sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

"Gone With The Wind" de Victor Fleming


Gone With The Wind :

É, antes de mais, um tributo à re/conhecida megalomania do produtor: David O’ Selznick.

Pessoalmente, devo dizer que nunca o achei mais do que simplesmente um filme grande, muito distante do grande filme que alguns vêem nele.

Há [houve], claro, depois de uma busca incessante que o mito pretende tenha passado pela suposta mas historicamente inexistente recusa de Bette Davis em protagonizá-lo; houve, dizia, Vivian Leigh na ambígua e contraditória figura de Scarlett O’Hara; há os sóbrios e discretíssimos, muito eficazes, talentos de Olivia de Havilland---sacrificada, aliás, a um papel demasiado simplista e excessivamente linear de "santinha" por oposição à viperina "scarlet woman" (ou "scarlet empress"?...) da cunhada e rival no amor de Ashley---e de Leslie Howard] e há, “last but not least”, a presença imponente e a tresandar a testosterona de Clark Gable. E há, como todos sabemos, um script passado de mão de realizador em mão de realizador que acabaria por resultar numa coisa contraditória, prolixa e policêntrica ou polipolar, particularmente difícil de entender fora do contexto de um não-catolicismo para o qual a “salvação” não depende, como é sabido, causalmente das acções concretas de cada um ficando, sim, exclusivamente dependente do arbítrio "divino" da “graça. Circunstância esta que, uma vez tida presente, permite, em tese, a meu ver, ao espectador português, de formação católica romana, do filme aproximar-se talvez decisivamente da compreensão da persona de outro modo, em termos existenciais e particularmente éticos dificilmente qualificável [e muito pouco admirável...] de Scarlett O'Hara, que começa, com efeito, por nos ser apresentada tão-somente como uma mera “Southern belle” de cabecinha oca, leviana, prepotente, egoísta, inescrupulosa, cobarde, infiel, e mesmo, a dado passo, um pouco alcoólica, ela que noutros momentos parece, pelo contrário, poder constituir um modelo de coragem, tenacidade, e uma coragem não isenta de alguma dignidade no meio da inenarrável tragédia da devastadora Guerra da Secessão norte-americana e do apocalipse económico, social e, de uma formas mais lata, cultu[r]al que ela plantou na grande nação onde teve lugar.

Isolados, porém, os actos da heroína da respectiva aparentemente desejada “salvação”, isto é, vistos eles à luz de uma visão puritana-luterana que pouco tem a ver com o entendimento vaticano da ideia de pecado, a personagem de Scarlett excepcionalmente bem defendida, aliás, é preciso reconhecê-lo sem reservas, por uma luminosa Vivian Leigh, surge, então, como o paradigma, então sim, a seu modo, exemplar da mulher corajosa e tenaz, isto é, da tenaz resistentevítima de um destino histórico e existencial trágico, não merecendo, afinal, em última análise, o desprezo final de 'Rhett Butler'/Clark Gable na famigerada sequência final que o mostra abandonando-a, ao que tudo indica, desta vez definitivamente com o já clássico “Frankly, my dear, I don't give a damn!...” [que a censura tentou que tivesse muito mais decorosa mas muito mais chochamente também sido “Frankly, my dear, I couldn’t care less”].

No todo, o filme, recentemente divulgado em versão DVD com um conjunto de publicações portuguesas que vão da revista “Visão” ao semanário “Expresso”, constitui hoje-por-hoje, um «monumento» icónico a um certo estrelato de época [de que Gable foi, como se sabe, um dos expoentes máximos, com “ecos” por todo o mundo de Itália (Amadeo Nazzari, v.g.) ao México (Arturo de Córdoba) e até ao Japão [Toshiro Mifune] não esquecendo Portugal e Espanha (António Vilar) assim como, de um modo mais lato, a um certo gosto pelo vulgar prodigamente decorado pela parafernália instrumental  de um certo tom de época (Cf. “Cleópatra” a de de Mille como a do incomparavelmente mais relevante Joseph. L. Mankiewicz, um grande cineasta a quem devemos o inesquecível "Sweet Smell of Sucess", "Cleópatra" essa "de" Mankiewicz que começou por ser de Rouben Mamoulian, o qual a dado passo, abandonou como se sabe, o projecto ou foi por ele abandonado].

                                    

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