Não podemos mais é meter a cabeça na areia e recusar ver o que é, porém, uma evidência absolutamente gritante: o ciclo Jorge Jesus no Benfica está concluido
. Mais do que concluído
: esgotado. O J.J. já deu
o que tinha a dar... Perdeu o "toque de Midas" que levava a equipa a transcender-se. Meteu-se-lhe em cabeça que tem de "inventar" Coentrões todos os dias e converteu-se num perigoso e aparentemente insanável factor de instabilidade e desorganização interna...
Apesar de ter aclamado a respectiva contratação, premiada, aliás, com um campeonato, sou hoje forçado a reconhecer que lhe falta consistência para treinar o Benfica. E sobretudo para "reinventá-lo" ou "refundá-lo", como cheguei a acreditar que tinha estofo para fazer e como fizeram, no seu tempo, cada um a sua maneira, Ted Smith, Otto Glória, Mortimore ou Hagan e Eriksson... Rui Costa [se ainda por lá anda o que não é de todo líquido...] é outro equívoco colossal. O velho "capitão" Wilson ou o grande Mário Coluna são as minhas propostas pessoais para director desportivo. Têm o saber e a autoridade natural para transmitirem a mística e pôr fim às brincadeiras e tragicómicos episódios de engenharia táctica em que Jesus manifestamente se compraz...
Também Luís Filipe Vieira me parece ter sido um excelente "ministro das finanças" do Clube, após o que se converteu, todavia, num "primeiro-ministro" pouco menos do que medíocre. O Benfica segue, assim, cheio de equívocos cujo fim só podia mesmo ser o fracasso anunciado ainda não há muito em Guimarães...
Há muito que me vem parecendo inevitável um "aggiornamento" estrutural que relance o Clube, o Benfica pós-lei "da opção" e o reprojecte para o lugar de referência absoluta no panorama competitivo nacional através da abertura do capital da SAD ao investimento privado, como sucede no futebol inglês com o qual o Benfica está por estatuto "obrigado" a concorrer.
O Benfica liderou, com efeito, durante décadas o futebol nacional porque soube sempre antecipar-se à concorrência com o já citado Ted Smith a apostar na preparação física séria dos seus jogadores, numa altura em que os plantéis se preparavam com corridinhas à volta dos estádios e campos do País e aos grandes para vencerem bastava esperar pacientemente que o cansaço ditasse leis e a sua melhor preparação naturalmente se impusesse e achasse expressão adequada em golos.
Depois com Otto Glória modernizou a estrutura administrativa conferindo-lhe um estatuto já muito próximo do profissionalismo integral. Por muito que custe a quem teima em ver no futebol de hoje um Desporto ou a quem, como eu, não alimenta grandes ilusões nesta matéria, a próxima etapa para os grandes clubes nacionais passa inevitavelmente pela aposta em investidores privados trazendo consigo paradigmas de gestão idónea e consistente que, por exemplo, o diligente L. F. Vieira com a sua visão sempre muito... "paroquial" da administração do Clube é manifestamente incapaz de assegurar.
Os grandes clubes europeus não constituem os seus plantéis com recurso a uma economia de mercearia de bairro [jogadores a custo zero podem sair muito baratos no imediato mas não representam necessariamente investimentos competitivamente rentáveis no sentido de fazer a diferença relativamente aos pequenos precisamente os utilizadores preferenciais e naturais desse tipo de solução económico-desportiva...].
Reside, de resto aí, na percepção estratégica e política da diferença entre uma despesa e um investimento, o fosso que separa uma gestão [não tenhamos medo das palavras ainda quando o respectivo conteúdo nos repugna!] empresarial idónea do romantismo e do amadorismo ainda quando bem intencionados, um e outro.
Nas décadas mais recentes, o Benfica tem sido um verdadeiro modelo em matéria de más decisões que é como quem diz de equívocos dessa natureza entre despesa e investimento. Tenho para mim que os "casos" Rodion Camataru e Ulf Kirsten, dois jogadores que o Benfica terá tentado contratar mas acabou por deixar escapar, se bem me lembro no tempo de Jorge de Brito ou Manuel Damásio são emblemáticos tal como o seriam mais tarde os de Jardel e Falcao este último "roubado" pelo clube dos corruptos, tendo o primeiro sido generosamente "oferecido" aos mesmos corruptos pela falta de visão estratégica de Gaspar Ramos. Com qualquer destes jogadores, a História recente do Benfica poderia ter sido [e ao que tudo indica, teria efectivamente sido] bem diferente. E que dizer das dispensas de Brian Deane ou Pierre van Hoojdonk, matadores que completavam excepcionalmente bem o avançado de apoio ao ponta de lança [em caso algum, ponta de lança ele mesmo!] Nuno Gomes?...
Duas decisões de contabilista míope e chico-esperto, nunca de um estratega que o Clube continua a não ter, com Rui Costa ou sem Rui Costa...
Em todos estes casos, a ideia de poupar uns tostões sobrepôs-se sempre à visão estratégica, envolvendo o futuro do Clube, "condenado", como atrás digo, a "exportar-se" para sobreviver e a assumir-se como europeu, muito mais do que português...
É mesmo, diria eu, o único entre nós com o qual isso é possível por ser também o único com um mercado que o torna potencialmente auto-suficiente sem recurso a receitas extraordinárias, o grande expediente dos corruptos do Norte,, um truque que até o "erudito" "Jornal de Negócios" punha nos cornos da lua apresentando-o como um exemplo de gestão... modelar.
Aí reside, de resto, a meu ver, um outro gigantesco equívoco do minúsculo futebol nacional: o bacoquismo provinciano que tomou conta do chamado «jornalismo desportivo português» herdeiro espúrio de uma elite de prifissionais competentíssimos como foram os que compuseram uma célebre equipa d' "A Bola" [onde pontificavam um Carlos Pinhão ou um Aurélio Márcio] pretende, com efeito, que clubes de província sem mercado tenham passado por artes mais ou menos mágicas a constituir potentados competitivos genuínos apenas porque, graças à cumplicidade de uma "Justiça" bananeira [e escandalosamente "banana", de forma indecorosamente selectiva, também...] conseguiram apoderar-se dos cordelinhos do universo competitivo e aprisioná-los em proveito [naturalmente!] próprio...
A verdade é que clubes como o dos corruptos não têm [no seu caso concreto, devido muito concretamente ao modelo de desenvolvimento agressivamente discriminatório escolhido] [1] a mínima hipótese de sobreviver como entidade promotora de espectáculos desportivos que é aquilo que é suposto serem as SADs dos clubes de futebol e não só, tendo à falta de uma dimensão verdadeiramente nacional capaz de proporcionar-lhes um mercado garante de sustentabilidade] de recorrer marginalmente a um papel de "brokers" ou agentes mais ou menos camuflados dos seus próprios jogadores, conseguindo, desse modo chamemos-lhe apócrifo, compensar aquilo que a venda do verdadeiro produto para que estão licenciados [o espectáculo desportivo] não permite.
Uma imprensa bacoca e bacocamente embasbacada costuma, como disse, considerar este tipo de economia marginal o próprio suprassumo da gestão desportiva tecendo loas aos que, incapazes como o Benfica de gerar receitas directas suficientes, "temperam", de forma regular, a respectiva contabilidade, sempre demonstravelmente deficitária, com receitas que deviam em qualquer caso ser sempre extra-ordinárias e assim permanecer.
Infelizmente uma "desorganização organizada" persistente no futebol nacional tornou esta prática aberrante do "leilão dos móveis" da própria casa para pagar ao merceeiro e ao homem do talho e escapar à prisão por dívidas, uma política perfeitamente legítima e até desejável...
Ora, como foi amplamente ainda não há muito noticiado, o Benfica é o único clube nacional cuja capacidade para gerar receitas lhe permite ombrear com os maiores clubes do mundo.
Daí a minha afirmação de que está "condenado" a exportar-se e a viver naturalmente fora das fronteiras do território nacional. Não sou apenas eu quem defende a necessidade vital da criação de um verdadeiro campeonato ou liga europeus autónomos relativamente às diversas competições nacionais.
O glorioso passado do Clube permite-lhe constituir uma marca compararivamente fácil de vender no mercado da competição, sendo um Real Madrid-Benfica, por exemplo, a meu ver, um jogo capaz de atrair muitos milhares de adeptos ainda recordados da surpreendente jornada dos 5-3. O mesmo se passando com um Benfica-Barcelona cujos ecos não seria impossível [bem pelo contrário, de facto!] que atingissem com o consequente retorno financeiro muitos lares na África e/ou Ásia de expressão portuguesa.
Para já não falar nos E.U.A. com a sua vasta colónia emigrante portuguesa.
Seria, pois, aí que o Benfica A deveria ir buscar as suas receitas regulares e naturais cabendo à equipa B fazer outro tanto internamente...
Como, aliás, chegou na prática a suceder com o fabuloso Benfica "de Guttman e Eusébio" cuja alternativa interna incluía excelentes praticantes de António Mendes, o 'Pé Canhão' a António Peres, o 'Puskas do Candal', grandes jogadores em qualquer equipa da então 1ª divisão nacional [2].
O Benfica é, efectivamente grande demais para exclusivo uso interno num país onde o União de Leiria ou o Beira Mar se vêem gregos para atrair duas ou três mil pessoas aos respectivos estádios, apenas cheios com os adeptos da equipa visitante, especialmente se esta for o Sport Lisboa e Benfica, o abono de família dos pequenos clubes
E de alguns maiorzinhos, também, já agora...
Acontece que quem dirige hoje o Clube parece alheio a esta realidade e à necessidade de "aggiornare" estruturalmente a Instituição tendo em vista a realidade do panorama competitivo global actual.
Daí eu achar que Luís Filipe Vieira, cujo trabalho de recredibilização do Clube depois do "apocalipse Vale e Azevedo" tem de ser reconhecido e adequadamente louvado, foi, sobretudo, um bom "ministro das finanças", tendo-se revelado, todavia, um insuficiente "primeiro-ministro" e estratega, sendo cada vez mais premente a criação de um núcleo gestionário profissional competente apto a trazer para o Clube uma visão estratégica actualizada ve à altura das potencialidades da Instituição.
NOTAS:
[1] O projecto de coesão interna do clube nortenho que, no tempo de Pedroto e nas palavras deste, "já estava a perder por 2-0 mal atravessava a ponte D. Luís", passou pela criação de fantasmas externos que não eram, na realidade, outros senão todos quantos não eram Porto e não rendiam preito ao grupinho que se apoderou do poder no clube com ramificações, como é sabido, à própria Câmara. O resultado foi a criação de inúmeros anti-corpos em todo o País, condenando o clube a caminhar isolado para os respectivos triunfos, isolado se exceptuarmos, como digo noutro ponto, a cumplicidade objectiva de uma "Justiça" demasiado cega com os poderosos, sendo assim que a maior força do paradigma de desenvolvimento e expansão portista tivesse, afinal, contraditoriamente vindo a ser a sua maior fraqueza, coarctando-lhe a possibilidade de dotar-se de um estatuto realmente nacional e, por conseguinte, de um verdadeiro mercado interno.
[2]Dispensados fizeram um e outro, como se sabe carreiras notáveis em Guimarães no Vitória local.