sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

"Portrait of Jenny"

A silhueta diáfana da recentemente desaparecida Jennifer Jones uma das muitas quasi-Scarlett O'Haras que foram ficando 'pelo caminho' e que, entre outras coisas, de um modo ou de outro, cinematograficamente referenciais [embora nem sempre cinematograficamente ideais, é preciso reconhecer...] protagonizou com Joseph Cotten um filme pretensamente fantasmagórico e candidamente etéreo, visto a partir de hoje com olhos de tolerante cinefilia, deliciosa, quase empolgantemente ingénuo no seu ambicioso projecto de intrigar plateias [dito de outro modo: sempre 'coerententemente vulgar'...] de William Dieterle [cuja banda sonora incluía, porém, Debussy...] intitulado "Retrato de Jenny" que preencheu as embasbacadas conversas de muita dona-de-casa lisboeta dessa sempre, de um modo ou de outro, 'provicianamente boquiaberta' Lisboa de '50---filme de que se revêem hoje [com a nostalgia de quem viveu intensamente na adolescência o cândidíssimo espanto por ele suscitado] aqui dois, exemplares fotogramas...

[Sobre o filme de Dieterle escreveu José Augusto França, no seu nem sempre justo---e nem sempre facilmente decifrável...---"Dez Anos de Cinema":


"Com o espírito do «Reader's» também terá relação o «Retrato de Jenny»---uma história de fadas narrada directamente em termos de realismo e mistério, com interrogações propositadas ao racionalismo de cada espectador. Não se tratava de nada com intenção intelectual, antes de um simbolismo ténue e delicado, esparso numa vaga história de amor, na novela de Robert Nathan; para Selznick, porém, e para o «movie-goer» pequeno-burguês, a coisa tinha de mudar de rumo, na grosseria de uma expectativa que a plateia via sempre satisfeita mas cuja «razão» ignorava. Quero crer que um francês iria directamente para a convenção simbólica---mas estou certo de que só um realizador inglês enconttraria o plano de identidade com o original literário. O colorido vário da fotografia, no fim do filme, o verde da tempestade, o sépias da bonança, é que eu não conheço ninguém tão ingénuo para o usar---nem mesmo este William Dieterle que o fez..."]

4 comentários:

samuel disse...

Ora aí está um filme que um dia destes farei algo para ver...
Pode ser que uma revista ou jornal se disponha a "oferecer" uma colecção deste género...

Abraço.

Ana disse...

Uma Jenny que eu não vi. Mais uma sugestão que tenho de te agradecer.

Um beijo a desejar-te um feliz Natal, Carlos.

Ps. O teu comentário na Encosta deixou-me um grande sorriso :-)

Carlos Machado Acabado disse...

Samuel:

É essencialmente uma espécie de... "avôzinho" dos actuais "Crespúsculos" et al...
Para mim, é sobretudo, como disse, um certo fascínio adolescente [e, também, reconheço, sobretudo, na origem, muito indiscriminado muito... "se-é-cinema-vamos-'papá-lo'"...] pela "missa da sala escura" que está aqui em causa.
Em adolescente, eu via [quase literalmente] tudo o que "me aparecia pela frente", sempre com a mesma emoção que, em certos casos, tinha, demonstravelmente, muito de "religiosa", confesso.
Só mais tarde, comecei a ser mais selectivo---desde que vi [concretamente, no "velho" Rex, da rua da Palma, num dia em que---mais uma vez...---troquei sorrateiramente as aulas na "Luís de Camões", um pouco mais acima pelo universo mágico das "emoções sempre novas a cinco 'paus'"...---quase por acaso uma coisa fabulosa do Lang ("M...") que me fez intuir, se não ainda propriamente perceber, que... 'havia vida para além' do Gary Cooper e que o Cinema tem "classes", como a sociedade e que a "aristocracia" dele é de facto "outro mundo": aquelas sombras, o insondável e arrebatador preto-e-branco, a atmosfera de irreprimível opressão que de ambos se desprende, de forma quase obsessiva, a percepção confusa dos inimigináveis extremos de violência e abjecção, de baixeza e pura crueldade, a que pode chegar a espécie humana que o Lang explora de uma forma impiedosa e verdadeiramente implacável---tudo aquilo foi para mim, habituado a maravilhar-me com o cinema incomparavelmente menos 'seminal' e imensamente... mais 'confortável e reconfortantemente mais ... '"festivo" dos Hawks e dos Fords [que eu começava, entretanto, gradualmente a identificar pelos respectivos "toques"...] abriram-me os olhos que o visionamento [no antigo S.N.I de um ciclo de Cinema mudo Francês com filmes do Clair---"Entr' Act"; do Epstein---"La Chute de la Maison Usher"; da dupla Buñuel/Dali---o fabulosamente 'subversor e subversivo' "Un Chien Andalou"] fariam com que, até hoje, se tivessem podido conservar razoavelmente...] abertos, agora num registo geralmente mais crítico embora não menos extasiado...
Enfim... "memórias, quem as não tem?"...
Mas, Amigo, se tiveres ocasião, vê mesmoa "Jenny", o Cotten e, sobretudo, a diáfana da Jones: é 'giro', até para se ter uma ideia do que bastava para "embasbacar" e intrigar a sonolenta "Cidade Branca" nos primórdios do século passado...
Um GRANDE Natal para ti e para os teus!
Adorei "ver-te" por cá, em especial nestes momentos de particulares vulnerabilidade e temor em que toda a atenção e todas as presenças nos pasrecem insificientes...
As verdadeiras Amizades começam [e conhecem-se] desse modo.
Um ENORME abraço!

Carlos Machado Acabado disse...

Ana: se leste o que escrevi para o Samuel [e que é também para ti, claro, e para todo o "povo quístico", em geral] já pudeste concluir que... enfim... este "Retrato" não será nem "Citizen Kane", nem sequer "Vertigo".
Mas é, como dizia ao Samuel, uma época da nossa adolescência colectiva [que, aliás, parece não se ter esgotado ainda de todo mas enfim...]
Se puderes, vê, ainda assim, até como simples "documento".
Como admite o Samuel, pode ser que um jornal ou revista se decida dar-nos um dia uma versão DVD ou coisa que o valha.
Eu acho, aliás, que um dos grandes males da [nossa? Da "nossa"?] Cultura é ter perdido por completo a memória e, pior ainda, ter feito disso, da perda da memória, uma verdadeira [sub?] "cultura" em si mesma.
Que raio!
A nossa memória é feita, em termos de Cinema, de Kubriks e Leans, de Wells e von Stroheims mas também de Walshes e Curtizes ou mesmo Dieterles...
A cultura é, de algum modo, a obsessão, em tantos casos, dolorosa e angustiada, da superação dos limites [e a vulgaridade é, decididamente, um desses limites] mas, sem a visão e até a integração, desses mesmos limites, todo o trabalho de superá-los perde, de algum modo, perspectiva global---e até humanidade.
Por isso, viva a Jennifer Jones e viva esse medianíssimo e obscuro Dieterle que, no caso do filme de que estamos aqui a falar, [re] fez dela um fantasma deslumbrante que acabámos desgraçada [e, também, muito ignorada, muito 'secretamente'...] de perder, aos 90 [!!] anos!
Enfim... "it's the way of all flesh, I suppose..."
Mais vale não pensarmos muito nisso---sobretudo agora, nesta sempre calorosa e íntima época do ano para a qual te quero, desde já, desejar também, a ti e aos teus, TODA A FELICIDADE que os vossos corações puderem conter!...
Um grande beijinho do teu Amigo-e
Carlos