sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

"Good memories belong in Heaven"


Já depois de expresso o irreprimível júbilo pelo regresso a casa da activista sahraoui Aminatu Haidar [ver entrada imediatamente a seguir] sou surpreendido por um "rodapé" da SIC [salvo erro] dando conta do falecimento da actriz Jennifer Jones.

Poderá quem teve a lamentável ideia de reduzir o desaparecimento daquela que foi sem sombra de dúvida um dos grandes mitos do Cinema de todos os tempos---essa 'Lilian Gish sensual e misteriosa' que nos daria a inesquecível 'Pearl Chavez' de "Duel In The Sun" de King Vidor, baseado no romance homónimo de Niven Bush--a um mísero rodapé de estação-tablóide [cada vez mais estúpida, esta Idade Mídia em que deixámos se tornasse o tempo histórico e, sobretudo, cultu[r]al à nossa volta!] entre as mais inimagináveis vulgaridades que, invariavelmente, povoam esse tipo de modelo 'informativo' tão caracteristicamente "pós-moderno", ter uma ideia, mesmo apenas remota, da emoção, do arrebatamento pop, que filmes como "Portrait Of Jenny" de William Dieterle, "Since You Went Away", de John Cromwell ou "Love Is A Many-Splendored Thing", de Henry King para citar apenas dois; ou os arrepios de excitação e puro escândalo que o já citado "Duel In The Sun" com os tórridos des/amores de Jones e Peck envenenando a cândida pureza do de Joseph Cotten por Jones causaram entre nós na, hoje paradoxalmente [ou talvez não...] saudosa pasmaceira que era a vida quotidiana [e cultu(r)al! E cultu(r)al!]lisboeta nos anos '50 e '60?...

À Jennifer, revi-a já entradota mas sempre etérea e deslumbrantemente enigmática no 'pastelão' indescritível que foi "The Towering Inferno" [revi-a meio distraído, preso, então, ao fascínio incontrolável---virtualmente arrebatador e irrepetível---de um Abril acabadinho de chegar...] envolvida num trágico romance com esse outro, a seu modo, deslumbrante 'objecto arqueológico' da nossa memória colectiva que encantou Fellini, Fred Astaire---um romance, como disse, trágico que acabaria impossivelmente envolto em cinzas, despenhando-se num abismo que o era também de vulgaridade e mau gosto...

Na SIC ignoram-no--com a despreocupada alarvidade dos sem-memória mas toda aquela gente que levou anos a encher devotadamente o velho "Royal", o falecido "Lys", o desaparecido "Rex" e tutti quanti, como diz o meu querido Amigo-e Samuel; o "Royal", o "Lys", o "Rex", todos eles, hoje-por-hoje, fantasmas de uma Lisboa cultural [e cultual] condenada a alimentar-se continuamente da sua própria triste [e forçada] inocência, sem 'direito ao pecado' e privada inclusive do 'privilégio moral' nobre da própria culpa, como [quase] escreveu Natália num texto famoso que o Zé Mário converteu em quasi-hino; essa Lisboa, todos esses fantasmas que por aí se obstinam, mau grado tudo, em ficar---apesar dos drugstores e da mamarrachada indescritível do Taveira, recorda-lá-á com a emocionada melancolia com que se recorda uma improvável juventude que, a dado passo [e eu já dei esse passo!...] se começa a duvidar se realmente existiu ou o cadáver da inocência [definitivamente] perdida!...

"Good riddance, then, sweet Pearl! You're definitely much better off "up there": "up there" is the ideal shrine for lost dreams, it's where all dreams should be kept anyway: up in Heaven with all ideal impossibilities and all too pure perfections"...

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