Bem pelo contrário, aliás!
Considero que em matéria tão volátil quanto essa das simpatias clubistas, tão legítimo é ser "de" um clube quanto não ser activamente "de" outro, desde que esse não-ser não extravaze das normas básicas de civilidade, que é como quem diz, desde que as normas de conduta [a aceitação das regras do jogo competitiuvo em sentido lato como estrito] usadas para exprimir as antipatias clubistas sejam rigorosamente as mesmas utilizadas para veicular as simpatias.
Refiro-me obviamente às manifestações civilizadamente usuais [os gritos, as palmas e por aí adiante] pelo que tão legítimo se me afigura gritar "Goooolo!" quando o meu Clube marca um como fazê-lo quando são os adversários dos clubes da minha... antipatia a lográ-lo.
Suponho já aqui havê-lo dito em tempos: não gosto do Sporting desde a sua fundação por um visconde [que contraponho ao facto de o Benfica ter sido o único grande a ter um operário como presidente, Manuel Afonso, tipógrafo] e reforcei essa antipatia com o roubo de Artur José Pereira, a primeira grande vedeta do futebol nacional, um roubo que teve, como é sabido, clara base económica porque os argumentos invocados pelo outro clube a que alguns chamam pejorativa mas sempre educadamente "o clube do sr. visconde" foram [ironicamente tendo presente a farsa recente do jogo disputado sobre...areia pintada de verde [!!] em vez de relva...sic transit gloria mundi...] o relvado do campo e o duche quente oferecido por uma instituição rica e elitista .
Não consigo, por isso, confesso, deixar de sentir um arrepio especial de emoção sempre que a competição "endireita simbolicamente o destino" e depõe nova derrota no bornal dos "outros" ainda que daí não resulte no imediato benefício directo visível para o meu próprio Clube, que é, como é também sabido, de outro campeonato. Ou, como costumava dizer um ex-colega meu de Filosofia, de "outro patamar existencial".
A verdade, porém, é que anos [décadas!] de rivalidade e antipatia tiveram o efeito singular de me aproximar do objecto desta última, sendo já há muito, o Sporting o meu "inimigo íntimo" e "de estimação", algo que vem sobretudo, dos meus tempos de menino em que às crianças se perguntava "E tu, menino? És Benfica ou Sporting?".
Não havia, então, alternativa e foi preciso que uma gente mafiosa vinda dos confins ou das alfurjas do que se tornou a dado passo, de forma dificilmente escondível, a "Sicília portuguesa", esse paroquial e «moralmente canceroso» Porto das sucessivas gestões pê-ésse, se infiltrasse no caso para que a radical disjuntiva atrás enunciada perdesse parte do seu fundamento e da sua relevância original...
Mas aí, a questão já é outra porque se ser rico não é necessariamente crime, tratando-se de clubes desportivos, ser corrupto e, portanto, desonesto, mafioso é-o e muito pelo que a antipatia no caso da instituição que melhor corporiza a sem-vergonha entre nós nada tem que possa sequer ser confundida com, mau grado tudo, uma certa "clandestina" e singular afinidade, chamemos-lhe: secundária.
Sem que isso me faça como agora se diz, "sair do sério" e tornar-me tão antissocial e bravio quanto a maltosa que, em regra acompanha as deslocações dos corruptos para "desejar ver a «minha» maravilhosa cidade a arder" e a minha antipatia e o meu profundo desprezo ganhem outra forma que não a sepre frontalmente assumida alegria quando eles perdem.
Sirvam estas considerações de introdução ao seguinte: Ontem, o Sporting venceu o Man City de Inglaterra para a Liga Europa. Confesso que estava à espera de [e--por que não dizê-lo?-- até desejava!] uma cabazada inglesa, dada a diferença de poderio económico-financeiro entre um clube tecnicamente falido e um outro "das Arábias", cheio de dinheiro para investir em estrelas como Djeko ou Kun Agüero.
Acontece que o Sporting conseguiu não só afastar esse fantasma da goleada como vencer o jogo.
Porque lutou, não teve medo e foi feliz.
Jogou "à Sá Pinto", dirão os seus adeptos.
Confesso que não morro de amores por este Sá Pinto, que me parece comprovadamente um indivíduo que, num país sério e a sério, com uma Justiça, desportiva ou não, séria e a sério, já teria sido banido de vez.
Considero-o um personagem que devia envergonhar quem o contrata e se revê nele e admito ter ficado profunda e genuinamente escandalizado quando trocaram um técnico sério e competente como Domingos Paciência por este comprovado caceteiro, com "provas dadas" em matéria de comportamento antissocial.
Não tanto porém, por ser ele e ele ser quem é [isso são questões que não me interessam directamente não sendo eu sportinguista e não havendo, no meu Clube, lugar para este tipo de personagem] mas sobretudo porque o que a troca em causa comprova é que há instituições que, numa altura e numa fase ou num estádio de, chamemos-lhe: desenvolvimento, o capitalismo pós-industrial em que "lá fora", se caminha já em muitos casos, para a consolidação de um modelo competitivo empresarial devidamente actualizado, "por cá" os clubes continuam "artesanais", verdadeiras "quintas do mestre André" dirigidos por caciques sem dimensão nem estatura intelectual e moral, eleitos para conferirem expressão institucional às vociferações de bandos de vagabundos e vadios de toda a ordem, um lumpen económica e socialmente desenraizado e , por isso, persistentemente marginal que nos transporta a todos como país, para um passado político, social, cultu[r]al e competitivo que julgávamos ultrapassado.
Não é, pois, apenas a mafia da fruta que apodrece o futebol e que de um modo mais amplo contribui para apodrecer a sociedade portuguesa no seu todo...
Sendo eu assumidamente opositor das diversas formas de mitificação contemporânea do "mercado" que é como quem diz da obsessão argentocrata e economaníaca que, aplicadas ao chamado "capitalismo democrático" nos trouxeram à actual "crise" global, não tenho, como há anos dizia num texto escrito para a "Seara Nova", apenas o aprofundamento da ecologia da superestrutura do capitalismo e por conseguinte a clarificação integral das contradições constantes do funcionamento "normal" da respectiva infraestrutura económica pode atenuar os riscos de um retrocesso histórico, social, político etc. e sobretudo civilizacional que, como se dizia noutros tempos da Alemanha hitleriana de sinistra memória, venha, de novo "put the clock back" e a nós todos com ele.
E não só no âmbito da competição, chamemos-lhe: "desportiva"...
Na imagem: Carlos Gomes, para mim e com excepção de Michel Preud'homme, o melhor guarda-redes que vi actuar em relvados portugueses.
3 comentários:
Amigo Carlos Acabado, a propósito da sua opinião sobre a entrada de investimento privado nos clubes gostaria de fazer uma observação ao que diz em relação a estes clubes como o próprio Manchester City terem rios de dinheiro: os principais clubes ingleses não ficaram nada melhor com a entrada dos norte-americanos pelo contrário, o Liverpool viu aumentar o valor do passivo e já teve que adiar a construção do novo estádio por estar em pré-falência, o Manchester U. também tem graves problemas de dívidas tal como o Arsenal que no último Verão não conseguiu segurar o Fabregas e o Nasri, este foi para o Manchester City um concorrente directo além de ter vendido o nome do estádio e no Chelsea como se tem visto ultimamente o senhor Abramovich está a "fechar a torneira". No caso do Manchester City, se o sheik que domina o clube um dia se fartar e for para outro lado acontece o mesmo ou pior e em Espanha acontece o mesmo com o Barcelona e o Real Madrid que não ganham nada em estra numa liga muito desnivelada como a espanhola. Quanto ao problema das Ligas e da criação de uma liga europeia, é de facto uma ideia com futuro mas não se deve criar uma prova viciada que continue certas vergonhas da Liga dos Campeões como o modo como o Barcelona chegou à final em 2009 ou já este ano o Bayern ter contratado o melhor jogador do Basileia, o Shaqiri quase na véspera da eliminatória entre as duas equipas, além da farsa que são os árbitros de baliza. Mas é esse o caminho a seguir, uma liga europeia porque os campeonatos locais não ajudam nada a que os clubes recuperem financeiramente e também desportivamente com mais e melhores jogos que atraiam mais audiências e público.
Mas, oh Gonçalo, a empresarialização integral não faz milagres... Se não houver racionalidade na gestão os problemas continuam, obviamente. Agora, o que não pode acontecerr com o Benfica é ele ter uma lógica à Setúbal ou à Porto, i.e. ter de "vender os móveis" e converter-se em agência clandestina de jogadores a fim de sobreviver. Há aí um outro equívoco que consiste em mitificar o investimento e a iniciativa privados, algo que eu, por razões ideológicas, nunca faria nem tão-pouco, farei. Agora que para competir com grandes potências, grandes formações capitalisatas é preciso falar à partida [mas falar BEM!] a linguagem delas, parece-me algo inegável e óbvio...
Só faço votos para que na próxima eliminatória da Champions não aconteça o mesmo ao Benfica que aconteceu neste jogo com o Porto. Neste momento a lógica do Benfica é igual à do Porto e do Sporting onde está a diferença? Está tão refém dos bancos como os outros, com um passivo semelhante é só na questão dos direitos televisivos?! Dá assim tanto lucro assistir a um Benfica - Naval ou Benfica - Gil vicente? E o ecletismo que está todos os anos a ser posto em causa? É que o Barcelona por exemplo tem patrocinadores para cada equipa de cada modalidade, só assim consegue ser campeão europeu em duas ou três modalidades no mesmo ano.
Enviar um comentário