Retomo, hoje, de uma "sede" [temporariamente?] distinta, ass actividades "quísticas" [salvo seja...] ordinárias.
Reabro, assim, com os dois/três Amigos que, querem [com a generosidade e o espírito de sacrifício que caracterizam a boa e genuína Amizade] volta-não-volta virm aqui... "tomar umas ideias" comigo um contacto que a doença tem, se não de todo impossibilitado, pelo menos dificultado.
De entre as muitas possibilidades de partilha que, assim de repente, me ocorreram para marcar este [infelizmente, ao que tudo indica, ainda provisório] regresso, decidi-me por este belo e famosíssimo poema de um dos mais representativos nomes da "Tanatopia nacional", António Feijó, que constitui, com Álvaro do Carvalhal, Manuel Laranjeira e António Patrício, um "quadriunvirato" de Autores portugueses injusissimamente esquecidos, todos eles, de um modo ou de outro figuras trágicas de 'marginais' e/ou autores "malditos"---párias de um sucesso antológico e crítico incondicional, seguramente---e alguns, como Feijó e esse 'brevíssimo mas fulgurante Carvalhal', abertamente "tanatópicos", cuja Obra releio sempre com uma renovada [e invariavelmente vibrante] fascinação.
Literário, claro e, de um modo mais lato, também cultu(r)al: são homens [e escritas] que apontam para um lado mais negro [mais "dark", como chamou Julie Campbell à "comédia" beckettiana] e subterrâneo da portugalidade mental, intelectual e estética---homens e escritas que lhe conferem a esta última uma dimensão de inquietação e angústia, pessoal e, de alguma forma, também, de um modo ou de outro, colectiva que a muitos dos "consagrados" tradicionais, decididamente, falta...
São a expressão, creio eu, cultu(r)almente possível de uma inquietação existencial que ganha foros de verdadeiro "paroxismo suicidário" que, no caso de Patrício, permitiu a Jorge Listopad referir-se-lhe [muito judiciosamente, na minha modestíssima opinião] como um "Beckett com várias décadas de antecedência" ou coisa que o valha.
Várias décadas e... uma cadeias de montanhas pelo meio, acrescentaria eu---os implacáveis Pirinéus que, ainda hoje, pesam muito...
Dito isto, cá vai o texto---mas [curiosidade adicional!] vai num italiano verdadeiramente arrebatador que potencia subtilmente preciosa sonoridade do original.
A tradução em causa é de Guido Battelli, está incluída numa curiosíssima, vetustíssima ["simpática mas nem sempre muito feliz em termlos de escolhas, é preciso reconhecer...] "Antologia de Lirici Portoghesi" editada em Lanciano em Janeiro de 1929 "a cura" daquele mesmo Guido Battelli que fez a opção de, por exemplo, incluir autores como um respeitável e, acima de tudo, honestíssimo operário das letras Silva Gayo; um autor de "papel de parede literário" como Júlio Dantas ou até autores nascidos fora do País como Avelino Gomes Ledo, nascido na Galiza].
A Antologia em causa [o meu exemplar tem ainda a curiosidade adicional de ter pertencido a Manuel de Seabra] vale, sobretudo, pela possibilidade que dá ao leitor interessado em "emoções estéticas" mais ou menos invulgares de ftruir experiências curiosíssimas como essa de [re] ler alguns sonetos de, por exemplo, Antero na língua de Dante ou de testar como nela soam [como funcionam plasticamentem] a "Morena" de Junqueiro ["Brunetta", na versão de Battelli ou ]o famosíssimo "Rosário" de G0nçalves Crespo [que a "rapaziada do Gil", do meu tempo teve de saber de cor e declamar sem uma hesitação ou esquecimento nas aulas de Português da "tenebrosa" Ana Rosa Monteiro...]
E posto isto, cá vai, para... "memória futura", o 'nocturníssimo' soneto de Feijó:
Morí. Distesa nella stretta baia,
pallida e bionda, tutta bionda e bianca,
sul triste labro conservava ancora
l'ombra d' un sogno virginal che manca.
Giglio apassito allo spuntar del giorno,
abbandonata como fosse stanca,
le bianche mani s' incrociava al petto
pallida e bioda, tutta bionda e bianca.
Avea il colore d' un' aerea fata
e dell' antiche suori penitenti,
nella piccola bara adormentata.
Morte la prese coll' adunco artiglio:
giammai, giammai non la potrò scordare,
pallida e bioda, bianca como um giglio.
[Eis o texto original do soneto:
Morreu. Deitada no caixão estreito,
Pálida e loira, muito loira e fria
O seu lábio tristíssimo sorria
Como num sonho virginal desfeito.
Lírio que murcha ao despontar do dia,
Foi descansar no derradeiro leito,
As mãos de neve erguidas sobre o peito,
Pálida e loira, muito loira e fria...
Tinha a cor das rainhas das baladas
E das monjas antigas maceradas,
No pequenino esquife onde dormia...
Levou-a a morte na sua garra adunca
E eu nunca mais pude esquecê-la, nunca!
Pálida e loira, muito loira e fria...]
Um abraço a todos!
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