Vou agora falar (ou falar-me?) dele.
Trata-se de um conceito que fui continuamente re/formulando e re/experimentando (sucessivamente re/consolidando) ao longo da minha própria prática profissional e que se contrapõe (que se opõe! Que eu concebi não propriamente para se opor mas, em qualquer caso, opondo-se!) ao tão idiótico quanto paternalista "motivacionismo bem-pensante oficial", ao "motivacionismus oficialis", tendência Daniel Sampaio e Eduardo Sá.
Fundamentalista e impraticável, portanto.
Ora, este "motivacionismo" é, diria eu, o suporte teórico (ou teorético--não diurético, teorético!...) electivo do pós-escola.
Ou seja: durante décadas a fio, foi existindo sempre uma conjunção mais ou menos global e "operativamente burguesa" ou "burguêsmente operativa" entre a "produção escolar" e a produção tout court.
Inserida de forma angular e/ou verticial entre ambas, a Escola era um elemento orgânico fulcral, senão em todos os casos no que respeita à activação dos mecanismos de mobilidade económica e social, pelo menos num número significativo deles.
E quando não... "mobilizava", mantinha, conservava, perpetuava---o que, de um certo ponto de vista 'estabilizador' lato, já não era mau e sugeria, na perfeição possível, a operatividade global do sistema.
Isto é, se não fazia do filho de cada barbeiro ou de cada merceeiro um arquitecto ou um caixa de banco, permitia, ao menos, aos filhos dos médicos permanecerem no patamar económico e social dos papás, outro tanto acontecendo com os dos advogados, professores, engenheiros, etc.
A outro nível, possibilitava, por exemplo, aos filhos da "ganga", da "ferrugem", com muito esforço e sacrifício, se estudassem "à noite", virem a ser contínuos de bancos ou de companhias de seguros.
Subvertia isto o rígido sistema de castas sobre o qual assentou (e no qual cevou ampla e vorazmente) o velho fascismo "descafeinado" à portuguesa?
Era bom, era... mas não.
Não subverteu coisa alguma (senão "ia preso"...): acomodou um pouco a injustiça e deu um jeitinho, em larguíssima medida, aparente às desigualdades estruturais do sistema.
Para muitos, durante muito tempo, foi, como se sabe, o que bastou.
Foram os pós-modernos, os neo-liberais "sociais" que se esconderam (que vieram "de contrabando"...) no fluxo da Revolução quem trouxe para a História entre nós os primeiros paradigmas reconhecíveis de inorganicidade na relação cada vez mais disfuncional e inorgânica entre a "produção escolar" e a produção tout court.
Concebendo a "democracia" (a "arquitectura demomórfica" da mesma...) como uma espécie de mero revestimento exterior, (im) puramente 'funcional' da economia (daí o ser possível chamar ao regime rigidamente imutável sob o qual vivemos "economocracia"), os tais neo-liberais "sociais" rapidamente perceberam que o povo "era uma chatice" das grandes e que a Nação podia perfeitamente passar sem ele se conseguisse convencê-lo de que o que fazia (institucional ou realmente!) com esse objectivo era "para bem dele".
Ou seja, que se poupava muito mais fingindo não vê-lo quando ele dava sinais de começar a "miar" pedindo coisas como Saúde, Educação ou Justiça do que tratando-o ou educando-o deveras (sai caro educá-lo e depois para que serve a gente estar a fazer isso se não precisa verdadeiramente hoje-por-hoje dele para produzir---embora ainda não se tenha inventado maneira de, a jusante, substituir o "mercado" por máquinas, o que é uma chatice danada e não dá jeito nenhum!...).
A Escola "motivacional" (regressando, então, a ela) resulta daí, desse "encolhimento" drástico da velha Escola "burguesa", quando esta começou a deixar de ser economicamente (não vou dizer "capitalisticamente", senão ainda me prendem ou arranjam maneira de me baixar a reforma...) funcional do ponto-de-vista da re/produção orgânica ou sistémica de Capital.
Se a Escola, a escolaridade, o conhecimento por ela veiculado deixou de contar como factor essencial de produção mas se, por outro lado, as tarefas de garantir a persistência global da ficção de uma "democracia" (pronto! Não resisto! Tenho de dizer:) as tarefas associadas ao objectivo de assegurar a persistência exterior de uma ficção "democapitalista" mais ou menos estável ou estabilizada exigiam que o "serviço nacional educativo" se mantivesse como "direito do povo"; se assim era, dizia, o remédio era (re) inventar uma Escola que produzisse "exclusivamente para si própria", isto é, que contivesse o seu próprio fim ou que se bastasse (ou que se fosse bastando) por inteiro a si mesma.
Ou seja: o povo é dispensável?
Interfere com a produção?
"Sai caro?", isto é, "sai caro ter" um "povo"?
Mete-se na Escola a "marinar" ou a "tomar sal"!
Cria-se a "ilusão perfeita" da Democracia e vai-se "par dessus le marché" mantendo a parte mais jovem do "povo" (pelo menos, essa! As outras, logo se vê!) fora do caminho da produção e fora, claro, das estatísticas do desemprego!
Mas para manter os "putos" presos numa Escola que não lhes serve rigorosamente para coisa alguma, é preciso criar a ilusão pedagógico-didáctica da "felicidade educativa" ou da "felicidade educacional" perfeita.
Imediata.
Instantânea como os pudins e aqueles cafés que amargam muito.
Isto é, é preciso criar a ilusão da Escola como grande FNAT sem janelas para a realidade.
Ou sem outras "janelas" senão a "alegria" e a "felicidade de cartão" que vêm da ilusão de se ser "o coração, o núcleo vivo do próprio esforço educativo no seu todo".
No Maio de 68 gritava-se que era "preciso ser realista e exigir o impossível"?
Pois bem, o neo-liberalismo escolar inventou, cunhou, o seu próprio grito de guerra, à semelhança desse.
É: "a realidade é ilegal"
É vital que a "juventude do regime" não olhe, em caso algum, a direito para ela senão, coitadinha, pode cegar!
Em '74, havia em Portugal um fulano muito castiço chamado Leonel Santos (autor de um livro que intitulou com a truculência característica do radicalismo senão da simples estupidez, "Nós, Povo") onde defendia a tese de que "se o povo não percebe a realidade, tanto pior para ela".
"Vai à faca".
Ao "bûcher", como a Joana d'Arc.
Corta-se à medida.
Era a ideia que o autor fazia do maoísmo...
...E como muitos ex-maoístas são hoje respeitabilísimos comissários "europeus" e coisas assim, essa (in) visão da realidade terá vindo com eles para a direita do sistema.
A realidade nas escolas "atrapalha"?
Corta-se! Refaz-se! Encurta-se nas mangas!
É preciso é manter, a todo o custo, estavelmente, a ilusão de que se está a aprender "qualquer coisa"---e que sempre que "for gira", a "Educação" é "boa".
Vestir a "Educação" "de giro" chama-se "motivar".
Ora, o "meu" lapso de activação cognicional diz exactamente o contrário: diz que a única boa liberdade é a que sabe permanecer, em todos os casos, uma autêntica e genuína teoria da realidade e que as "leis" desta são precisamente aquilo que baliza, com o rigor e a necessidade epistemologicamente exigíveis, a arquitectura (vou dizer assim:) ideal das nossas concepções básicas e essenciais de liberdade.
Que não é por mera vontade e muito menos capricho do desejo humano que a realidade passa a operar desta ou daquela maneira de modo a podermos todos "entendê-la" e apreendê-la "em tempo real".
Que é preciso, pelo contrário, integrar nas tarefas pedagógicas e didácticas essenciais uma componente estrutural de humildade intelectiva ou intelecccional que, conferindo fundamento epistemologicamente substantivo, à autoridade do/discente permita perceber que nem sempre a "essência da realidade" e o grau de maturidade intelectiva ou inteleccional de cada um vão a par e que há, por vezes, que ter a humildade de, a fim de evitar mutilar arbitrariamente a própria realidade, de alguma coisa, provavelmente essencial, do seu próprio funcionamento lógico e natural, "armazenar" ocasionalmente informação que, só mais tarde, "despertará" por completo para as tarefas de organização da relação essencial de cada um com a própria realidade enquanto tal.
Ou seja, que não é vergonha nenhuma nem mal algum aceitar a "autoridade significada"; a autoridade fundamentada; a autoridade epistemológica e, portanto, também politicamente substanciada da instituição escolar quando esta diz que este conhecimento deve surgir neste momento preciso das operações ínsitas à aprendizagem, à EDUCAÇÃO sem que um reinvestimento específico e concreto do conteúdo em causa seja necessariamente operável ou realizável no imediato.
Mas a todas estas questões havemos de voltar brevemente---e com mais detalhe neste ou naquele aspecto.
Por agora, já terei escrito o bastante para dar a mim próprio (não é essa, por definição, a lógica típica do pensamento blog como tal?) que pensar durante uma boa horinha ou duas!
Até breve, pois!
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