Para os [como eu e o Armando Nascimento Rosa, entre alguns outros] "amantes" de Beckett, deixo aqui duas das "Notas" com que me pareceu necessário dotar o meu próprio trabalho de verter para português o texto inglês de "Play", de Beckett, originalmente representado na versão alemã, intitulada "Spiel".
A primeira nota refere-se à opção de "traduzir" o título da versão inglesa, o tal "Play", não dessa mesma versão mas da francesa, também da pena do próprio Beckett e intitulada "Comédie".
Eis, então, a "Nota", tal como consta dfo documento enviado à "Comuna" que me encomendou a versão portuguesa::
[1] Entendeu o autor da versão portuguesa de “Play” recorrer supletivamente, neste [como, de resto, em diversos outros] pontos, ao texto francês da peça, da lavra do próprio Beckett, intitulado “Comédie”, solução que utilizou, na sua versão, por exemplo, desde logo, especificamente, também um pouco mais à frente [página 11] num contexto particular em que o termo em causa volta a ocorrer.
Considerou, com efeito, o tradutor mais significante e mais concisa em termos de língua portuguesa, a lição “Comédia” à alternativa da tradução literal do termo ”play”, “peça”, em seu entender, incomparavelmente menos sintética e menos conclusiva: francamente menos autónoma.
Considerou, com efeito, o tradutor mais significante e mais concisa em termos de língua portuguesa, a lição “Comédia” à alternativa da tradução literal do termo ”play”, “peça”, em seu entender, incomparavelmente menos sintética e menos conclusiva: francamente menos autónoma.
A segunda nota que aqui deixo [a 4ª do conjunto que entendi agregar ao texto traduzido] reporta-se à "tradução" [impossível de dar nas suas múltiplas sugestões e ecos sémicos] do título e reza assim:
[4] Ver nota [1].
No presente contexto, porém, haverá, ainda, no caso específico do texto inglês, que contar com uma sugestão subliminar adicional [nada despicienda, de resto—longe disso!...] envolvendo a ideia de “jogo” [“play”= “jogo”, “Spiel”, na versão alemã onde a ambiguidade, portanto, se mantém integralmente; cf. vg. a fala de M1 na página 15] remetendo, então, para a ideia possível de uma subtil potenciação do carácter de vacuidade senão mesmo de efectivo ‘absurdo’ dos gestos e atitudes exteriores [meramente exteriores?...] das personagens na medida em que essa sugestão de imaginar [?] as mesmas envolvidas [também?] num ‘jogo’ pode [em tese, pelo menos] trazer consigo uma outra sugestão implícita ulterior de cumprimento mais ou menos mecânico e impessoal, por parte delas, de ‘rituais de sociabilidade’—ou, se quisermos ir um pouco mais longe, pode trazer consigo a sugestão de uma objectiva dissociação ou mesmo des-integração, entre a vontade, o arbítrio [a liberdade?] e/ou inclusivamente o próprio desejo das personagens e os respectivos actos—algo que seria, de resto, sem dúvida, muito [mas mesmo muito!] beckettiano.
Numa opinião meramente pessoal, pensa, aliás, o autor da versão portuguesa que um dos modos possíveis de ler esta “Comédie” é justamente abordando-a, em termos globais, como uma espécie de transversal e, aos mesmo tempo, muito beckettianamente exaustiva, impiedosa e também estratégica—“cirúrgica”—des-construção de uma certa experiência/comédia ‘burguesas’ [muito... por exemplo, “noel-cowardiana”, no caso da comédia: “Spiel/Play/Comédie” poderia, nesse caso, ser uma espécie de “revisitação”—lá está!—muito beckettianamente céptica e sardónica—senão mesmo inquietantemente desesperada—de, por exemplo, uma “Still Life” de Coward, de onde David Lean extraíu, como se sabe, um soberbo “Brief Encounter” com uns inesquecíveis Celia Johnson e Trevor Howard]; comédia 'burguesa' essa cujos fundamentos retóricos e, sobretudo, volto a referir: existenciais estariam aqui a ser metodicamente reduzidos ao absurdo, encontrando-nos nós, nesse caso, perante uma espécie de concha vazia e de uma “comédia da comédia” ou “framed comedy”, ela mesma obtida, assim, por des-construção, como disse, ou, também aqui, dissociação de um certo paradigma anterior de que “Comédie” representaria, então, a contraparte ou o eco já determinadamente “absurdizantes”. Acrescente-se, também, já agora, citando—e alargando ulteriormente [“desfigurando” apenas o... estritamente necessário...]—o conceito de “dark comedy” beckettiana adiantado pela académica britânica Julie Campbell a propósito do criador de Godot, poucas vezes como aqui, nesta sombria comédia de sombras, o termo “dark” terá sido, no contexto da exegese beckettiana, empregado com tanta propriedade.
No presente contexto, porém, haverá, ainda, no caso específico do texto inglês, que contar com uma sugestão subliminar adicional [nada despicienda, de resto—longe disso!...] envolvendo a ideia de “jogo” [“play”= “jogo”, “Spiel”, na versão alemã onde a ambiguidade, portanto, se mantém integralmente; cf. vg. a fala de M1 na página 15] remetendo, então, para a ideia possível de uma subtil potenciação do carácter de vacuidade senão mesmo de efectivo ‘absurdo’ dos gestos e atitudes exteriores [meramente exteriores?...] das personagens na medida em que essa sugestão de imaginar [?] as mesmas envolvidas [também?] num ‘jogo’ pode [em tese, pelo menos] trazer consigo uma outra sugestão implícita ulterior de cumprimento mais ou menos mecânico e impessoal, por parte delas, de ‘rituais de sociabilidade’—ou, se quisermos ir um pouco mais longe, pode trazer consigo a sugestão de uma objectiva dissociação ou mesmo des-integração, entre a vontade, o arbítrio [a liberdade?] e/ou inclusivamente o próprio desejo das personagens e os respectivos actos—algo que seria, de resto, sem dúvida, muito [mas mesmo muito!] beckettiano.
Numa opinião meramente pessoal, pensa, aliás, o autor da versão portuguesa que um dos modos possíveis de ler esta “Comédie” é justamente abordando-a, em termos globais, como uma espécie de transversal e, aos mesmo tempo, muito beckettianamente exaustiva, impiedosa e também estratégica—“cirúrgica”—des-construção de uma certa experiência/comédia ‘burguesas’ [muito... por exemplo, “noel-cowardiana”, no caso da comédia: “Spiel/Play/Comédie” poderia, nesse caso, ser uma espécie de “revisitação”—lá está!—muito beckettianamente céptica e sardónica—senão mesmo inquietantemente desesperada—de, por exemplo, uma “Still Life” de Coward, de onde David Lean extraíu, como se sabe, um soberbo “Brief Encounter” com uns inesquecíveis Celia Johnson e Trevor Howard]; comédia 'burguesa' essa cujos fundamentos retóricos e, sobretudo, volto a referir: existenciais estariam aqui a ser metodicamente reduzidos ao absurdo, encontrando-nos nós, nesse caso, perante uma espécie de concha vazia e de uma “comédia da comédia” ou “framed comedy”, ela mesma obtida, assim, por des-construção, como disse, ou, também aqui, dissociação de um certo paradigma anterior de que “Comédie” representaria, então, a contraparte ou o eco já determinadamente “absurdizantes”. Acrescente-se, também, já agora, citando—e alargando ulteriormente [“desfigurando” apenas o... estritamente necessário...]—o conceito de “dark comedy” beckettiana adiantado pela académica britânica Julie Campbell a propósito do criador de Godot, poucas vezes como aqui, nesta sombria comédia de sombras, o termo “dark” terá sido, no contexto da exegese beckettiana, empregado com tanta propriedade.
[Na imagem: "Void-otopy", colagem sobre papel de Carlos Machado Acabado]
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