terça-feira, 27 de novembro de 2012

Guilherme Espírito Santo [1917-2012]

Começo por dizer que não me lembro sinceramente de vê-lo jogar. Recordo-me, porém, de “conhecê-lo” perfeitamente através dos famigerados “bonecos da bola” dos [medonhos!] rebuçados de tostão, sinistra mistela de açúcar e farinha em volta da qual, dobradinhos a rigor, vinham os mágicos retratos dos nossos ídolos infantis. Devo, todavia, ter visto algum jogo com ele numa, pelo menos, das várias vezes em que acompanhei o meu pai à velha Ilha “” ou “Estância de Madeira”, o exíguo e calvo Campo Grande, onde jogavam ele, o Corona, o Contreiras, o Chico Calado, o Rogério Lantres de Carvalho—o inimitável Pipi”—além do Melão, do Julinho, os para nós famosíssimos “Diabos Vermelhos” e, a breve trecho, também do menino Zé Águas além de, para dar apenas mais um exemplo, do Raul Pascoal, que hoje [quem me havia a mim de dizer, nessa altura?!] cá vou encontrando com alguma frequência nas minhas errâncias de dono de cão zeloso e cumpridor [o dono não tanto o cão…] pelas ruas da cidade onde nasceu e que faz o favor de ser meu interlocutor ocasional, num emocionado desfiar de memórias onde, volta-não-volta, lá re/emergem as referências ao extraordinário desportivismo do agora desaparecido Espírito Santo e ao aprumo com que se comportava em campo sobretudo para com os adversários.

É, de resto, uma das razões pelas quais eu próprio sou e só posso ser “do Benfica”, o único Clube que ao que conheço que protestou um jogo ganho com um penalty senão inexistente, pelo menos, duvidoso a seu favor e cujo capitão à época o mítico Cosme Damião expulsou, um dia, por comportamento incorrecto num jogo em Espanha, um companheiro—aliás, a principal vedeta da equipa, Artur José Pereira, a primeira grande estrela futebolística nacional, que haveria de nos ser “roubado” pelos ricaços de verde, ainda hoje nossos vizinhos, numa altura em que ainda não se arrastavam pela competição, sonhando emular o… regionalíssimo Sporting de Braga—…

O Espírito Santo encarnou como ninguém esse espírito de dignidade e nobreza competitiva quando o desportivismo era ainda um valor entre nós.

Numa altura em que o Melão, outro jogador negro do Glorioso, foi com o próprio Espírito Santo, impedido, numa digressão à Madeira, de se alojar com o resto da equipa num hotel da ilha que apenas aceitava brancos, vinham-me invariavelmente as lágrimas aos olhos sempre que evocava, com o meu pai, «afrcano acidental» nascido em Moçambique mas renascido em pleno Baixo Alentejo, o aprumo exemplar do Espírito Santo, o mesmo que, uma vez, recusou festejar um golo marcado ao grande Azevedo—a jogar esse jogo com um braço ou uma omoplata [não me lembro exactamente!] fracturados, para precipitar-se, afastando os companheiros de equipa naturalmente eufóricos pelo golo, a fim de ajudar o guardião adversário a levantar-se guardião esse que, após ter voado para bola na tentativa frustrasda de evitar que ela entrasse na baliza chutada pelo Espírito Santo precisamente, havia caído sobre o braço são, tendo ficado, desse modo, impossibilitado de erguer-se por si só.

Com o Espírito Santo, ficou para todos nós, não-brancos no Portugal dos anos 50 [Espírito Santo retirou-se em 1949, quatro anos depois de eu próprio ter nascido] um pouco menos complicado sê-lo exactamente porque havia aquele espécime único de cidadão e futebolista exemplar, hábil e velocíssimo, modelo dificilmente igualável da “superioridade moral do benfiquismo” que tornou o Clube a referência desportiva perfeita em Portugal—e não só.

Viriam, depois, como é sabido, os apitos e a famigerada fruta e um universo competitivo com muitas analogias com um certo pugilismo profissional corrupto norte-americano denunciado pela literatura e pelo cinema [“Requiem For a Heavyweight” de Ralph Nelson ou “The Left Hand of God” de Dymitryk, para já não falar no soberbo “Raging Bull” de Scorcese, por exemplo] e um tempo [i] moral onde “sportsmen” íntegros como Espírito Santo não passavam já de mero anacronismo incompreensível para a maioria dos frequentadores de estádios e/ou pavilhões.



sexta-feira, 16 de novembro de 2012

E agora, venha o SIS!


Como pacifista e ex-refractário da guerra colonial salazarista, seria eu a última pessoa em Portugal a pensar em caucionar e/ou abonar acções violentas como aquela que ocorreu na sequência da greve geral recente diante da Assembleia da República, acção protagonizada por um grupo de “angry young men” mais interveniente e exaltado, munido de pedras da calçada] diante de uma verdadeira muralha-da-China de polícias “de choque” armados até aos dentes que pareciam saídos do Chile de Pinochet para proteger os directa ou indirectamente responsáveis pela catástrofe económica e social em que estamos todos metidos.
Agora, o que eu não posso, desta vez como homem de Esquerda ou até como simples cidadão—em quem não luz a mais remota résteaa de simpatia quer pessoal quer política pela figura insuportavelmente dogmática, pseudo-senatorial, [falsamente “cardinalícia” e apenas supostamente magistral desse "Keynes das alfarrobas" que é Aníbal Cavaco Silva—é o modo como este responsável-chave da desarticulação e desmembramento do aparelho produtivo nacional [cumprindo o desígnio da tal C.E.E. para o nosso país que envolvia fazer dele uma espécie de «endocolónia» da “Grande (e—verdadeira!—Europa” e digo “Grande Europa” como outros dizem ou diziam “Grande Sérvia) fornecedora de matérias-primas (e devidamente desarticulada como autonomia produtora) mercado electivo das agriculturas e das pescas francesas, espanholas e italianas; o que não posso, dizia, é aceitar em silêncio o modo como a personagem em causa não se eximiu numa entrevista recente a mandar mais um dos seus intragáveis “bitaites” tentando desligar causalmente a violenta (re) acção dos jovens da calamidade social em que, volto a dizer, nos achamos, como sociedade de repente metidos.
A verdade é que, com ou sem bitaites [serão “sound bitaites”?] de Cavaco a “meia dúzia de profissionais da arruaça” ou lá como foi que ele lhes chamou ecoam de forma arrepiante pela estupidez de que constituem gritante “exemplo” a famigerada “escassa meia dúzia de terroristas” que Salazar e os fascistas se deliciavam a citar a propósito dos movimentos de independência anti-colonial e são o resultado directo e natural não apenas de se ter esticado a corda das desigualdades e da moralidade económica e social como também de sucessivas “políticas” de escandalosa conivência com a indisciplina e a violência escolares por parte de contínuos maus governos e muito em especial péssimos ministros da educação série iniciada logo com o primeiro governo constitucional e seu famigerado "Sotomaior C'ardia".

Aliás, se se tratava de um pequeno grupo de profissionais da arruaça por quê carregar brutalmente sobre centenas senão milhares de manifestantes pacíficos?Ver mais

EMMANUEL PAHUD Mozart Flute Concerto in G - 1 mov.