domingo, 2 de junho de 2019

COMO UM TIPO CHEIO DE BOAS INTENÇÕES SE DEIXA ARRASTAR PARA UMA CARICATURA DE DEBATE TELEVISIVO

Debate sobre a “crise da polícia” na CMTV.
Não gostei, confesso. Não reconheço ao tipo de estação (assumidamente sensacionalista e focada nos aspectos epifenoménicos dos problemas), não reconheço, dizia, à estação onde o debate (no qual, relevo também, o sempre interveniente activista José Falcão se mostrou muito longe de ter sido feliz e incisivo no contraditório) teve lugar.
Contesto e critico, desde logo, o ter ele permitido (ele e a moderadora, a funcionária da estação, é preciso dizê-lo com toda a clareza e frontalidade!) permitiram que o debate tivesse sido focado num falsíssimo tema ou deformação e distorção do verdadeiro problema que ali levou um comissário e julgo eu dois sindicalistas da polícia além de um jornalista da revista "Sábado" cujo papel no meio daquilo tudo ficou, aliás, em última análise, por explicar
Aceitar, com efeito, que o debate tivesse como foco a mistificação subjacente à pergunta que pairou sempre sobre o debate: “É ou não a polícia (as forças policiais portuguesas) racista(s), aceitar, pois, ia dizendo, que se usasse esta mistificação como base para o debate é, digamo-lo, desde logo, aceitar, ipso facto, para utilizar uma imagética futebolística que toda a gente percebe, aceitar disputar uma partida crucial “fora de casa, no campo do adversário”.
Porque a pergunta é absurda na medida em que se responde (e responde negativamente!) por ela mesma no exacto momento de ser formulada, a si própria, sem mais conversa. Racista seria a polícia hitleriana nos anos 20 e 30 do século XX ou as forças policiais sul-africanas do tempo do apartheid quando o racismo funcionava, num caso como noutro e ao invés do que se passa entre nós hoje em dia, como ideologia do próprio estado.
Parece-me especialmente curioso que os representantes da Polícia que tanto vociferaram contra as generalizações abusivas tenham deixado passar essa em claro.
José Falcão, por seu lado, em lugar de se focar em aspectos basicamente casuísticos por muito impressionantes e inquietantes que possam por si mesmos ser, deveria, em meu entender ter começado logo por aí: por admitir expressamente que, enquanto corporação, a polícia NÃO é racista, na justa medida em que não tem o racismo, a discriminação racial como ideologia base nos seus cursos como na sua praxis enquanto instituição.
Por outro lado dizer como o sindicalista do Porto que há tanto racismo entre os polícias como há na sociedade portuguesa enquanto todo é outro aspecto do debate que merece alguma séria análise. A verdade é que à maioria da população compete cumprir leis, não executá-las além de, na sua maioria, não andar armada de pistolas, tasers, bastões e e por aí adiante nem, no caso de um ou vários não agentes da autoridade andar(em) armado(s) poderem usar esse eventual armamento seja contra quem for e por maioria de razão contra os agentes da autoridade os quais, em certos casos que imagino estarem tipificados, podem usar legalmente aquelas de que, legalmente, são portadores o que não sucede com os cidadãos civis.
O que Falcão deveria, em meu entender, ter relevado é exactamente esta desigualdade de situações desfazendo o argumento, tantas vezes usado de que “os bandidos muitas vezes andam armados”. Andarão mas o que é especialmente grave não é que os bandidos andem armados e usem as armas para praticar crimes. O que é especialmente grave é que as forças a quem compete fazer cumprir as leis usem as suas próprias armas sem obedecerem a imperativos de absoluta necessidade, ou seja, legal e legitimamente. Porque bandidos são bandidos mas as forças da lei são forças da lei o que faz toda a diferença.
se o padeiro ou o empregado de mesa do café lá do bairro tiver uma visão chamemos-mhe "racializada" da sociedade em que vive é uma coisa. se um outro cidadão, por muito raramente que isso aconteça, tiver idêntico tipo de conduta, usar uma farda, tiver acesso legal a uma arma (de fogo ou não) e agir em representação de uma força policial e ipso facto, do próprio Estado já configura uma outra completamente diferente NA MEDIDA, DESDE LOGO, EM QUE DEIXA DE CONSTITUIR UM COMPORTAMENTO ESTRITA E ESTREITAMENTE INDIVIDUAL PARA REPORTAR SOBRE TODA INSTITUIÇÃO QUE ELE ALI REPRESENTA ASSIM COMO SOBRE O PRÓPRIO ESTADO QUE O TEM COMO AGENTE.
Argumentou sem ser rebatido, por outro lado, um dos representantes da polícia no programa (não fixei nomes nem estatutos) referindo-se às condenações recentes de membros das forças policiais da Amadora, julgo eu, por insultos racistas que foram um caso claro de a palavra de uns (queixosos que acusaram alguns agentes que o tribunal condenou, é preciso relevar!) contra a de outros (os polícias acusados de proferir pérolas como “preto do caral*o, vai lá para a tua terra)”.
A José Falcão competiria tirar as ilações da “argumentação” apresentada. Na realidade, não era um caso de palavra contra palavra, como foi aduzido (a palavra dos acusados contra a das vítimas, que, desde que a sentença foi proferida deixaram, para já, de ser "alegadas vítimas", já que lhes foi reconhecido fundamento substantivo para as queixas apresentadas e legalmente julgadas em sede própria. trata-se outrossim de pôr em causa a legitimidade e a idoneidade jurídicas de uma sentença emitida por um órgão de soberania, um tribunal de Direito.
Ora, este pôr em causa da actuação do tribunal deveria ter levado ( isso nunca foi dito na conversa e eu gostava, confesso, de saber!) no caso de a argumentação dos representantes das forças policiais ter fundamento e ter havido uma sentença comprovadamente mal proferida, um erro judiciário,portanto) a um recurso dos condenados para uma instância superior com o fundamento da falta de rigor e de imparcialidade do tribunal, a confirmarem-se as alegações de que “só a palavra de uns serviu para substanciar a condenação dos agentes").
Falcão nunca inquiriu, como, a meu ver, deveria ter acontecido, se os acusados e condenados recorreram da sentença que os condenou e se a resposta a alegado ou suposto erro judiciário deve ser não o apelo para instâncias judiciais superiores mas a insubordinação pura e simples contra um órgão de soberania, como está configurado na greve-protesto dos agente reunidos sob a bandeira do movimento zero, julgo que se chama desse modo.
teria, na minha modestíssima opinião, valido a pena conhecer a resposta de uma força policial que tem como lema base o estrito respeito e cumprimento da lei e a aceitação da separação de poderes e pelos órgão de soberania que lhes dão corpo.
Foi ulteriormente assumido no contexto da acusação em causa (de má prática jurídica e judicial) que é injusto condenar “sem provas”.
Ora, não sendo eu próprio jurista, julgo saber que a prova testemunhal É UMA PROVA como outra qualquer algo que a José Falcão escapou também lamentavelmente por completo…
A PSP que tanto reclama a legalidade das suas actuações esteve mal ao pôr em dúvida a integridade e a idoneidade técnicas de um órgão de soberania como é o tribunal. Esteve mal nisso como esteve no não ter recorrido (se o não fez e optou por uma greve de zelo como reacção a uma sentença judicial legalmente proferida)l e José Falcão deixou passar mais essa.
Tal como deixou passar aquela da existência de uma tipificação dos bairros de risco tendo em vista os paradigmas de actuação policial. É verdade e é de toda a justiça que se diga que um dos representantes da polícia ainda fez um esforço enorme para refocar a questão, falando de problemas de base que são (e eu penso também que são!) de índole essencial e genericamente social. O que eu não acompanho é no dizer-se que a tipificação dos bairros de risco se baseia em critérios exclusivamente sociais e não raciais. Sucede, aliás, que um interveniente por parte das forças policiais viria a concluir pela justeza da tipificação e disse-o expressamente por considerações de natureza étnico-social. Salto do “social” para o ÉTNICO-social tem que se lhe diga na medida em que reconhece implicitamente que existe correlação entre etnia e problemas. sociais e obviamente questões envolvendo outras de ordem e segurança públicas.
Existe, então, uma qualquer fatalidade que leva negros e ciganos a condutas desordeiras? Se se admite isto, então, não temos apenas problemas sociais mas (lá está: expressamente de outro tipo e natureza tácita ou expressamente "étnicos". O que eu pergunto é se NÃO HÁ NISTO UMA GENERALIZAÇÃO ABSOLUTA E EVIDENTEMENTE ABUSIVA? NÃO SUBJAZ A ISTO UMA ATITUDE IMPLÍCITA MAS IRRECUSAVELMENTE RACISTA? OU SEJA. SÃO OS NEGROS, AFRICANOS OU PORTUGUESES, E OS CIGANOS NASCIDOS OU NÃO EM PORTUGAL NATURALMENTE DESORDEIROS UMA VEZ QUE ENTRE VIOLAÇÃO DA ORDEM E SEGURANÇA PÚBLICAS E ETNIA EXISTE UM EXPRESSA E DIRECTA CORRELAÇÃO TRADUZIDA NAQUELE SIGNIFICATIVO "ÉTNICO-social?
A ninguém naquela mesa ocorreu tirar as devidas ilações de tudo isto, a saber, que, se os problemas sociais coincidem com determinado tipo de problemática étnica não será por fatalidade rácica (seja já lá o quer for que esteja plasmado no termo “raça”…) mas sim porque falharam os mecanismos de sociabilização dentro desses bairros e que a fronteira entre ordem e des-ordem social passa exacta mas indesejavelmente pela cor da pele das pessoas—o que é com certeza relevante do ponto de vista do modo como a sociedade portuguesa em sentido abrangente e lato se relaciona com as minorias culturais, de cor de pele diferente?
Já o disse algumas vezes. Se eu, em vez de professor, tivesse sido polícia e fosse mal recebido num determinado bairro de uma cidade do país onde nasci obviamente também não gostava e ia já de pé atrás…
E é evidente que na base de tudo estão questões sociais (falta de integração, de respeito pelas minorias e por aí adiante e que eu não acredito no mito dos anjos (negros, ciganos o que quer que seja versus demónios (a polícia enquanto todo, como atrás disse).
Noutro escrito cheguei mesmo a considerar os agentes tal como aconteceu no exército colonial português, na falta de políticas sociais actuantes e humanistas, um exército de ocupação cujos componentes são tão vitimas da inexistência de políticas sociais idóneas quanto as vítimas de alguns excessos por eles circunstancialmente, quero eu acreditar, cometidos.
Não subscrevo, pois, a tese ou no mínimo, a ideia de que a polícia seja racista o que não significa que não tenham passado (permeado) para a corporação PSP condutas individuais de natureza racista. O que é grave é que tais condutas, vamos admitir pontuais e casuísticas, de natureza exclusivamente individual sejam tidas por indivíduos fardados, armados e com a missão de fazer respeitar, respeitando eles próprios, as leis…
Generalizar não vale,
Essa ideia e esse princípio, eu subscrevo incondicionalmente e é mesmo precisamente por isso que talvez utópica e ingenuamente refuto a base da discussão centrada no tema “é a polícia portuguesa racista?” e isto porque a própria formulação da pergunta configura já por si mesma uma perigosíssima generalização.
Teria sido bom ver alguém ali desmontar a mistificação sensacionalista tão do agrado da estação onde o «debate» ocorreu, ela própria conhecida pelo estardalhaço, a superficialidade e a leviandade com que trata questões que são EM SI MESMAS, MUITAS VEZES (COM DEMASIADA FREQUÊNCIA) muito graves e sérias.
Entendamo-nos, pois, eu não advogo a ideia de que a polícia do País onde me aconteceu ter nascido é racista ou mais racista do que o conjunto das sociedade portuguesa. O racismo de algumas ovelhas ronhosas ao seu serviço é que se me afigura de especial gravidade por ser um racismo, como atrás refiro, armado, fardado e que compromete implícita mas demonstravelmente toda a corporação, ela própria volto a insistir, vítima de uma sociedade que exclui e segrega em vez de integrar e que, quando há problemas, daí resultantes manda para lá não psico-sociólogos e mediadores habilitados mas homens armados cuja segurança está longe de se encontrar assegurada.
Muito curiosa é também, aquela alegação tantas vezes ouvida de que a documentação filmada é selectiva porque se limita a reproduzir partes de factos, não a sua totalidade. estranho que a José Falcão, que ali estava como contraditório, não tivesse ocorrido aduzir que uma suposta descontextualização das situações não as nega: o que tenta é justificá-las confirmando-as pura e simplesmente...
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Em suma: ao pseudo-jornalismo "gore" da estação INTERESSAVA (INTERESSA !) BASICAMENTE O ESPALHAFATO, A ABORDAGEM EPUSTUFLANTE DE PROBLEMAS MUITO SÉRIOS E GRAVES SEM O QUE TERIA TIDO O CUIDADO NO TRATAMENTO DE UM PROBLEMA OU CONJUNTO DE PROBLEMAS QUE SÃO REALMENTE DE POLÍTICA E NÃO DE POLÍCIAS NÃO TIVESSE ELENCADO PARA O DEBATE UM MEMBRO DO PODER POLÍTICO EM CONDIÇÕES DE EXPLICAR (A MIM, À GENTE DOS BAIRROS, À PSP, AO CONJUNTO DA SOCIEDADE PORTUGUESA!) POR QUE EXACTOS MOTIVOS NÃO EXISTEM EM PORTUGAL POLÍTICAS EFICAZES DE INTEGRAÇÃO DAS MINORIAS OPTANDO-SE SEMPRE POR DEFEITO PELO ENVIO DE FORÇAS POLICIAIS PARA OS SÍTIOS ONDE HÁ PROBLEMAS A MERECEREM UMA OUTRA ABORDAGEM POLÍTICA QUE NÃO SEJA O DA GUETIZAÇÃO, DO ENCARCERAMENTO SOCIAL E URBANÍSTICO E DA REPRESSÃO "MUSCULADA", QUE O MESMO É DIZER O DA SEGURANÇA (?) IMPOSTA PELO CANO DE UMA ARMA... [Imagem: PSTU]

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