A publicação da mais recente obra de Saramago, "Caim", abre-me uma espécie de porta para algumas reflexões pessoais de ordem não necessariamente literária [de facto, de ordem francamente meta-literária!] que, na obra, porém, de um modo ou de outro, se originam---e, se outro mérito ela e o seu Autor não tivessem, esse---o de [re] suscitar o diálogo em torno de um acervo básico de referências e motivos de ordem cultu(r)al comum, num certo sentido preciso, todos eles "fundadores" em termos da nossa identidade civilizacional colectiva; se outro mérito Saramago e o seu recentíssimo "Caim", dizia, não tivessem, esse tê-lo-iam, pois, seguramente.
Somos, de facto [falo, sobretudo, da Europa, da Europa-sem-aspas, da Europa como realidade cultu(r)al secular que cada um de nós, mesmo quando do facto, não parece dar-se conta, "é"]; somos, pois, dizia, queiramo-lo ou não, um universo (como dizer?) 'genericamente cultu(r)al' que se formou, em larga medida, a partir de uma certa visão judaico-cristã muito particular do mundo e da realidade em geral.
Somos, de facto [falo, sobretudo, da Europa, da Europa-sem-aspas, da Europa como realidade cultu(r)al secular que cada um de nós, mesmo quando do facto, não parece dar-se conta, "é"]; somos, pois, dizia, queiramo-lo ou não, um universo (como dizer?) 'genericamente cultu(r)al' que se formou, em larga medida, a partir de uma certa visão judaico-cristã muito particular do mundo e da realidade em geral.
Que dela se formou em inúmeros casos, por aceitação implícita [e não menos implícitas assimilação e integração de todo um conjunto de modos de ver e re/organizar significadamente os dados do real que ela trouxe para a História] mas, de igual modo [e, num certo sentido, até, sobretudo] por (como dizer?) reacção ou 'resposta dialéctica' a esses mesmos modos siginificados de, se assim me posso exprimir, "organizar intelectiva ou inteleccionalmente" o real.
O aspecto que vou aqui focar é um exemplo das primeira daquelas situações: um "caso" do que poderíamos com propriedade designar por "contaminação cosmovisional" por osmose que, do universo concepcional daquela tradição "emigrou" para um certo paradigma de percepcionalidade comum das dados da realidade (que, não-raro, atingiu mesmo o domínio aparentemente insuspeito do pensamento científico).
Refiro-me à ideia de que a realidade possui um horizonte significado para o qual, de um modo ou outro, tende---sucedendo que, por decorrência natural, o papel da acção humana na História, se reduz de algum nmodo consideravelmente, precisamente porque o "destino da realidade" é algo que está, volto a dizer: de um modo ou de outro, prévia (imanentemente?) inscrito nesta não dependendo, em última mas também verdadeira análise da vontade dos indivíduos que ele exista ou não.
Dizia, atrás, que este modo específico de (não) ver e (não) perceber a verdadeira natureza ou essência do real (isto é de ser, de algum modo, difícil vê-lo, mesmo às ciências ou a algumas delas, de forma objectiva e "fenomenológica" ou "fenoménica" como desprovido de um sentido inerente e imanente que tenha de ser, não construído mas achado) condicionou as próprias ciências---ou, como também precisei: certas de entre elas, designadamente alguma "Ecologia".
Existe, com egfeito, um certo "olhar ecológico" muito primário e simplista que tende a ver a realidade ambiental como algo que pode ser (e que deve ser!) (re!) encontrado, precisamente por se tratar de algo (uma espécie de "âge d'or" ou "paraíso perdido) que teria possuido existência efectiva "noutros tempos" (num... mítico "indo-europeu da ambientalidade") entretanto, como disse, "perdido" por acção do perverso "progresso", sobretudo, técnico e tecnológico.
É, ainda e sempre, aquela ideia muito... platónica ou neo-platónica---plotinniana---que supõe o real plasmado (desmodelado, disfuncionado) a partir de arquétipos onde [como no simile adâmico] residiria e perfeição, sendo que o papel do homem na História consiste muito mais em reencontrar-se com esse suposto passado ideal de onde a Humanidade alegadamente se auto-expulsou do que construir a partor da experiência e da observação cuidada e despreconceituosa do real um futuro sólido baseado na percepção rigorosa das "leis" que regem real e especificamente este último.
De facto, um pensar verdadeira e, sobretudo, credível e fundamentadamente ecológico é (não é difícil aos que querem pensar, em termos de credibilidade cosmovisional, "lealmente" a realidade percebê-lo hoje) o que começa---e que começa como pressuposto epistemológico e metodológico nuclear---por se afastar determinadamente de um paradigma menos fonemonénico e "existencialista" do que disfuncional e disfuncionadamente "essencialista" (claramente de inspiração judaico-cristã) de "olhar significado" sobre a realidade onde a ideia do tal 'horizonte significado' para ela constitui uma componente implícita e, de um modo ou de outro, incontornável---condicional, mesmo.
Lendo, quase por acidente, ainda não há muito o "Monde" [de 12 de Setembro de 2009] deparei com um artigo ["Mercure: le Pérou souillé depuis 3.400 ans"] da autoria de Hervé Morin onde se revelava [com evidente ceerteza para desespero dos "horizontalistas" e "essencialistas" da Ecologia] que, por exemplo, muito antes, como se constata, da chamada "idade industrial" [Morin usa, aliás, expressamente o termo] os Andes já se encontravam substantivamente contaminados por doses consideráveis de mercúrio, um dos mais activos poluentes ambientais que se conhecem, utilizado para a fabricação de um pigmento, muito apreciado ["de choix" diz o jornal] pelas culturas pré-colombianas.
E recorda o autor como, o "processo de amálgama da prata e do ouro" descoberto em 1554 e que, escreve Morin fez precisamente do mercúrio "o motor da riqueza dos conquistadores---e" [acrescenta ela] "a desgraça dos povos indígenas".
Primeiro caso, há 3.500 anos; segundo há cinco séculos, em pleno século XVI---muito antes da "idade industrial", pois, como lembra Morin.
Mais: nessa mesma página da secção de "Ciência" do "Monde", um outro articulista, Stéphane Foucart regista o "caso" da região francesa do vale do Seille [Moselle] onde um "estudo de saúde pública" levado a cabo por "um certo doutor Ancelon" em meados do século XIX revela que os habitantes da região ocupados nas actividades de extração de sal, eles próprios "há mais de três mil anos" [sublinhado meu] tinham em média uma esperança de vida de dez anos menos do que os restantes franceses do tempo.
Durante longos anos [admissivelmente, desde o neolítico] actividade estritamente artesanal, a extracção de sal conduziu os habitantes do vale a situações de [falta consistente, sistémica de] saúde catracterizadas pela ocorrência frequente de casos de gota e de patologias causadas por disfunção crónica da tiróide.
Mais grave ainda: como o artesanato em causa passava pelo processo primário de extrair o sal dos poços e de aquecê-lo em grandes reservatórios de barro, a breve trecho originou-se na região um cada vez mais gravoso fenómeno de desflorestação massiva que, diz o autor, viria a ter sérias consequências---um gravíssimo impacto---ambiental acarretando dificilmente reversíveis fenómenos de erosão por todo o vale assim como, como se já não bastasse ["par dessus le marché"] um colossal depósito de fragmentos de barro de cerca de... quatro [!] milhões de metros cúbicos de matéria argilosa inerte!
"Ou seja", precisa o articulista, "mais de uma vez e meia a pirâmide de Quéops", no Egipto!"
E conclui: "Atafulhado de detritos e desgastado pela erosão, o vale foi-se, popuco a pouco, aplanando e assoreando.
Graças aos cortes estratigráficos, sabemos hoje que o Seille corria na idade do bronze oito metros abaixo do curso actual. As suas águas, límpidas, corriam num leito de areia e gravilha; desde a Alta Idade Média [não... Mídia, Média!] que o rio foi gradualmente estagnando e o vale cada vez mais tensdo de vale apenas o nome".
Ou seja, sintetizando o meu ponto de vista: a saúde [ou, no mínimo, a sanidade---que, é preciso dizer, não é exactamente a mesma coisa] ambiental não é, nem algo que tenha mais ou menos imanentemente existido num passado de ouro [com---cá voltam, então, Saramago e a questão pelo seu mais recente livro reintroduzida envolvendo o impacto a vários níveis, neste caso, mais ou menos 'invisível', da tradição judaico-cristã nos nossos modos tópicos cultu(r)ais de aperceber e representar a realidade---com "Abel" expulsando triunfal/finalmente "Caim" do conjunto de determinantes activas da realidade] nem, por outro lado, alguma coisa que se possa, a-histórica e a-cientificamente conceber fora do quadro de rigorosa experimentalidade e objectiva responsabilidade os resultados de cuja acção são sempre puras "invenções" em lugar das "descobertas" e, pior aindas, das re-descobertas que hoje muitos imaginam constituirem a essência ou "alma epistemológica e metodológica" mesmas da Ecologia.
Com a carga de responsabilidade pessoal que é, por definição ética e metodológica---civilizacional---inerente a qualquer uso verdadeiramente pioneiro e realmente original da realidade.
[Imagem aludindo à chamada "pegada ecológica" humana extraída com a devida vénia de designeoambiente.com]
2 comentários:
Only trees don't meet. Here for the Intenet! A blast from the past indeed.
Welcome, Manuka!
Thanx for your visit!
DO come back, will you!
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