terça-feira, 1 de março de 2011

"Wild Rovers" de Blake Edwards [1971] ou as «estruturas do acaso» e «do ocaso»"


É mais um exemplo de "estória" de amor entre dois homens tão comum no "western" este filme que o TCM passou recentemente.


É verdade que, enquanto filme, não acrescenta coisa alguma ao "western" crepuscular e decadentista de Peckinpah ["Ride the High Country", por exemplo] um dos grandes nomes dessa fase final de auto-reflexão sobre o género que antecedeu o respectivo e já muito operático renascimento europeu, sobretudo, italiano que a obra de Peckinpah, de resto e como é sabido, antecipa.


O filme de Edwards vale, principalmente, pelo trabalho e pelo rosto de um William Holden envelhecido e por esse motivo tão 'de época' do "golpe" falhado envolvendo, de unm modo ou de outro, uma certa céptica desmontagem do "Sonho americano", algo que, na literatura atinge o estatuto máximo com F.S. Fitzgerald e, entre outros, os seus "The Great Gatsby" e "Tender Is The Night".

'Ross Bodine' [W. Holden] e 'Frank Post' [Ryan O'Neill] são uma espécie de 'Matt Marriott' e 'Pólvora', conhecidas personagens da B.D., "rovers" "wild" como tudo que sonham possuir um rancho para o que decidem assaltar um banco.

Em fuga, são como Butch Cassidy e o Sundance Kid de George Roy Hill perseguidos e, finalmente, alcançados, gorando-se, por fim, à beira de ser atingido, o objectivo do assalto, numa trama que faz também pensar, por exemplo, em "The Killing" de Kubrick ou "Rififi" de Dassin ou mesmo numa paráfrase da afirmação de Malraux no prefácio da edição francesa de "Sanctuary" de Faulkner de que "les détectives n'existent pas, Toute activité policiaire se basant sur la délation pas sur le génie d'un détective «iluminé»". Parafraseando a ideia poderia dizer-se o mesmo do herói: "Les héros ça n'existe pas. Toute heroïcité se base sur la disposition purement circonstencielle et même frquement arbitraire, gratuite de la realité et specifiquement de l'histoire, et individuelle et colective".

"Wild Rovers" é um filme amargo e cinematograficamente interessante, bem contado mas, em caso algum, inesquecível. Dele fica-nos, diria eu, sobretudo a recordação de dois simpáticos "losers" que Edwards acompanha e humaniza tal como, nada gratuitamente, Penn faz com Bonnie Parker e Clyde Barrow, no filme homónimo, uma obra incomparavelmente mais brilhante do que estes "Rovers" e até, em mais de um sentido, definitiva.

O filme de Edwards fala-nos da incapacidade final de a acção humana determinar autonomamente o curso da realidade, sucedendo que há, pelo contrário, todo o peso de um conjunto de intervenções mais ou menos... "espontâneas" daquilo a que poderíamos com alguma suponho que admissível propriedade, chamar a «máquina da realidade» que se impõem e condicionam essa mesma acção humana.

É, neste sentido, um filme profundamente amargo e pessimista, uma espécie de reflexão mais ou menos "filosófica" sobre a realidade e sobre, como disse, os limites da acção humana no condicionamento e na transformação da História.

A partir daqui, John Wayne [o Wayne de "Stagecoach", "Rio Bravo" ou mesmo "A Desaparecida"] deixa definitivamente de ter o papel principal e referencial na mitologia do "western" e cineastas como Ford ou Hawks, extraordinários contadores de "estórias", grandes poetas épicos do cinema perdem actualidade e estão condenados a tornar-se "meros" "clássicos".

O universo do "western" antes de se converter em ópera sobretudo com com Leone, passa a ser dominado pelo já citado Peckinpah, que faz, acima de tudo, a crónica prática da morte do género e das suas referências tópicas, algo a que, aliás, o próprio "Duke" Wayne se verá compelido a fornecer um rosto, numa singular "conversão" que o levará do já citado "Rio Bravo" [a sua obra máxima, em meu entender], a "The Shootist" de Siegel quando o cancro contraído durante as filmagens de "O Conquistador" e a morte próxima do actor se converteram em script e, em seguida, em filme.
O filme de Edwards, um dos seus filmes "sérios" inclui, no elenco, como disse, a estrela do mega--sucesso "Love Story", um Ryan O'Neill muito jovem e, à época, por causa deste último filme, muito popular e um solidíssimo Karl Malden com um papel todavia menor, além de Holden, cuja máscara impressiva ajuda a potenciar o que o filme possui de profundamente amargo e desencantado: a impressão de fracasso e de fragilidade e mesmo de radical in-utilidade dos desígnios humanos que perpassa por todo o filme, algo que, com raríssimas excepções [algum cinema de Ford fornece exemplos cinematograficamente imorredouros] é raro figurar no motivário típico do "western" clássico mas se tornaria, e não por acaso, comum nas décadas de '60 e '70.
De facto, num certo sentido, é exactamente isso que o distingue de outros "westerns" anteriores e faz dele mesmo, uma obra já do pós-"western": essa desfixação nuclear dos motivos do "western" desde logo, do papel determinante do herói mas também da recentração da acção dramática em figuras, de um modo ou de outro marginais, [os ladrões de bancos em "Bonnie & Clyde" de Penn ou, de algum modo, os índios em "Soldier Blue", neste caso seguindo uma linha de revisão que se inicia com "Buffalo Bill" de William Wellman, com Joel McCrea que John Ford retoma com o seu reconhecido génio para a construção de personagens em "Fort Apache".
Aqui, na película de Edwards os "heróis" fracassam rotundamente e quanto fazem define-se, na realidade, em última instância, pela mais completa vanidade-inutilidade.
É o começo da idade adulta do cinema pop, a era em que a História entra decididamente na ficção ecoando a emergência e triunfo dos nacionalismos anti-coloniais e anti-imperiais por todo o mundo e o motivário tradicional é consistentemente "revisto", nomeadamente no que resperita à representação de heróis e vilões.

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