância, na existência prática de "duas democracias" numa única, isto é, de uma "democracia efectivamente actuante" (a do poder) ao lado uma outra "moral" ou (im!) puramente "moralizante" que apenas pode no fundo discorrer sem própriamente agir: a da sociedade em geral.
Em tempo real, seguramente.
Na realidade, em lugar de uma Democracia, nós vivemos, no que chamamos o "Ocidente" numa "retrocracia" ou "dismocracia" caracterizada por tudo nela configurar uma imagem especlar da verdadeira Democracia.
Nas retrocracias como a "nossa", as pessoas des-votam ou des-elegem ainda por cima sistemicamente fora do tempo real, por assim dizer.
A melhor imagem da "dismocracia objectual" talvez seja dada por uma "boutade": se, com efeito, a Democracia pode ser genericamente descrita como o reconhecimento da liberdade de as pessoas elegerem as formas e modalidades objectivas do seu próprio futuro, aquilo que caracteriza a retro- ou dismocracia é, ao invés, o reconhecimento do direito de as pessoas e as sociedades escolherem livremente... o seu próprio passado, aquele que melhor corrsponde aos seus desejos e aspirações individuais e colectivas...
A estas duas características básicas, essenciais, da Democracia (conter os sobressaltos da acvção social e do seu report objectivo na arquitectura política das sociedades humanas--um ponto chave!--e a capacidade para introduzir sistemicamente em si mecanismos eficazes de reunificação e reintegração da temporicidade democrática); a estas duas características fundamentais, dizia, deve juntar-se uma terceira, igualmente teorética e substanciante básica. Refiro à "questão da propriedade".
A 'boa' democracia percebe e reintegra no cerne das suas formulações teóricas e práticas, o papel esencial da propriedade na natureza. Essse papel é o de funcionalizando-se e refuncionalizando-se continuamente possibilitar a própria Vida em termos amplos.
Por outras palavras: há uma ecologia natural da propriedde ou da proprietação que a 'boa' Democracia sabe que tem de transpor adequadamente para as suas próprias formulações em matéria de organização social e política.
A 'boa' Democracia sabe perfeitamente que a propriedade não pode, em caso algum, representar outra coisda que não seja aquilo a que chamo uma "variável pura de vitação", isto é, as formas e modelos que ela assume devem variar funcionalmente, não podendo, em caso algum, constituir uma constante e, por conseguinte, no limite, um entrave à própria Vida ou vitação.
A ecologia é isso.
É também isso: estar aberto à reconsideração contínua dos modelos ou paradigmas de proprietação, reformulando-os continuamente de modo a caberem naquele princípio ecológico básico de possibilitarem continuamente a Vida.
É a isto que eu chamo substanciar e mesmo resubstanciar continuamente o nosso modelo ou os nossos modelos de Democracia.
A Democracia, para finalizar, não é (não pode ser) nem um capricho de "iluminados" nem um "objecto teorético e institucional" sacro (um "insecto perfeito", diria um entomologista) que se lega imutavelmente de etapa em etapa ou de Qandar" em "andar" da própria História.
A Democracia tem de ser sempre, na essência, uma teoria da realidade que vai buscar a sua aparelhagem epistemeoforme à observação atenta e escrupulosa do funcionamento dessa mesma realidade.
Deve ser um ponto de vista substanciado sobre esta.
Deve vir sistemicamente de uma reflexão cuidada e séria, individual e colectiva, sobre ela e deve, sobretudo, induzir sempre continuamente novos paradigmas de reflexionalidade estrutural sobre ela.
É in/exactamene porque o não faz habitualmente que se tonou tão vulnarável a doenças de episteme como as inúmeras de que correntemente padece e das quais procurei acima dar um quadro sintomático sucinto, juntamente com a enunciação de alguns princípios terapêuticos que resultam já daquela necessária reflexão de que atrás falo
................................................................................
Claro que Helena Matos (regressando a ela e ao artigo do "Público") não diz (nem podia obviamente dizer!) nada que se pareça sequer com isto.
Eu afirmei que concordava com quanto ela escreveu não porque seja deste tipo ou feição, mesmo sequer remotamente, a leitura que ela faz da realidade social e política em geral mas porque aquilo de que ela fala são factos--factos que é vital recordar, independentemente dos modos que cada um encontre para lidar ideológica, politicamente, com eles.
Esse modo vem evidentemente depois.
Cada forma que possa assumir representa um contributo importante para a reflexão que não pode deixar de ser feita.
O meu modo de fazê-lo (uma parte significativa dele) está expresso, com a clareza e o rigor intelectual de que sou capaz, no texto acima.
domingo, 21 de dezembro de 2008
"Eu é que já não tenho... pejo para os ouvir..."
Dantes como professor, hoje, sobretudo como cidadão, não cessa de surpreender-me a espantosa ignorância de uma geração jovem que aprendeu praticamente tudo do pouco que manifestamente sabe "de ouvido".
Do passado dia 14 de Dezembro, chegam-me (juntamente com a "trágica" eliminação do "meu" Benfica da Taça de Portugal...) dois novos "exemplos" de im/pura iliteracia, "cortesia" de um senhor chamado Paulo Alves e que escreve em "A Bola", de resto, um jornal que já foi "de" Carlos Pinhão e Alfredo Farinha (ou de Homero Serpa, Carlos Miranda e Aurélio Márcio, este último um homem que escrevia horrorosamente com, porém, um inatacavelmente 'imaculado' conhecimento de tudo quanto--sempre pessimamente, embora, repito!--escrevia).
Foi o caso de, numa avaliação do trabalho produzido pelo futebolista do Benfica David Luiz, ter escrito este senhor Alves que o jogador em causa "ganhou fôlego com o passar dos minutos e foi osso duro de roer não permitindo vivacidades (sublinhado meu) aos adversários que pisavam os seus terrenos". Não permitindo... "vivacidades" ou "VELEIDADES", ham, senhor Alves?...
O senhor (como tantos outros da geração/audio-video ouviu umas coisas lá muito ao longe, pareceu-lhe delas ter percebido o bastante e pronto!--ei-lo capaz de encantar os papás com a inteligência do menino que agora "escreve nos jornais", não é?...
Pois...
...Pois mas pior ainda foi quando analisou a prestação de outro David, este o hondurenho David Suazo, a propósito do qual escreveu: "com o terreno molhado e pesado, Suazo não teve pejo (sublinhado meu) para se libertar e procurar outros sectores"!
Não teve... pejo, senhor Alves?
O senhor não leve a mal que lhe diga mas pejo não tem o senhor de exibir a sua "incultura de ouvido" num lugar frequentado por tanta gente a quem o senhor "ensina" tolices destas!...
O pobre do Suazo não teve... pejo para se libertar!!!!
Não teve... "PEJO!!
Ora...
Oliveira e Beckett, algumas notas de "leituração" pessoal
Noutro ponto deste "Diário" refiro que há muito me parece existir uma espécie de subtil traço de união ligando, de algum modo, o Cinema de Manoel de Oliveira ao Teatro de Beckett.
Anoto, agora, duas possibilidades do modo ou modos que pode assumir essa associação ou essa proximidade recordando, desde logo, o uso que Oliveira expressamente faz de uma longa citação do criador de Godot ("Pour Finir Encore Et Autres Foirades" na banda sonora de "O Meu Caso").
a) a descida de tom escatologizante.
No fundo, tanto Oliveira como Beckett manifestam nas respectivas obras, com o que entendo ser característica recorrência, uma espécie de persistente, distintivo, pudor relativamente a (como dizer?) um excesso de convicção ou mesmo, no caso específico de Oliveira, de fé no modo como abordam genericamente a realidade (metafísica, ontológica, etc.)
Ora, eu creio que é nesse pudor ou mesmo (porque não?) nesse distintivo sinal de (como poderia muito pessoanamente dizer Pessoa...) esclarecido cinicismo que mais obviamente se evidencia a 'dolorosa inteligência da realidade' que, de algum modo, é possível afirmar que caracteriza (de modos objectualmente distintos, é verdade) a obra de cada um deles.
Oliveira assume a postura em causa, a meu ver, em diversos momentos, via Buñuel--o que fica particularmente evidente em obras como esse belíssim' "O Espelho Mágico", um texto cinematográfico do criador de "Vale Abraão" que é, em meu entender, possivelmente a "coisa" mais (inconscientemente?) buñueliana por ele feita.
Devo dizer que em Buñuel eu, pessoalmente, valoro o existencialmente trágico instinto (auto?) des-sacralizador, isto é, a presença obsessiva, obsidiante mesmo, e inquieta, angustiada, da iconoclasia, algo que um filme como "Belle de Jour", a meu ver, epitomiza de modo cinematográfica e mesmo, de certo modo, cultu(r)almente definitivo, digamos assim.
A luta 'contra a inexistência de Deus' pelo "dever" incumprido de Ele existir (algo que Buñuel obviamente nunca conseguiu perdoar completamente ao Criador) e, num plano mais imediato, o ressentimento (não! O, às vezes sobretudo, estética e narrativamente violentíssimo rancor!) para com este e em geral para com a impertinência e os "excessos de Beleza" ironicamente incrustados na sua (não) Criação que daí deriva...
Por outras palavras: o drama da fé que se quer possuir mas que é, na realidade, completamente impossível sentir, experimentar--e o convulsivo rancor que tal impossibilidade causa na consciência e que se revela, desde logo, na nossa amarga, frustrante, experienciação das avulsas 'cintilações para- ou epi-divinas' que a realidade, na nossa relação inevitável com ela, nos vai dando.
Por outras palavras ainda: o ódio que se experimenta também por si mesmo em consequência de tal impossibilidade: "Tristana", do criador de "Un Chien Andalou", sendo um "retrato" microcósmico da Espanha que Machado descreveu de modo clássico como "de charanga e pandereta, de cerrado y sacristia, de espirito burlón y de alma quieta" (sobretudo "de alma quieta" e obstinadamente enamorada da sua própria abjecção e, no fundo, do seu próprio suicídio) é, também, em última instância ("en fin de partie", para re/utilizar significadamente uma expressão muito becketiana...) um filme sobre a revolta camusiana conta o "silêncio" obstinado--obstinado e cruel, perverso--de um Deus que "nos martiriza regularmente com a Perfeição" que é Sua sombra ou o seu reflexo platonianos, nunca fixados, todavia, num 'objecto' preciso, autonomamente descritível e, por conseguinte, solidamente identificável.
Em "O Espelho Mágico", Oliveira trabalha minuciosamente com (digamos assim:) constantes e... "estratégicos" anti-símbolos da 'própria convencional (ou convencionada) perfeição' (o seu modo de introduzir no discurso a "quebra de tom para-escatologizante" de que atrás falo) numa vasta gama que vai desde a ideia de fazer do (ex) presidiário o herói (e vice versa: do herói um ex-presidiário) até à ideia básica de transformar a "aparição" da virgem em torno da qual gira todo o temário do filme (a presença do sagrado no mundo?) num jogo de burlões (Deus mediado--ou mesmo Deus simbologicamente substituído--por vigaristas que são quem no filme, de facto, "manda a Virgem à Terra" e, em última instância se pode dizer que são quem "comanda a (não) aparição" (do não-facto) em torno do qual, repito, todo ele gira.
É certo que a mensagem (a "bottom line") do filme é que "todos os homens são, na sua insondável mas estr(e)ita humanicidade, respeitáveis" mas são-no, sobretudo, porque se obstinam em acreditar, não necessariamente por esse seu acreditar ter verdadeiro fundamento e autêntica substância. Por cada uma dessas coisas ser algo objectualmente demonstrável, digamos assim.
Tal como em Beckett (que leva constantemente esta pulsão escatologizante até ao paroxismo); Beckett para quem vivemos todos como espécie num "pântano" (senão mesmo, admissivelmente, numa "esterqueira", numa "latrina") "verticais", num "boghill" , também (com outra "discrição" e outro "recato narrativo" ou "narracional") em Oliveira damos connosco volta-e-meia de frente com o reflexo-no-espelho (no espelho 'mágico' que é, afinal, toda a "realidade em volta") da própria ideia implícita, apriorística, acrítica, de sagrado.
Este, pois, a meu ver, um ponto genericamente comum na Obra de ambos os autores.
Outro é:
b) a possibilidade tética, "teórica" de a realidade, o próprio mundo, em última instância, não existirem.
Uma obra como "All That Fall", por exemplo, é, no fundo, toda ela sobre gente e coisas que nunca existiram ou existirão--a começar pelas próprias "personagens" como tal, às quais o Autor deliberadamente mutilou ou amputou, des-integrou, dos respectivos inexistentes, imateriais, corpos.
Ora, em tese não por acaso, se "O Espelho Mágico" era um filme sobre uma "aparição" que nunca se concretiza, que inexiste como facto, um outro filme como "O Meu Caso" é-o sobre uma peça que nunca chega, ela mesma, a ser.
Esta ideia de que, "se calhar afinal o real não existe, não passa de uma suposição teórica que é preciso re/construir pacientemente a partir do nada" constitui, a meu ver, um segundo traço ligando entre si a obra de dois dos mais estimulantes artistas/narradores da contemporaneidade.
Aos nomes e à obra destes junto (tentando eu própro des-sacralizar um pouco a (im?) possível 'solenidade hermenêutica' destas notas...) o nome de Arkadi Avertchenko, um dos meus autores de referência, criador de um interesantíssimo "Um Filósofo Original", onde este mesmo tipo de berkeleyana "hipotética" ou idealística teorização (tratando-se em todos estes casos, de uma "teorética" ou de uma "teorização"... "em exercício") aparece dada como um divertidíssimo episódio do pícaro quotidiano de dois preguiçosos, impagáveis, foliões.
sábado, 20 de dezembro de 2008
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
" 'Doctor Jeckyl and Mr. Hyde'/'O Médico e o Monstro' de Robert Louis Stevenson e Rouben Mamoulian"
Digo de Robert Mamoulian porque é sobretudo da versão cinematográfica da obra de Stevenson dirigida por Mamoulian que vou aqui falar.
E isto por uma razão fundamental: porque não sendo talvez a mais famosa é seguramente (para mim, pelo menos) a cinematograficamente mais interessante assim como sexualmente mais ousada--ainda que, por exemplo, a de Victor Fleming, feita na década seguinte, de '40, tenha, como se sabe, Spencer Tracy e, muito em especial, a incomparável Ingrid Bergman no elenco e exista uma outra, anterior às duas, que possui no 'cast' nada menos do que o famosíssimo John Barrymore.
Esta, a de 1932 tem, como se sabe, Frederic March no duplo papel-título e uma belíssima Miriam Hopkins (uma eficacíssima e por vezes fortemente impressiva "quasi-Dietrich", a Dietrich de "Der Blaue Engel" de von Sternberg...) no principal papel feminino.
O filme de Mamoulian possui, de resto (e por aqui começava, aliás, a respectiva--necessariamente muito breve--abordagem) além dessa espécie de discreta "memória" ou de... "tributo", ao menos objectivo a Dietrich, uma das encarnações, cinematográfica e até cultu(r)almente referenciais, do erotismo enquanto "pecado" e "perdição" humanos, como se sabe; de Dietrich como encarnação verdadeiramnte arquetípica da sexualidade e como imagem definitiva de--perdoe-se-me o «macarrónico»...--"vulva devoratrix" (num sentido muito próximo daquele que a tradição judaico-cristã atribui não só a Eva como a tantos outras referências arquetípicas bíblicas, de Betsabé ou Dalila a Maria Madalena); o filme possui, dizia, outras sugestões e ecos admissivelmente europeus não muito dificeis de detectar ou, no mínimo, de supor: é que, tendo o filme de Mamoulian ainda muito de especificamente teatral (e esse é, de resto, como veremos, por diversos motivos directamente ligados à própria evolução da ideia ou ideias de Cinema, outro aspecto particularmente interessante do filme) o seu habilíssimo realizador nunca deixa de (como dizer?) tentar conservar o filme, por outro lado, sempre "estrategicamente re/cinematizado" através do recurso ao uso de curtos planos de exterior onde a "sombra" muito subtil do europeíssimo expressionismo alemão é, a meu ver, uma presença francamente reconhecível e impressiva.
Façamos, porém, incidir a nossa abordagem um pouco mais sobre aquilo que o filme de Mamoulian possui de, como disse, essencialmente teatral--operando mesmo , pode dizer-se, sob inúmeros aspectos, como uma espécie de discretísimo "missing link" (e objecto de estudo) sobre a sintaxe das relações entre o Teatro e o Cinema (um tema, aliás, que, com o recente centenário de Manoel de Oliveira e as respectivas, conhecidas, posições no âmbito de uma "cinematicidade pura assumidamente rendida à palavra" e mesmo abertamente ao Teatro como chave para a reconquista daquela ideal "pureza", é mais actual do que nunca).
Basta, voltando à abordagem da "teatralicidade" do filme de Mamoulian e para demonstrá-la, considerar, por exemplo, o uso exaustivo dos interiores (o que, aliás, só por si não justificaria obviamente a afirmação mas enfim...) como toda a técnica de representação dos actores principais (March é disso, aliás, um exemplo claro) ou até mesmo de certas passagens do próprio diálogo (as "conversas" de March/Jeckyl/Hyde com Deus, para não irmos mais longe...).
Mas não só. Esses são, diria eu, aliás, aspectos, sobretudo, exteriores não tão intrínsecos, tão de essência como outros que a seguir refiro.
Há, com efeito, a meu ver, facetas e/ou marcas muito mais estruturais de "teatralicidade" no filme.
Essas situam-se, de algum modo, logo naquilo que poderíamos (ou que podemos, de facto!) considerar o próprio 'núcleo témico' essencial do filme.
É minha opinião que esse passa, de facto, exactamente por aí, isto é, por um redescobrir cultu(r)almente 'aggiornado' do arquétipo conceptivo do "tabu" o qual constitui, como é sabido, uma das primeiríssimas modalidades de "teorização" humana e/ou de "causalização" estável da realidade conhecidas e, aliás, continuamente redescobertas pelas sucessivas culturas humanas, desde o já atrás citado mitário évico/adâmico a muito do que substanciou a concepção grega clássica de tragédia (cá está o tal aspecto teatral intrínseco de que atrás falava!) para já não citar todo o motivário transcultu(r)al de inspiração diversamente prometaica, digamos assim.
A ideia de que o mal se abate sobre o humano quando determinadas 'leis' da realidade são violadas, muitas vezes, involuntariamente pelo "herói" trágico constitui, repito, uma das modalidades originais de re/organização teórica e/ou de causalização duradoura daquilo a que, à falta de melhor expressão, poderíamos talvez chamar o 'fluxo realicional', isto é, o continuum de facticidade oriunda do exterior possível da consciência e depositando-se continuamente nela sob a forma originalmente reflexa e, em seguida, reflexiva de um pensamento.
No filme de Mamoulian essa ideia arquetípica da violação (aqui não propriamente involuntária mas certamente irreflectida) de um círculo ou território tabu (a iconoclasia do protagonista como modalidade limite de rebelião contra a ordem estabelecida, sob muitos aspectos inequivocamente contestável) aparece contraditória (aparece dilacerantemente. Aparece tragicamente!) associada à de uma, em si mesma correcta, justa, reacção contra o óbvio farisaísmo de uma sociedade (a vitoriana, expressamente "citada", aliás, num plano onde a efígie da rainha Vitória surge significativamente ao centro...) que esconde os seus podres (a sua miséria, as suas inúmeras cobardias e mentiras, individuais e colectivas) fingindo hipocritamente ignorar todas elas.
E é precisamente desta contradição representada pela emergência de uma rebelião em si mesma justa (não por acaso, Jeckyl refere que sem afrontar de forma corajosa e até, às vezes, muito prometaica, as formas por sua vez muito concretas e muito precisas que pode assumir a ordem estabelecida, a própria ciência não encontraria as condições básicas para existir); é precisamente desta contradição, dizia, representada pela emergência de uma rebelião em si mesma justa contra a opressão exercida por aspectos, entendidos ao invés como indesejavelmente opressores, da própria ordem estabelecida como tal, levada, porém, a um limite já claramente violador que nasce a tragédia.
A lição do filme aparece, assim, pois, num primeiro momento, como um apelo muito obviamente conservador (reaccionário, mesmo) à contenção (à prudente mutilação) da própria iniciativa/revolta individual contra a Ordem e como uma séria chamada de atenção aos putativos "Prometeus" das sociedades humanas em geral.
Em meu entender e como adiante veremos não é, porém, forçoso que seja precisamente assim.
Antes, todavia, de regressar a esse ponto, foquemo-nos ainda noutro aspecto particularmente interessante (e intelectual e criticamente muito estimulante) do filme: aquele onde a modernidade de Stevenson e a subtileza, o esclarecimento, a inteligência, do próprio Mamoulian se acham expressas, de modo, diria eu, mais firme e claro.
É que "Doctor Jeckil And Mister Hyde" é também já (o filme é disso claro documento) um testemunho ficcional importante sobre a perda definitiva da inocência cultu(r)al de toda uma sociedade cujos fantasmas mais profundos--em termos políticos e geopolíticos, até à Primeira Guerra Mundial; em termos epistemológicos e filosóficos, cosmovisionais, até à grande "revolução coperniciana" que foi a emergência de Freud e da psicanálise--haviam podido ser genericamente mantidos sob controlo e tranquilizadoramente contidos num limbo "de segurança" mas que vêm agora decididamente atormentá-la e mesmo assombrá-la de forma, repito, definitiva e absolutamente irreversível.
A própria tragédia individual humana associada à responsabilidade de decidir, de optar, de agir numa e sobre uma realidade onde a consciência "entra sempre, de um modo ou de outro, completamente às escuras" numa eterna e angustiante busca de referências condutoras (motivo que se achava, a meu ver, no próprio cerne da ideia grega clássica de tragédia); a própria tragédia humana da Responsabilidade e da Culpa individual e colectiva (no limite: do arbítrio e da própria liberdade humanas como tal, insisto!) se complexifica de forma drástica e inquietante num 'universo concepcional' inteiramente novo onde já ninguém parece saber realmente qual o papel desempanhado pela vontade (lá está: pela própria liberdade humana como tal!) e, ao invés, qual o de condicionalismos profundos, pulsionais, em larguíssma mas indeterminada medida, objectivamente inacessíveis ao controlo dessa mesma vontade.
Num 'universo concepcional' onde o Eu se cindiu já ele mesmo de modo drástico e irreversível iniciando definitivamente a 'modernidade epistemológica'.
A ideia da "divisão" (ou da "implosão" e/ou "des-integração" final da consciência motivo a que vão dar expressão teorética moderna pensadores como Kirkegaard ou Husserl e, num plano, num certo sentido mais acessível, Sartre, Camus e os "exitencialistas" nascidos do desenvolvimento da reflexão husserliana e kirkegaardiana) está toda ali, em Stevenson como em Mamoulian, podendo mesmo em tese dizer-se que com o primeiro e com a obra literária que criou ficou afinal também criado um novo "complexo" cultural, em termos junguianos--um "complexo" onde se acha arquetipicamente consagrada a trágica impossibilidade humana de re/unir-se estavelmente num só "objecto" auto-percepcional e auto-representacional, ilusão que, durante séculos, porém e como se sabe, a consciência pudera ainda, tão duradoura quanto genericamente, permitir-se.
Antes de terminar, faria ainda referência a um aspecto importante do filme.
Eu disse atrás que ele tinha ainda muito de teatral, quer extrínseca quer, sobretudo, como acabei de tentar brevemente demonstrar, sobretudo intrinsecamente.
Julgo tê-lo feito relativamente a alguns aspectos, a meu ver, essenciais.
A verdade desse facto, porém, não obsta a que haja no filme 'coisas narrativas' verdadeiramente interessantes e originais: certas metáforas muito... "hitchcockianas", por exemplo (estou a lembrar-me de uma "cópula" praticada entre a ponta de uma bengala e uma liga que, de algum modo antecipa essa outra cópula metafórica clássica praticada entre Cary Grant e a esplendorosa Eva Marie Saint por intermédio de um combóio que entra num túnel, na sequência final do prodigioso "North By Northwest"...) mas, sobretudo, certos movimentos ousadíssimos de câmara entre os quais destaco pela sua originalidade e "coragem narativa" toda a sequência subjectiva inicial à qual Robert Montgomery... "irá buscar" a ideia do seu clássico "Lady in the Lake" de 1947...
E finalmente a prometida referência ao motivo ou motivos pelos quais acredito que a "mnsagem" final do filme não tem necessariamente de ser conservadora nem reaccionária.
É, a meu ver, com efeito, possível pensar que aquilo que Mamoulian nos está a dizer é que uma sociedade onde o projecto moral, ético e político, de tentar achar formas (auto) funcionais de unidade para a consciência e para as modalidades de acção individual e colectiva nelas assentes é substituído por um outro assente por sua vez na dissociação entre as representações estáveis de Bem e de Mal pode, em última instância ("en fin de partie", como diria Beckett) desembocar numa sociedade fundada exclusivamente na representação im/pura do Mal, uma sociedade onde a liberdade possível, do indivíduo como do colectivo, não desempanhasse, no fundo, qualquer papel reconhecível e determinante, uma sociedade do Mal absoluto como aquela que se acha apocalipticamente simbolizada nos crematórios de Auschwitz ou Treblinka...
Até por isso, por ser um interessantísimo objecto de cinema ao mesmo tempo que "par dessus le marché" permite ainda reflexões desta natureza vale seguramentde a pena re/ver este belíssimo "Doctor Jackil (Doctor Jackal?) And Mister Hyde (Mister Hide?)" de Rouben Mamoulian.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
"O futuro anda doente..."
"Há sempre quem saiba reconhecer os verdadeiros talentos..."
Legenda:
"--Um membro do 'gang' da Ribeira aparentemente precisou de oito tentativas de homicídio para consumar um único!
Em Portugal já nem a gatunagem é competente..."
"--A culpa não é deles, coitados! Andam muito desfalcados. É que, como sabe, ultimamente os melhores elementos foram quase todos requisitados para outros sectores de actividade...
"Guerrear também cansa..."
"Sequel..."
"Malentendido certeiro..."
"O Confronto do Século..."
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
"Jesters" [a propósito de uma "leitura" d' "A Boba" de Maria Estela Guedes, feita noutro lugar deste "Diário"]
"A Boba" de Maria Estela Guedes [incompletamente revisto]
Conforme ainda não há muito me propusera, vou hoje abordar aqui um dos meus textos teatrais contemporâneos preferidos: "A Boba" de Maria Estela Guedes.
Gostaria de empreender essa (aliás, gostosíssima!) tarefa, retomando por momentos uma expressão e um conceito de outro jovem dramaturgo contemporâneo, Armando N. Rosa, autor de um "O Eunuco de Inês de Castro" onde elabora, em posfácio, a sua interessantíssima teoria, de cariz antropológico (orientada numa direcção e num sentido estimulantemente junguianos] envolvendo o que o seu autor designa pel' "o complexo de Inês".
Desde já confesso que, a partir do momento em que travei contacto com o conceito, que o mesmo não cessou de fascinar-me assim como de estimular, dos mais diversos modos e nos mais diversos sentidos, a minha própria reflexão pessoal sobre o que entendo constituir uma espécie de "mitema" mais ou menos estável e característico (caracterizador!) de uma certa "portugalidade adquirida" que no "complexo" em causa, tal como eu próprio o concebo, se revê tão estável quanto, em tese, sobretudo, topicamente.
Também a mim, com efeito, se me afigura que da "personagem" de Inês de Castro tal como é tratada no mitário popular acaba por "sair", acaba por se... "evolar" ("is eventually released") uma espécie de "representação arquetipal" mais ou menos residuante, nítida e distintiva, final, a que poderíamos efectivamente chamar um "complexo" num sentido junguiano próximo, diria eu, daquele que Nascimento Rosa propõe no posfácio do seu "O Eunuco..."
Em meu entender, os traços essenciais do "complexo" em causa prendem-se basicamente com o que entendo ser uma 'percepção consistente e típica da decadência' trazida para a--e fixada na--(sub) consciência colectiva nacional por sucessivas vagas da remota "inteligentsia" nacional que, desde Gil Vicente (uma das "influências" possíveis d' "A Boba") se foram fazendo (ou não...) ouvir pelo País.
Após o período dourado das descobertas marítimas (e contra o pano de fundo subjeccional que uma certa ideia triunfante delas levou a que se enquistasse duradouramente na trans/História Mental do País) que, com efeito, a ideia de "perda" e "decadência" se começaram a instalar mais ou menos estavelmente nesta.
A ideia de "perda" (emergente de um 'biblismo' abstracto que reporta tendencialmente tudo à ideia de "paraíso perdido" e, no limite, à de percurso iniciático-expiatório necessário para "recuperá-lo") vem, por um lado, potenciar mas também, por outro, conferir algum sentido secundário à própria noção/percepção da decadência como tal, entrelaçando-se as duas sugestões de tal modo inextricavelmente, diria eu, que, a dado passo, passam a operar de facto como uma única.
Liga-as, desde logo, a pulsão neurotizante para a compensação (para o "rebalanceamento compensatório cultu(r)al/existencial-colectivo") que, desse modo, encontra uma maneira existencialmente tolerável de habitar a História, invocando, já aí, sem dar substantivamente por isso, continuamente a Morte como parte integrante da "cura" de que o País precisa.
A própria ideia de uma expiação ou penitência conduzindo, em tese, como vimos, à "re-conquista" final do "paraíso" ao mesmo tempo que confere, como disse, sentido à própria decadência prepara (eu diria: habilmente) o corpo nacional para a Morte.
Isto é: a Morte "faz cada vez mais falta" para que a História possa reiniciar-se tal como era.
Se a vida é má, porque não a Morte--uma morte que traga consigo uma outra vida?
Como, porém, a "realidade resiste sempre" não dando mostras de ceder (de abrir nesta vida espaço material, concreto, para a 'reconquista' em causa), a Morte que, no início do processo representacional não passava de uma mera "estação propiciatória" ganha, a meu ver, um peso crescente a ponto de passar, em diversas circunstâncias, a constituir o próprio "centro determinacional significador" de todo aquele processo.
Um processo de cariz manifestamente neurotiforme caracterizado pela circunstância intrínseca, sistemicamente contraditória, de de a "cura" não se distinguir no fundo da própria doença ou mesmo se situar, em última instância, nela.
O que eu digo é que, retornando continuamente sobre a arquitectura essencial da própria representação como todo, a Morte traz consigo um conforto adicional que abre a porta directamente ao mito e ao complexo: dispensa a acção, dispensa a necesidade de agir.
A Morte é, com efeito, por definição, a glorificação ideal da passividade--uma passividade que basta cada vez mais para obter a desejada "reconquista" do paraíso.
A Inês de Castro (é dela, recordemos, que estamos aqui a falar, é a "ela" que reportamos, de facto, o essencial das reflexões aqui enunciadas) bastou, no fundo morrer para "ser rainha", no mitário nacional inêsiano tópico.
Morrer não é, pois, aqui já um mero incidente--é um pressuposto e uma condição.
Se não morresse, Inês continuaria fatalmente a ser "a estrangeira", o "perigo" político, é verdade, mas também (e, num certo sentido, sobretudo!) erótico: é bela, é sensual e, acima de tudo, nega, enquanto pessoa que se impõe objectualmente ao próprio peso inerte da ordem cultu(r)al estabelecida com os seus fantasmas e tabus herdados da formatação judaico-cristã dos paradigmas básicos de pensamento, o valor" especificamente religioso e, em geral, cultu(r)al que está (imperfeitamente) escondido no auto-negar-se sexualmente de forma consistente, sublimando decorrentemente (uma outra forma circunstancial clara de morte, isto é, de integrar e valorar a Morte) a auto-mutilação nas ideias/alibi de "missão"--de "missão sacrificial"--e de "dever" (Cf, por exemplo, a figura/personagem mitiforme de D. Isabel, mulher de D. Dinis, a esposa-mãe perfeita--a santa).
...A "santa" que Inês tende, aliás, a tornar-se (Lopes Vieira, n' "A Paixão de Pedro O Cru" sugere-o, eu diria, quase... ostensivamente) quando (e porque, lá está!) "aceita cultu(r)al ou simbologicamente" morrer...
O "complexo de Inês", então, tal como eu o vejo, consiste basicamente nisto: na "transferência" (termo que não uso aqui gratuitamente, aliás!...) para o domínio sacrificial/ritual da Morte do in/essencial dos paradigmas cultu(r)ais de (não!) intervenção individual e colectiva nos processos de (não!) transformação da realidade, como arquétipo ideal e perfeito de posicionamento dos indivíduos e das sociedades perante a acção e perante a própria realidade como tal.
É aqui que "entra" "A Boba".
Aquilo que Estela Guedes faz (ao mito, à construção mítica) em "A Boba" é bloquear (é, de facto, inverter por completo, subverter) a própria marcha inerte do processo de fixação e reprodução mitogénicas, libertando por completo (libertando-os como "proposta de programa inicialmente pessoal de inteligência contra-cultu(r)al da realidade") dos demónios que ele, processo, esconde.
O que ela faz é re/assumir uma postura de obstinada e esclarecida, quase dolorosamente lúcida resistência (outra palavra a cujo uso não recorro, de modo algum, aleatoriamente): uma resistência, diria eu, feroz (verbalmente feroz, com certeza!) assente num controlo admirável da matéria textual, da palavra, da imagética, de todo o edifício textual onde, de resto, a revolta e a insurreição têm início.
De facto, ela, em momento algum, se limita a "brincar" ou a "jogar" (mesmo verbalmente) com o mito, com o "complexo": o que ela faz não se chama, com efeito, 'brincar': o que ela faz, como disse, é resistir, denunciar, impiedosamente expor, dissecar, repropor.
O que ela traz é, no fundo, a cura, a verdadeira cura, o lancetar do "quisto" ou do "gânglio mítico", expondo em toda a sua extensão o volume da massa icórica nele enquistada.
O que ela propõe é o mergulho, aquilo que uma certa 'antipsiquiatria' particular designa pela expressão "derrocada esquizofrénica" i.e. a explosão neurótica que tocando o fundo da doença há-de idealmente trazer o sujeito de novo para a superfície.
A subversão cultu(r)al (o projecto pessoal, como disse, de 'inteligência da realidade' que Estela Guedes empreende corajosamente na peça) manifesta-se nesta de diversdas maneiras--não se escusando, diria eu, de tocar em "nervos cultu(r)ais" verdadeiramente sensíveis senão mesmo críticos.
Senão vejamos, por exemplo, o seguinte: tal como eu, pessoalmente, creio que Beckett faz (de forma aliás, recorrente e característica--caracteristicamente sarcástica, sardónica, escarninha) com o ritual celta do enterramento votivo, faz Estela Guedes na su' "A Boba" com o sacramento cristão católico da confissão: não é toda a peça uma?
E não é esta a própria 'confissão' de um país neurótico que se refugia (e que "cura" ou imagina curar!) as suas neuroses mais tópicas e estáveis na mitificação (muito mais da própria Morte como tal do que de qualquer outra coisa); não é ela, peça, a confissão em causa, mediada "par dessus le marché" por (imagine-se!) um bufão, neste caso, uma bufona desbocada e disforme--o lado mais negro (precisamente porque tenazmente resistente à mitificação) do próprio País?
A boba é, na sua deformidade, de algum modo paradoxalmente, o lado residualmente são da portugalidade.
É ou são (persiste, sobrevive-se n) os intelectuais que não se rendem ("não sou igual a vós, não reproduzo os vossos valores", diz ela textualmente a dado passo), nas consciências que mantêm o vício obstinado do esclarecimento e da lucidez.
Como Maria Estela Guedes, a autora deste fascinantemente contra-cultu(r)al projecto de seriíssima reflexão sobre a portugalidade, suas taras e seus mitos, seus modos de pensar (se) mais estáveis e distintivos.
Sobre a portugalidade e seus "complexos".
Subscrever:
Mensagens (Atom)