quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

"As Bolas de Prata de...Bola Corrida e outras boas anedotas de «um certo» futebol"


Hoje, além do "Público", comprei também o "Record". Melhor: comprei um DVD por 1€ e ctms. 60 e ainda me deram um jornal inteiramente grátis...

Pois...

Lendo-o deparei com um artiguinho verdadeiramente impagável do não menos impagável António José Saraiva, ex-"Expresso" (impagável, quer dizer: eu, feitas as contas paguei um euro e oitenta por um pacote que o incluía, portanto, paguei-o; a verdade é essa...); António José Saraiva que, agora, pelos vistos, à semelhança desse genuíno puro sangue do banal que é Marcelo Rebelo de Sousa, "Doutor, especialista em Tudo" (ou em... "tudologia", ou seja, em "ciência tudológica") agora também "percebe de Desporto".

Volto a dizer: pois...

Sucede que o filho de António José Saraiva desta feita (não li nenhuma outra das suas certamente sapientíssimas croniquetas generosamente prodigalizadas, aliás, um pouco... "dapertuto", confesso...) vai desenterrar como tema da sua reflexão de hoje (dia 11.02.09) a magna questão das "bolas paradas" no futebol.

Ele acha mal.

Põe reservas.

Teoriza.

"Lucubra"

"Bolas paradas" et al...

Eu diria: é o que dá quando os grandes pensadores, as cabeças pátrias "de referência", cedem à tentação do fácil e do "pop"...

A questão, aliás, está longe de ser nova. Recordo-me, por exemplo (acho, aliás, que, desde aí, nunca mais vi a Académica com os mesmos olhos, tão pirosa e tão provinciana me pareceu a atitude em causa...) de uma ocasião o clube "dos estudantes" de Coimbra (ou melhor: o clube que já foi de estudantes e que tem, ainda hoje, sede em Coimbra--é mais rigoroso dizer deste modo...) perante a presença invariável do grande jogador que foi Eusébio durante vários anos na liderança final das "Bolas de Prata" que distinguiam o melhor marcador da I Divisão, resolveu, com o "argumento" de que o Pantera marcava muitos golos (lá está!) "de bola parada" oferecer-lhe (juro! Isto é mesmo verdade!) a "Bola de Prata... (preparem-se!) de bola corrida"!!

Porque, diziam os mentores da deliciosa iniciativa, tirando os livres e os penalties, o Artur Jorge (grande jogador ele foi, ham? Atenção! Isso não está em causa!) tinha mais golos marcados.

Santa ignorância, sagrada saloíce!

O dizer isto (ou o pôr absurdas reservas ao aproveitamento específico das situações de livre ou de grande-penalidade no caso da crónica argumentando que--e cito--"o penálti no futebol é a falta que mais falseia (!!) os resultados) equivale pura e simplesmente a nada perceber do que ali em baixo se passa, domingo a domingo assim como, já agora, o que durante a semana, em treinos e ensaios gerais, tem lugar.

Primeiro, o penálti (como escreve Saraiva--e ele especifica: "Não me refiro só aos penáltis mal assinalados. Refiro-me aos penáltis em geral"); o penálti (quando correctamente assinalado, é óbvio!) não falseia rigorosamente coisa alguma.

Porquê? Porque quem os comete só o faz, por definição (a menos que seja completamente tonto...) porque em termos de estrito código do jogo deixou de ter solução para os problemas de jogo criados por quem tem ou teve mais qualidade ou mais talento.

Ora, isso é do jogo!

É parte integrante dele achar a solução para cada situação do próprio jogo, uns evitando que o adversário possa "score", i.e., que ele possa cumprir aquele que é o real objectivo do jogo ("the goal of footballing") que é esse mesmo, meter a bola na baliza adversária, os outros evidentemente tentando evitá-lo.

Que é que há de "falseador" nisto, francamente escapa-me.

Para mim (como, parece-me, para qualquer pessoa de bom senso...) o que falsearia o resultado seria permitir que as regras do próprio jogo fossem, digamos assim: ilegitimamente "contornadas" fosse por quem fosse sem que para obstar a tal existisse uma resposta precisa prevista com o exclusivo recurso a gestos e práticas do próprio jogo.

"Ah porque há "muitas jogadas que dão origem a penálti e não dão em golo", diz o articulista.

Pois mas não dão porquê?

A única razão pela qual um penálti não dá em golo é a falta de capacidade do respectivo marcador para alcançar o objectivo (lá está! O "goal"!) em causa.

Ora, isso é inequivocamente do futebol: é o futebol cumprindo-se, nem mais nem menos!

Mass há também, escreve ainda o articulista, aquelas "jogadas perfeitamente inofensivas junto à linha de fundo, ou nos limites laterais da grande área" que "quantas vezes" não dão "origem a penáltis".

A argumentação não tem obviamente a mínima sustentação: quem tem de gerir os seus gestos e decisões em campo são os jogadores, a parte mais essencial do jogo: se decidem mal, o problema é de quem?

De quê?

Do próprio jogo, evidentemente.

Do modo errado de abordá-lo, de resolver as situações em campo e isso, mais uma vez, se não é (d)o próprio futebol é de quê?

(D)a meteorologia?

(D)a filosofia?

Valha-nos Deus...

O futebol não é "dar pontapés à toa numa bexiga cheia de ar", como parece, no limite, poder supor-se estar implícito na argumentação do articulista: é, muuuuito mais subtil e infinitamente mais sofisticadamente do que isso, gerir com inteligência (com "inteligência futebolística", no mínimo!) toda uma teoria de gestos e de posicionamentos específicos, conscientes, deliberados, estudados, treinados, cultivados, segundo um código estrito que vincula todos os intervenientes e é, na essência, precisamente o modo como cada um procede a essa gestão que define o fundamental do próprio futebol.

Pode-se (e deve-se, tratando-se de profissionais!) verberar o jogador que não sabe ou que sabe mal gerir a teoria de posturas e gestos em causa--mas isso não tem nada de exterior ao futebol nem o que quer que seja de "traição".

Pelo contrário, insisto, é isso que é o futebol.

Não percebê-lo (e tentar a qualquer preço apostar na carta da "originalidade" como valor argumentativo e jornalístico distintivo) é que não é com certeza...

O que fazem as pessoas lúcidas e esclarecidas no futebol (como no básquete, como no andebol, onde a especialização na exploração inteligente das possibilidades que a gestão individual e também colectiva do código do jogo permite é tal que há jogadores que entram em campo apenas para marcar ou defender penáltis e livres) é precisamente administrar em seu proveito e com exclusivo recurso às referidas potencialidades imediatamente ocultas do código aquilo que nele existe de potencialmente gerível e em si mesmo explorável, como digo, em legítimo benefício de si e/ou da equipa.

Antigamente, se havia "Académicas" bacocas e provincianas, havia também (felizmente!) uns senhores (chamados Carlos Pinhão, Aurélio Márcio, Alfredo Farinha e mais meia dúzia) vinculados a uma autêntica instituição jornalística hoje-por-hoje mais ou menos extinta e que se chamou "A Bola" que sabiam destas coisas como ninguém e para os quais a originalidade, em caso algum, se fazia com sacrifício do estrito, rigoroso conhecimento (e mesmo inteligência!) das coisas da "bola" e que não me recordo, em momento algum, de ouvir falar por falar ou simplesmente para se ouvirem a si mesmos...


[Gravura ilustrativa extraída com vénia do blog "O Cromo dos Cromos"]

2 comentários:

maria sousa disse...

Não é verdade que jogadores como os tais já não há? Directores de jornais também não. Jornalistas ainda menos...
Pronto explique-me o que é a verdade desportiva (no futebol, etc.). Valha-me Deus, homem, vou convidá-lo para juiz de linha do próximo jogo do FCP.
Um abraço

Carlos Machado Acabado disse...

Livra, Augusta! EU??!! Juíz???!!
Nunca!!
Eu nem de mim sou juíz!...
Mas sabe como é que a gente, em Letras, chamava à "Bola" desses tempos em que "O Século" fingia que era da oposição, o Marcelo Caetano fingia acreditar que isso era possível (disse-o nesse inenarrável "Depoimento" que escreveu com vinagre no Brasil...) e o "Diário de Notícias" (já nessa altura!) fingia que era um jornal?...
O "fascículo da enciclopédia"!
Havia sempre um de nós que a comprava, metiamo-la dobradinha ("aquilo" era um lençol imenso, nesse tempo!) entre as páginas do Focillon ou do Cassirer na Biblioteca e iamo-la lendo enquanto fingíamos estudar...
Até os "lagartos" se vergavam quando o Pinhão escrevia que o Yazalde tinha caído na "nossa" área SEM penalty ou que o Pedro Gomes ou o Alexandre Baptista tinham MESMO derrubado o Eusébio...
Se "A Bola" dizia...
A "imprensa" da época (mau grado o que o Caetano escrevinhou no tal "Depoimento") era--obviamente!--uma miséria!
Inteligência, conhecimento e (alguma, possível) democracia aqui-e-ali só mesmo n' "A Bola" e nas assembleias dos clubes!...
Ah! Pois... Verdade desportiva, não é?
Pois...
Um beijinho!
Carlos