segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

"«A Farewell to Arms»", «Papá Hemingway» traído num filme retórico, ambicioso mas, sobretudo, completamente inútil"


Revisito hoje, aqui, a 'Galateia' do [cinematograficamente farfalhudo, truculento, vulgar, impositivo, moderadamente visionário---e apenas razoavelmente competente] 'Pigmaleão'-O' Selznick: a recentemente desaparecida Jennifer Jones.

Vemo-la aqui naquele que foi, em Portugal, um sucesso comercial verdadeiramente assinalável: "A Farewell To Arms", na segunda versão, dirigida por Henry King com a própria Jennifer e Rock Hudson, à época provavelmente o paradigma absoluto de beleza masculina.

Em termos globais, o filme foi um "flop" imenso que precipitaria, aliás, o fim do próprio O' Selznick como todo-poderoso produtor de "coisas" cinematograficamente, de facto, muito díspares que vão do clássico 'subcultu(r)al' e 'pop', "Gone With The Wind" ["avôzinho barbudo" de "tudo quanto é "Dallas", "Dinastia" e por aí adiante...] um "pastelão" imenso marcado por uma acidentadíssima realização que teria, como se sabe, o dedo do próprio Selznick [além de conhecer um rol infindável de candidatas a 'Scarlett O' Hara', um rol que incluíu, aliás, a própria Jennifer]; de "Gone With The Wind" a "Rebecca", o clássico absoluto de Hitchcock onde, porém, Selznick terá igualmente tido uma intervenção, directa e indirecta [através de imposições variadas que não vêm agora, todavia, ao caso] substancial e substantiva.

Este "A Farewell to Arms" [regressando a ele] seria cimatograficamente fatal a Selznick cuja carreira como produtor já não se reergueu do fracasso que o filme [muito justamente, aliás, pela maldade imperdoável que fez à obra literalmente referencial de "Papa Hem"...] constituiria.

A RTP Memória "deu" recentemente em re/passar mais ou menos regularmente o filme [o que seria, aliás, óptimo porque se trata, apesar de tudo, de um documento ilustrativo da maneira, quase invariavelmente infeliz, como Hemingway foi adaptado ao cinema mas, de igual modo, uma obra, a seu modo, considerável ao menos do ponto de vista antropológico nacional para que possamos ter uma ideia daquilo que encantava e comovia os nossos pais, avós e inclusive a nós mesmos, ainda não há muito---antes das telenovelas da TVI e quejandos 'objectos' "pantanosamente subculturais" que, entretanto, se enquistaram firmemente no universo supostamente cultural dos portugueses ---o que nos prova, aliás [outro aspecto antropológico e, concretamente, político, sem dúvida, relevante!] que, bem vistas as coisas, mudámos desgraçadamente como País, afinal, muito pouco em trinta e tal anos de uma chamada "democracia" que era suposta ser também [e, num certo sentido, sobretudo] uma democracia especificamente cultu(r)al [e "intelectual", em termos mais latos] mas que, afinal, nem sequer remotamente económica, social e política conseguiu [ainda?] ser...

O pior é que, com a "sensibilidade cultural", o "bom gosto", o "esclarecimento" e o "respeito" pelas obras de arte [boas ou más, essa é outra questão...] que a caracteriza, deliberou a televisão estatal passar do filme de King apenas para aí... um terço de espaço "útil".

Ou seja, apenas os metros---a 'tranche', a... "fatia"---central do filme chegou, de facto, a casa de quantos ligaram o receptor nos dias em que o filme passou, ficando os metros--as "pontas" correspondentes a, para aí, dois terços do filme!...---que "faltaram" reservados para o público 'de cinemateca' [que, como é sabido, não prima proprianente pela quantidade, entre nós...]

...e tudo indica que não primará nos tempos mais próximos com a RTP a fazer do Cinema propaganda desta natureza---e o fomento que costuma fazer com "medidas" como aquela de suspender o globalmente notabilíssimo "Cinco Noites, Cinco Filmes" no canal 2 ou "organizando" ciclos verdadeiramente "a pontapé" [ou "com os pés"---para não dizer com outras partes ainda mais imencionáveis do corpo humano...] como aquela "coisa" que, aos sábados se dedica trapalhonamente a "misturar alhos com bugalhos cinematográficos" até [literalmente!] às "tantas da manhã" e a que a direcção de programas chama tão pomposa quanto saloiamente "Sessão Dupla"...

Enfim...

Na falta de uma "inteligência cultural institucional" que nos leve, como sociedade, de facto e de direito, para a Europa [para a Europa sem aspas, entenda-se...]; na falta de um ministério e de uma política culturais consistentes e minimamente esclarecidas, resta-nos a memória e alguma inicitiva pessoal mais ou menos voluntasrista e "espontânea" que consiga ir resistindo à "selvajaria por absurdo" que é a Cultura em Portugal, hoje, para não deixarmos morrer a própria Cultura e, dentro dela, claro, o cinema com os seus Fords, Hawks, Hitchcocks, Wells, Langs, von Stroheims, Eisensteins e até esse "facho de luxo" que foi Griffith mas também com os seus "tarefeiros" mais ou menos "históricos" [os Sam Woods, os Raoul Walshes, os William Dieterles, os Edward Dmytryks, os Leo McCareys, os Richard Fleischers] e os seus "leiteiros e padeiros" de [alguma] visão, como este Selznick que, queiramo-lo ou não, marcou [tal como, noutro plano e à sua maneira, outro tanto fez Rock Hudson---e digo Rock Hudson porque Jennifer Jones era, de facto, como actriz "de outro campeonato", como muito judiciosamente recordava ainda recentemente no respectivo---comovido---obituário o "Monde"] com a suas acção por vezes megalómana e truculenta, o cinema mundial.

De uma das coisas boas do filme, deixo aqui uma memória viva: Hudson e Jones numa cena onde o 'espectáculo' de um erotismo cuidadosamente... "secundário", muito retoricamente, aliás, sublimado numa espécie de ínvio "humanismo de cartão" ["de Corín Tellado" ou "de fotonovela": o soldado ferido, a devotada enfermeira, etc. etc.] vagamente fetichista [a nudez de Hudson, a "críptica" inclinação dos volumes no plano, o uniforme de Jones, o quase beijo de Jones no ombro nu do parceiro estrategicamente filmado em primeiríssimo plano, o difuso elemento de persuasividade que consta de toda a cena e está, desde logo, claramente configurado e presente na postura da própria Jones] emerge em toda a sua sugestiva e contraditória---de algum modo, "problemática"---glória visual e [mau grado tudo o mais...] composicional e plástica.

2 comentários:

Gonçalo disse...

Amigo Carlos Acabado fico feliz por ver que está de novo de boa saúde e de volta ao ataque!
Aproveitando este tema da crítica que faz aos filmes e comparando com os dias de hoje, de facto é díficil para as pessoas da minha geração ou até mais novas descobrir produtos verdadeiramente culturais como os que descreve no seu blog.Os principais canais impigem os tais produtos muito PoP,novelas com um enredo fraquíssimo e muita marmelada" porque acredita-se que é isto que o povo quer ver e as audiências não mentem...Concursos básicos e repetitivos,debates a toda a hora que não levam a lado nenhum, etc.De facto a RTP Memória é um canal que ainda vai mostrando coisas de boa qualidade quer nacional, quer estrangeira. Eu que não tenho SportTv vejo muito pouca televisão e só encontro dois ou três canais com interesse.A música está também dominada pelo PoP (overdoses de Tony Carreira,Idolos,etc.),o Cinema português é praticamente uma nulidade e o que se faz muito pouco divulgado,importam-se "coisas" de fora de qualidade miuito duvidosa, assim é díficil que os mais novos descubram coisas de real valor,parece que alguém impôs ao país que é proibido pensar, discutir, e isso é preocupante para mim e vejo que os mais novos ainda são levados por caminhos piores.Os miúdos passam cada vez mais tempo na Escola chegam a casa ainda têem trabalhos mais as aulas de substituição, chegam ao fim de semana estoirados,não brincam na rua (disse há alguns dias noutro blog amigo que cada vez via menos miúdos a jogar futebol na rua, a ir ver os jogos, ver um jogo de futebol é também uma forma de cultura), os pais (muitos deles sem qualquer intersse pela escola quando lá andaram!) querem a todo o custo fazer com que os filho tenham sucesso na escola, os miúdos começam desde cedo a viver numa rotina asfixiante não há tempo para mais nada. A cultura não pode ser imposta como obrigação escolar tem que se ir descobrindo aos poucos,sem pressões como escape da rotina diária.O problema hoje talvez seja:como arranjar tempo para isso?!

Carlos Machado Acabado disse...

É um círculo verdadeiramente vicioso, Amigo!
As pessoas não têm acesso a outras formas de [sub?] cultura senão as que têm "valor" comercial e, não tendo acesso---fácil, pelo menos--a essa visão, chamemos-lhe, "em profundidade" dos objectos da Cultura, também não desenvolvem por esta a apetência, a prazo, espontânea que seria bom que desenvolvessem...

A televisão, pois...
O problema da televisão é que ela não posssui, em sociedades como aquela em que vivemos [hesito, por razões que o meu Amigo compreende, em dizer: "a nossa"...] um olhar 'naturalmente cultural' sobre a realidade mas um olhar simplesmente comercial que, em última instâsncia, não CRIA hábitos, antes os EXPLORA [e RENTABILIZA] até ao vómito ou à náusea.
Por isso, "dali" não há, de facto, muito a esperar...
Eu diria, concordando incondicionalmente consigo, que nos falta, em termos de Cinema, como sociedade um "olhar cineclubista" sobre aquilo que se faz: uma espécie de versão cinematográfica daquela ideia de "ler e depois" que é o título de um livro do Óscar Lopes e que, mutatias mutandis, aqui seria "VER e depois"....
F
Isto é: falta-nos a prática de ir criticamente[muito!] além
do consumo do produto [escrito, filmado, etc.---que é o modo cultu(r)al típico de [não] ver, no fundo, coisa alguma entre nós, hoje-por-hoje, em matéria de Cultura...
Os Carreiras e quejandos resultam dezsse círculo vicioso que dá muito dinheiro a ganhar a quem entre nós hoje faz vida de "comprar para revender", em matéria de Arte e de Cultura...
Sobre o Cinema português, éb uma "chatice": ou se fazem porcarias inconcebíveis que pretendem, a qualquer preço, aspirar à comercialidade ou, em alternativa filmes para o próprio realizador e amigos [ou para aquele e... inimigos], uns para incensar o "génio", outros para o imolar...
A falta de uma indústria que torne o acto de filmar uma espécie de dado adquirido faz-se sentir, entre nós, dramaticamente.
Foi da indústria que sairam os Fords, os Hawks, os Hitchcocks e por aí fora; homens que, como dizia [ironicamente, embora] o Ford fizeram não apenas "filmes de cowboys" [alguns deles] mas Cinema.
SDem terem a necessidade de reinventar a forma de fazê-lo ou de ttransformar o acto de filmar numa espécie de "ensaio crítico" sobre a linguagem do própruio Cinema.
Estão para além disso porque, por trás deles, há uma indústria que já resolveu esse problema há muito.
E das mãos deles sairam coisaas absolutamente geniais como "Rio Bravo" de Hawks, "A DEsaparecida" de Ford ou "Intriga Internacional" de Hitchcock...
Eu gosto muito do cinema europeu mas é, a meu ver, da dialéctica entre uma certa perspectiva mais "intelectualizada" e mais "esteticizada europeia e da sua contraparte 'pop' americana, por exemplo, que nasce o Grande Cinema.
Mas claro para um país com capital na... Merdaleja do "falecido" Herman José todas essas questões são fantasias de E.T....
O bom é a pornochanchada-TVI, a alarvidade concorrente "made in SIC" e pouco mais.
A ralidade [a... "cultura"] para o "Portugal da Merdaleja", teledependente e desesperantemente néscio, acaba aí...
É, de facto, um círculo vicioso...
Um abraço e espero re/vê-lo muitas mais vezes por "cá".
O meu "regresso" é ainda muito condicionado pela saúde [ou falta dela] mas "cá vamos andando" e muito obrigado pela amabilidade das suas palavras...