segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Agora é que eu vou mesmo falar de Democracia!...


Já sei que vão ficar chateados! Eu sei, pá! Sei porque também sei que as pessoas ficam invariavelmente chateadas quando se lhes toca nem que seja só ao de leve nos "preconceitozinhos" e essas coisas... Porque isto, bem vistas as coisas, essa tal Democracia, entre nós, pá (eu vou falar assim, à vontade porque, afinal de contas, a gente já se conhece, já somos todos tu-cá-tu-lá, não é?) tem muito de puro (ou impuro? Não sei...) preconceito (senão mesmo, pior ainda, de mera superstição).

Dizem-me, por exemplo, que é preciso respeitar a propriedade, que a Democracia "é" respeitar a propriedade.

Pois, mas não é!

Desculpem, mas não é.

É, isso sim, respeitar um único quadro ou modelo de propriedade que compete, precisa (ou---lá está: imprecisamente...) à "democracia" não deixar, em caso algum, mudar, o que bem vistas as coisas é até muito (mas mesmo muito!) diferente, ham?

Eu ainda um dia volto a falar disto, do modo como a propriedade que, na natureza, é um 'modo de vida' passou a constituir (a meu ver, pelo menos) em muitos casos, um modo de morte, nas sociedades humanas, ditas modernas e, ainda por cima, civilizadas!...

Agora queria mesmo era falar-vos (ou falar-me, se calhar é mais falar-me mas enfim, é como o "outro" que diz, eu já estou por tudo!...) daquilo que agora anda para aí a ser dito e feito em nome da defesa da propriedade intelectual. A gente liga uma televisão e leva logo com um "painel" de "Vossas Excelências" (como diria o O'Neill) a perorar, alto-e-bom-som, em nome da "defesa da música e dos artistas portugueses" et al.

Esses são o "braço legal" da ASAE---a qual, por sua vez, opera aí como o "braço armado" do politicamente correcto (E, porra, pá! Quem é que tem coragem de dizer que quer ver "morrer" a música portuguesa?! Vocês já imaginaram um Portugal sem Marcos Paulos, Tonis Carreiras e Toys??!! Sem Lopes Graças e Zecas Afonsos, ainda vá que não vá, pá. O que não falta para aí é comunas e não foi certamente sem se ter aconselhado previamente muito bem com Deus, de quem é íntimo, que aquele fulano dos bigodes fez a todos nós o favor de "despedir o Saramago" (que era para haver espaço para o Rodrigo Guedes de Carvalho, o último livro da Mónica Sintra e, se sobejasse algum, para as novelas da TVI, que isso sim, é cultura e da boa!

Porra, pá, eu nem consigo imaginar! Era---sei lá!---como ver Lisboa sem bandeiras portuguesas nas janelas ou um serão em família sem a galhofa que é ver o Marcelo Rebelo de Sousa a debitar disparates com aqueles trejeitos de Jerry Lewis e a outra gaja, muito séria, a conter heroicamente o riso como se acreditasse realmente naquilo que o tipo está a dizer! Era o fim da civilização do copo de vinho e dos livros do Sousa Tavares, pá! Nem é bom pensar! É sacrilégio, porra, pá, não me lixem e isso tudo!)

Não mas do que eu queria mesmo falar era disto: vocês já imginaram irem comprar um telemóvel e o gajo da loja ler-vos logo ali o catecismo: "Você leva isto mas veja lá! Não empresta a ninguém, não deixa os vizinhos falar, não liga para aquela gaja boazona do quinto com quem você sonha um dia agasalhar o palhaço, nada! Fala o meu amigo e é um pau, ham?

"Ah mas eu paguei, é meu et al!..."---diz você, assim a medo...

"Pagou e pagou bem---senão ia preso. Pagou e é seu mas não convém abusar, ham?... Quer dizer: você lá porque pagou já pensava que isto era roupa de franceses, não?! Se calhar também queria ouvir o que lhe dizem do outro lado, não?! Olha-me este, olha!"

Ou ir comprar o "carrito da sua vida" e o respectivo vendedor ler-lhe a sina: "Pshht, oh meu amigo, você leva o carrinho mas atenção! Agora veja lá bem quem é que mete cá dentro, ham? Isto não é para levar aqui gajas boas a passear, vizinhos para o trabalho, dar boleia a estranhos, nada! Vai sozinho e é um pau! Ah e não pode vender isto a ninguém, ham? Vender, alugar, levar estranhos aqui é mentira, ham? Veja lá! Veja lá se quer que lhe saia a sorte grande!"


Vocês estão-se a rir? Mas isto não é para rir! A maneira como, hoje-por-hoje, se põe, quer em termos de 'politicamente correcto', quer em termos de acção policial concreta, a questão da propriedade dita intelectual (por que carga de água não assumem os tipos de vez que aquilo que está em causa é o negócio e nada mais e vêm com aquela lenga-lenga da Arte e dos "artistas" a ver se a gente escorrega mais depressa?!) configura, a meu ver, um abuso, um verdadeiro aborto jurídico, em que apenas um dos lados da propriedade está consagrada e devora leoninamente a outra. Se eu, por exemplo, quiser convidar um grupo de amigos para verem, em minha casa, um filme que comprei, estou tecnicamente (de acordo com aquela legenda que passa no início) a cometer um delito que me pode custar caro.

Ou seja, eu não comprei verdadeiramente a cassete ou o DVD.

O Direito dos poderosos intereses editoriais ali plasmado criou, na prática (e tem, até uma polícia para concretizá-lo) uma espécie de mutação tácita, isto é, não-escrita do direito constitucional dos cidadãos à propriedade de acordo com o qual estes podem usar dentro de certos limites (ou de certas limitações cujo fundamento em termos de legitimidade jurídica me levanta, com toda a franqueza, enquanto cidadão, um número infinito de dúvidas) certos objectos que supostamente adquiriram mas têm de aceitar ver essa propriedade que devia ser real sua permanentemente tutelada, sabe Deus com que substância ou verdadeiro fundamento jurídico por outrem.

O que acontece nesse tipo de "compra" ou nesse paradigma de "propriedade" é que um dos Direitos presentes (um autêntico meta-Direito, pois) invade de modo completamente abusivo e ilegítimo as fronteiras do outro e continua operar aí, onde já deviam ter cessado todas as formas de qualquer suposto poder seu sobre o objecto, neste caso e por isso mesmo, falsamente, transaccionado.

Ou seja, na prática, ninguém vendeu e ninguém comprou nada. Se compararmos com o que se passa com os telemóveis e os livros, é fácil perceber que ninguém comprou nem vendeu, como disse, realmente coisa alguma.

O que acontece é que um suposto comprador ganhou alguns direitos sobre um objecto relativamente ao qual, todavia, em termos práticos (e até legais, jurídicos) não deixou de agir o peso de um Direito ilegitimamente concorrente alheio que é, na circunstância "contrabandeado" para o interior dos direitos ou do Direito do apenas alegado comprador.


A minha proposta é, então, que cada um de nós reflicta muito bem sobre toda esta problemática e esta "democracia" que é usada para fomentar modalidades profundamente discutíveis de ultra-valia de certos objectos; que o faça de modo a estar sempre "de pé legitimamente atrás" quando um grupo de tribunos bem pensantes vier junto de si cantar-lhe a "canção do bandido" dos "direitos dos artistas" ou da "sobrevivência da pobre música portuguesa"...

É que, pelos vistos, também nisto de "propriedade burguesa" há os que a têm e os que, sobretudo, a vêem ter...

1 comentário:

maria sousa disse...

Olá amigo!
Sabe que não entendi bem essa da propriedade intelectual... e muito menos a dos direitos sobre "a coisa", "o objecto" etc.
Também a teoria se aplicará aos nossos manuéis, marias, bichinhos e outros?
Se assim fôr eu prefiro abdicar do apocalipse now e ficar com a áfrica minha.
Quer dizer pagar pelo r. redford ainda vá que não vá!