sexta-feira, 9 de março de 2012

"A Propósito da Vitória de ontem do Sporting sobre o Manchester City"

Não sou sportinguista [não saberia sê-lo, acho...] e confesso que não fico especialmente feliz com as vitórias do "lado errado da 2ª Circular".
Bem pelo contrário, aliás!
Considero que em matéria tão volátil quanto essa das simpatias clubistas, tão legítimo é ser "de" um clube quanto não ser activamente "de" outro, desde que esse não-ser não extravaze das normas básicas de civilidade, que é como quem diz, desde que as normas de conduta [a aceitação das regras do jogo competitiuvo em sentido lato como estrito] usadas para exprimir as antipatias clubistas sejam rigorosamente as mesmas utilizadas para veicular as simpatias.
Refiro-me obviamente às manifestações civilizadamente usuais [os gritos, as palmas e por aí adiante] pelo que tão legítimo se me afigura gritar "Goooolo!" quando o meu Clube marca um como fazê-lo quando são os adversários dos clubes da minha... antipatia a lográ-lo.
Suponho já aqui havê-lo dito em tempos: não gosto do Sporting desde a sua fundação por um visconde [que contraponho ao facto de o Benfica ter sido o único grande a ter um operário como presidente, Manuel Afonso, tipógrafo] e reforcei essa antipatia com o roubo de Artur José Pereira, a primeira grande vedeta do futebol nacional, um roubo que teve, como é sabido, clara base económica porque os argumentos invocados pelo outro clube a que alguns chamam pejorativa mas sempre educadamente "o clube do sr. visconde" foram [ironicamente tendo presente a farsa recente do jogo disputado sobre...areia pintada de verde [!!] em vez de relva...sic transit gloria mundi...] o relvado do campo e o duche quente oferecido por uma instituição rica e elitista .
Não consigo, por isso, confesso, deixar de sentir um arrepio especial de emoção sempre que a competição "endireita simbolicamente o destino" e depõe nova derrota no bornal dos "outros" ainda que daí não resulte no imediato benefício directo visível para o meu próprio Clube, que é, como é também sabido, de outro campeonato. Ou, como costumava dizer um ex-colega meu de Filosofia, de "outro patamar existencial".
A verdade, porém, é que anos [décadas!] de rivalidade e antipatia tiveram o efeito singular de me aproximar do objecto desta última, sendo já há muito, o Sporting o meu "inimigo íntimo" e "de estimação", algo que vem sobretudo, dos meus tempos de menino em que às crianças se perguntava "E tu, menino? És Benfica ou Sporting?".
Não havia, então, alternativa e foi preciso que uma gente mafiosa vinda dos confins ou das alfurjas do que se tornou a dado passo, de forma dificilmente escondível, a "Sicília portuguesa", esse paroquial e «moralmente canceroso» Porto das sucessivas gestões pê-ésse, se infiltrasse no caso para que a radical disjuntiva atrás enunciada perdesse parte do seu fundamento e da sua relevância original...
Mas aí, a questão já é outra porque se ser rico não é necessariamente crime, tratando-se de clubes desportivos, ser corrupto e, portanto, desonesto, mafioso é-o e muito pelo que a antipatia no caso da instituição que melhor corporiza a sem-vergonha entre nós nada tem que possa sequer ser confundida com, mau grado tudo, uma certa "clandestina" e singular afinidade, chamemos-lhe: secundária.
Sem que isso me faça como agora se diz, "sair do sério" e tornar-me tão antissocial e bravio quanto a maltosa que, em regra acompanha as deslocações dos corruptos para "desejar ver a «minha» maravilhosa cidade a arder" e a minha antipatia e o meu profundo desprezo ganhem outra forma que não a sepre frontalmente assumida alegria quando eles perdem.
Sirvam estas considerações de introdução ao seguinte: Ontem, o Sporting venceu o Man City de Inglaterra para a Liga Europa. Confesso que estava à espera de [e--por que não dizê-lo?-- até desejava!] uma cabazada inglesa, dada a diferença de poderio económico-financeiro entre um clube tecnicamente falido e um outro "das Arábias", cheio de dinheiro para investir em estrelas como Djeko ou Kun Agüero.
Acontece que o Sporting conseguiu não só afastar esse fantasma da goleada como vencer o jogo.
Porque lutou, não teve medo e foi feliz.
Jogou "à Sá Pinto", dirão os seus adeptos.
Confesso que não morro de amores por este Sá Pinto, que me parece comprovadamente um indivíduo que, num país sério e a sério, com uma Justiça, desportiva ou não, séria e a sério, já teria sido banido de vez.
Considero-o um personagem que devia envergonhar quem o contrata e se revê nele e admito ter ficado profunda e genuinamente escandalizado quando trocaram um técnico sério e competente como Domingos Paciência por este comprovado caceteiro, com "provas dadas" em matéria de comportamento antissocial.
Não tanto porém, por ser ele e ele ser quem é [isso são questões que não me interessam directamente não sendo eu sportinguista e não havendo, no meu Clube, lugar para este tipo de personagem] mas sobretudo porque o que a troca em causa comprova é que há instituições que, numa altura e numa fase ou num estádio de, chamemos-lhe: desenvolvimento, o capitalismo pós-industrial em que "lá fora", se caminha já em muitos casos, para a consolidação de um modelo competitivo empresarial devidamente actualizado, "por cá" os clubes continuam "artesanais", verdadeiras "quintas do mestre André" dirigidos por caciques sem dimensão nem estatura intelectual e moral, eleitos para conferirem expressão institucional às vociferações de bandos de vagabundos e vadios de toda a ordem, um lumpen económica e socialmente desenraizado e , por isso, persistentemente marginal que nos transporta a todos como país, para um passado político, social, cultu[r]al e competitivo que julgávamos ultrapassado.
Não é, pois, apenas a mafia da fruta que apodrece o futebol e que de um modo mais amplo contribui para apodrecer a sociedade portuguesa no seu todo...
Sendo eu assumidamente opositor das diversas formas de mitificação contemporânea do "mercado" que é como quem diz da obsessão argentocrata e economaníaca que, aplicadas ao chamado "capitalismo democrático" nos trouxeram à actual "crise" global, não tenho, como há anos dizia num texto escrito para a "Seara Nova", apenas o aprofundamento da ecologia da superestrutura do capitalismo e por conseguinte a clarificação integral das contradições constantes do funcionamento "normal" da respectiva infraestrutura económica pode atenuar os riscos de um retrocesso histórico, social, político etc. e sobretudo civilizacional que, como se dizia noutros tempos da Alemanha hitleriana de sinistra memória, venha, de novo "put the clock back" e a nós todos com ele.
E não só no âmbito da competição, chamemos-lhe: "desportiva"...
Na imagem: Carlos Gomes, para mim e com excepção de Michel Preud'homme, o melhor guarda-redes que vi actuar em relvados portugueses.

3 comentários:

Gonçalo disse...

Amigo Carlos Acabado, a propósito da sua opinião sobre a entrada de investimento privado nos clubes gostaria de fazer uma observação ao que diz em relação a estes clubes como o próprio Manchester City terem rios de dinheiro: os principais clubes ingleses não ficaram nada melhor com a entrada dos norte-americanos pelo contrário, o Liverpool viu aumentar o valor do passivo e já teve que adiar a construção do novo estádio por estar em pré-falência, o Manchester U. também tem graves problemas de dívidas tal como o Arsenal que no último Verão não conseguiu segurar o Fabregas e o Nasri, este foi para o Manchester City um concorrente directo além de ter vendido o nome do estádio e no Chelsea como se tem visto ultimamente o senhor Abramovich está a "fechar a torneira". No caso do Manchester City, se o sheik que domina o clube um dia se fartar e for para outro lado acontece o mesmo ou pior e em Espanha acontece o mesmo com o Barcelona e o Real Madrid que não ganham nada em estra numa liga muito desnivelada como a espanhola. Quanto ao problema das Ligas e da criação de uma liga europeia, é de facto uma ideia com futuro mas não se deve criar uma prova viciada que continue certas vergonhas da Liga dos Campeões como o modo como o Barcelona chegou à final em 2009 ou já este ano o Bayern ter contratado o melhor jogador do Basileia, o Shaqiri quase na véspera da eliminatória entre as duas equipas, além da farsa que são os árbitros de baliza. Mas é esse o caminho a seguir, uma liga europeia porque os campeonatos locais não ajudam nada a que os clubes recuperem financeiramente e também desportivamente com mais e melhores jogos que atraiam mais audiências e público.

Carlos Machado Acabado disse...

Mas, oh Gonçalo, a empresarialização integral não faz milagres... Se não houver racionalidade na gestão os problemas continuam, obviamente. Agora, o que não pode acontecerr com o Benfica é ele ter uma lógica à Setúbal ou à Porto, i.e. ter de "vender os móveis" e converter-se em agência clandestina de jogadores a fim de sobreviver. Há aí um outro equívoco que consiste em mitificar o investimento e a iniciativa privados, algo que eu, por razões ideológicas, nunca faria nem tão-pouco, farei. Agora que para competir com grandes potências, grandes formações capitalisatas é preciso falar à partida [mas falar BEM!] a linguagem delas, parece-me algo inegável e óbvio...

Gonçalo disse...

Só faço votos para que na próxima eliminatória da Champions não aconteça o mesmo ao Benfica que aconteceu neste jogo com o Porto. Neste momento a lógica do Benfica é igual à do Porto e do Sporting onde está a diferença? Está tão refém dos bancos como os outros, com um passivo semelhante é só na questão dos direitos televisivos?! Dá assim tanto lucro assistir a um Benfica - Naval ou Benfica - Gil vicente? E o ecletismo que está todos os anos a ser posto em causa? É que o Barcelona por exemplo tem patrocinadores para cada equipa de cada modalidade, só assim consegue ser campeão europeu em duas ou três modalidades no mesmo ano.