sexta-feira, 8 de abril de 2011


Ainda a sessão na Casa Fernando Pessoa sobre a bíblia vista pelos olhares cruzados de teólogos e psicanalistas. Indescritivelmente incómodo! Sala cheia.

Sessão passada numas escadas íngremes de costas para a mesa. Iniciativa estimulante e proveitosa para o trabalho que estou a elaborar, o textro do meu "Portugal Diatópico". Discordâncias várias, porém impossibilidade de manifestá-las pelo incómodo da situação...


Como debater o qwue quer que seja, ir com um interlocutor que se advinha mas se não vê? Discordância: relativa ao motivo de Adão e Eva.


Negado pelo teólogo interveniente a propósito a sua natureza "normativa" e especificamente "moral".


Discordo frontalmente! E a discordância não é só minha. Alguém, na sala, referiu o fundo edipiano do motivo. Em meu entender, Adão e Eva são a tentativa de explicar a dor, de situá-la num percurso em busca do sentido para ela.


Isso é óbvio! Também o defende o teólogo interveniente.


Agora, o que eu acho também é que a Bíblia não é algo historicamente isolasdo e, chamemos-lhe assim: espontâneo. Tal como o vejo o discurso bíblico, surge como a intelectualização de um pensar religioso ou mágico primitivo que ele intelectualiza e sofistica.


O motivo do tabu, por exemplo. O que o texto bíblico faz com Adão e Eva é sofisticar o motivo primitivo do tabu que a tragédia grega, ela própria retoma no motif da hybris.


Em que sentido e com que forma se opera a sofisticação em causa? Num sentido e de uma forma que aponta, diria eu se fosse crente. para a dignificação da ideia de indivíduo, de pessoa--o que representa um passo em frente no sentido da humanização do pensamento religioso. Quando lemos o "Rei Édipo", ficamos com uma ideia muito clara do modo como se [des] articulam entre si, a ideia de acto e de acção, nas teogonias primitivas, digamos assim.


Ou seja, como ao indivíduo é recusado o direito à própria culpa. Édipo, com efeito, não é senhor da sua. O casamento com Jocasta como o parricídio são cometidos na relativa mas real Inocência dos verdadeiros contornos do crime. Claro que há crime! Assassínio e usurpação.


Mas é impossível não ver como Édipo não possui uma imagem total da realidade que lhe possibilitasse uma provável opção moral alternativa, i.e. indo no sentido oposto ao que tomaram os seus actos, praticados na ignorância da verdadeira identidade de ambos os seus comparsas no mito, designadamente da da sua vítima, Laio. Algo de impessoalmente semelhante ocorre no tabu que pode ser violado, desencadeando as mais terríveis consequências, sem que a identidade do violador seja efectivamente relevante.

Ou seja, há nestas formas pré-bíblicas de causalidade objectual com asdmissíveis ou extrapoláveis reflexos no plano "moral", ou, pelo menos ,da responsabilidade humana uma des-pessoalização e uma demonstrável e tópica des-dignificação do papel da acção humana na transformação e, por conseguinte, na construção de realidade.

O que o discurso bíblico, em meu entender, traz é precisamente a dignificação do papel do indivíduo nessa mesma transformação/construção.

Não se trata de dualismo, como foi dito. De ver o homem como um rival de Deus. Trata-se de vê-lo como verdadeira e integral pessoa.

Deus não fez o mundo para si. Fê-lo para o homem. Não faria sentido que continuasse a deliberar por este porque nesse caso, este nunca verdadeiramente existiria. Permaneceria fatalmente como um reflexo ou um eco fragmentar do próprio Deus!

por isso, diria para concluir, creio firme e creio que fundamentadamente na natureza moral do motivo adâmico.


[Na imagem: "Paradise Lost", colasgem sobre papel de Carlos António Machado Acabado]

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