Com uma média de "quase um ministro por hora" a anunciar com as adequadas trombetas a mirífica "retoma" que há-de , como D. Sebatião, vir em breve confirmar as excelsas virtudes sistémicas do capitalismo vigente, o capitalismo pós-industrial neo-liberal ("soft" dos "pê-ésses" e "hard core" dos 'outros')---tudo isto, configurando, no fundo, uma versão "revista" do célebre "fim-da-História" decretado e, imediatamente a seguir, revogado por Francis Fukuyama ainda não há muito; com este "golpe de "marketing" económico-político a chegar-nos regularmente a casa via televisão, via órgãos de propaganda oficial impressa (nos jornais onde o poder político opera no sentido de condicionar a respectiva linha editorial,
teleguiando esta
estrategicamente através da escolha regular das administrações
; com tudo isto, então, por um lado e com a fábula, não menos tópica e regular, de uma tal "
Gnoseotópolis" (o termo é da minha responsabilidade, não da governo) ou "(so)ci(e)dade do conhecimento" a
saltitar de forma tão constante quanto alegre e
ligeira, nas lucubrações (em regra, todavia, cultu(r)almente vácuas e delirantes) de um
Estado-de-partido onde, todavia, nada ou muito pouco parece entender-se e funcionar em matéria de 'fomento estrutural e orgânico de futuridade', numa era histórica em que esta última, a futuridade, ou começa
organizada e competentemente a ser preparada na cuidada, na
esclarecida determinação
de paradigmas educacionais estratégicos, consistentes e, sobretudo,
inteligentes---isto é,
naturalmente aptos a responder em tempo real às contantes (e sempre novas) questões levantadas pela História---ou está fatalmente condenada a apenas reproduzir, de um modo ou de outro, o 'espírito' e genericamente a realidade da velha Arcádia setencentista, actualizada apressadamente no rosto quie (como dizer?) vira sempre inutilmente para a própria História
; com tudo isto, dizia, a bater-nos diariamente à porta na forma de discursos e mais discursos, de entrevistas e mais entrevistas, de 'recados' e mais 'recados' da magistratura política chovendo ininterruptamente sobre a Cidadania, vale, em meu entender, a pena reabrir aqui um livrinho já com muitos anos (vai, na realidade, fazer quarenta!
...) editado pelo extinto jornal "
O Século" nuns episódicos "
Cadernos" de que chegaram, aliás, a ser editados vários números e onde esse (por essa altura, já 'crescidinho') século XX português tentava---como podia---discorrer em ditadura sobre um futuro que a todos nos parecia, porém, imensamente fantástico e sempre, de um modo ou de outro, na prática inalcançável e alheio
.Porque alheio.
Portugal vivia, então, a triste realidade de um País onde, como nota César de Oliveira, concretamente, na modernidade, a Revolução Industrial permaneceu sempre uma circunstância estranha e alheia---desde logo, em meu entender, com uma consequência historicamente decisiva e também, no plano do 'significado' (histórico, social, político: civilizacional) futuro, verdadeiramente trágica: a incapacidade de a sociedade portuguesa gerar do interior da sua própria relação visceral com a História um proletariado próprio e específico.
Muitos pensarão que, ao dizer isto, estou a fazer uso de uma semântica e, sobretudo, a confessar implicitamente possuir uma visão da História, irremediavelmente arquelógicas e epistemologicamente ultrapassadas.
Não o creio, porém.
Quando lamento que (devido a uma série de circunstâncias específicas que vão, por exemplo, a dado passo, das invasões francesas à guerra civil) o País nunca tivesse sido capaz de dar origem a formas relevantes de industrialidade e de um capitalismo industrial próprio de onde, por sua vez, emergisse, como em França ou em Itália, um proletariado estruturado (ou, no mínimo, estruturável) aquilo que estou, na realidade, a lamentar é que entre nós, por imperativos de realização histórica e civilizacional concreta, nunca tivessem podido gerar-se, por sua vez, uma consciência cívica, um espírito nacional colectivo onde a ideia (ou a impressão inconsciente colectiva) de que a propriedade da História e concretamente da acção histórica é algo que não necessariamente de ser "mediado" por uma 'classe sacerdotal' qualquer que a «signifique» previamente, antes de «redistribui-la», digamos: 'secundária e descensionalmente'.
A existência histórica e política' de proletariados próprios foi, em meu entender, aquilo que permitiu, na realidade, à França, à Inglaterra, à Itália ou à Alemanha, ao contrário de Portugal ou de Espanha, apoderarem-se nuclear e, de algum modo, democraticamente de formas significativas de acção histórica: a partir de Marx, com efeito (o Marx que centralizava muito do seu pensar histórico na ideia de "meios de produção")---poderíamos dizer que, naqueles países e naquelas sociedades, não foi apenas uma classe que possuíu os "meios autónomos de produção de uma inteligência qualquer de realidade" assim como apenas uma ideia dos modos de, concreta e objectivamente, transformá-la.
É, ao invés, nas sociedades onde a própria sociedade não se encontra, de um modo ou de outro, estrutural e estruturadamente organizada (em classes, embora, como é óbvio); nas sociedades onde não existem, pois, estruturas institucionais organizadas (formas significativamente alargadas de trabalho em comum, por exemplo, como no modelo de produtividade capitalista-industrial); estruturas que permitam ligar as pessoas colectivamente à História através, primeiro de um vínculo material e, em seguida, de um outro, dele decorrente, de ordem estável e organizadamente intelecccional e subjeccional, que a ideia da própria possibilidade material de um "apoderamento objectual da História" e dos modelos de "acticidade material" que à sua 'produção' e reprodução por parte das pessoas ou dos cidadãos em geral inevitavelmente se associam que surge a tendência natural para substituir a própria História por desformulações utópicas que, com ela, História (ou historicidade como tal) têm, todavia, na realidade, muito pouco em comum.
Nas formas de auto-representação cultu(r)al destas sociedades a História tende sempre, de forma natural, a surgir como de fora de si mesma, na forma muitas vezes de uma espécie de morfocausalidade inorganicamente providencial, sujeita a regras que são emprestadas à História e ao seu funcionamento específico, não pelo pensamento científico mas por formas exógenas de pensar mágico e/ou ritual que apenas simbolicamente com ela se casam.
É o que sucede, no fundo, com a "gnoseotopia" (ou "pensar gnoseotópoco") "pê-ésse" (pura "mágica" no sentido em que imagina e pretende que imaginemos, o futuro a obedecer arbitrariamente à vontade humana individual e, sobretudo, espontânea ou inorganicamente considerada---o futuro como o coelho ou a pomba que saem da cartola do mágico...); conceituação apenas possível numa sociedade nuclearmente mágica e/ou ritual (as campanhas eleitoriais, por exemplo, que são senão a expressão tribal-ritual de uma 'magia' epidermicamente "actualizada" de modo a parecer à primeira vista um verdadeiro presente?).
Uma sociedade de onde a infra-estrutura ou fundação e fundamento---o «alicerce epistemológico»---foi, de facto, "roubado" a um pensar mítico genuinamente "primitivo" não podendo, em caso algum, ser entendido como integrando, pelo contrário e idealmente, todo um conjunto de modos-de-ver de "episteme" realmente científica, como encontramos, por exemplo, nas formulações de um Locke sobre Democracia onde a formulação de natureza especificamente política---"todos os homens são iguais em direitos"---radica directa e naturalmente na Ciência---"todos pos homens são iguais em direitos porque cientificamente não há diferenças de natureza estrutural entre todos os homens".
É essa radicação (ou "radiciação") natural e necessária na Ciência que falta, em meu entender, na (in) essência, a todo o edifício político (ou, por isso, meramente 'politiforme') da pós-modernidade, em geral---o que se explica, como tantas vezes tenho repetido, pelo carácter de propriedade privada e proto-capital ou matéria-prima nuclear do processo de re/produção contínua do próprio capital atribuído ao próprio Conhecimento nas sociedades capitalistas contemporâneas cujo projecto civilizacional passa nuclearmente por aí: pela inevitabilidde de privatizar ou "enclose" continua e centralmente o conhecimento como (lá está!) matéria-prima essencial da sua própria transformação industrial em "valor" e, deste, em mais capital.
Um processo que usa, por outro, o próprio Estado como utensílio (o mito do Estado Social como sobrevivendo a si mesmo na condição de conquista civilizacional quandpo ele já opera, na realidade, como uma almofada de protecção da estabilidade, sim, mas do modelo de exploração capitalista como tal e como "argumento politiforme" deste) determinando que seja possível (de facto, que seja inevitável) que seja cunhado um outro conceito sistémico que é o de "democracia funcional", constituindo-se como expressão formal de um sistema que, por quanto disse, configura, na realidade, uma "economocracia" (im) pura, em toda a sua extensão pou m todo o seu "esplendor".
Onde 'entram', então, aqui o "Século" e os seus 'Cadernos', atrás referidos?
'Entram' muito claramente num ponto: naquele ponto exacto centrado num texto introdutório e globalmente situador (o livrinho, intitulado "Etapas para o Ano 2000" é, na realidade, uma antologia de que texto que comecei por referir, um texto anónimo extraido do "Stuttgarter Zeitung" de 13 de Novembro de 1967) cujo título é: "Entre a Arte e a Ciência" onde o seu anónimo mas muito escrupuloso autor propõe algo que, por muito estranho (e até inquietante) que pareça conserva tantos anos volvidos, toda a sua pertyinência e toda a sua actualidade.
Mais (e, por isso, eu falava atrás de uma possível 'inquietação' por parte de quem, hoje-por-hoje, como eu, o re/lê): é admissível que ele, no limite, mostre como o futuro pode, afinal, ter-se (como dizer?) de alguma forma "suspendido" a si próprio nessa já longínqua década de '60 podendo (ou devendo?) na realidade ser hoje retomasdo aí, no exactro ponto m qwue tinha, na ocorrência, ficado.
Por que assim falo?
Porque aí se fala (com extrema concisão e escrúpulo, volto a dizer) de coisas absolutamente essenciais como, desde logo, a necessidade fundamental de fundamentar consistenemente não apenas o futuro mas, desde logo, as nossas ideias, ideações ou 'visões' dele, exactasmente como base e prolegómeno de uma construção estruturada e consistente dele.
Não é, como fazem, regularmente, os vulgares "mágicos" da "gnose futurista" no poder hoje, "conjurando" avulsamente modos e formas de um, afinal virtualíssimo, "futuro" que só existe nas suas 'ilumindas' cabecinhas que se pode, com o Futuro com maiúscula, estabelecer qualquer forma minimamente consistente de vinculação causal, realmente operante---e dialéctica (sem esquecer democrática): é, como nota o articulista do "Stuttgarter" citando Picht (que, segundo ele refere, distingue três fases ou estações inerentes a uma possível 'ciência' (ou ciencialidade) futurológicas: previsão, probabilidade e projecto---sublinho: 'projecto') e Jungk (que fala, por sua vez, em prognóstico, utopia e planificação---sublinho: 'planificação').
Ora, num momento da História em que o mito neo-liberal do economocentrismo do mercado claramente falhou ficando a descoberto um outro mito teórico a ele directamente ligado---o da desnecessidade estrutural do Estado: é preciso, com efeito, dizer toda a clareza, que é, exactamnte ao contrário, no recurso ao Estado---a um modelo instrumental (instrumentalmente infixo e estr(e)itamente ancilar) de "Estado funcional" que assenta, afinal, toda o ilusório «edifício operativo» da mistificação economocrata neo-liberal e mais ou menos "pós-moderna" do celebérrimo 'menos-Estado-melhor-Estado, tantas vezes propalado pelos seus adeptos da facção... "hard core").
Mas (lá está!) não a um Estado onde se façam realmente ouvir e possuam expressão operativa realmente demonstrável as 'vozes' das diversas classes sociais que compõem a sociedade no seu todo; um Estado que seja, pois (e para utilizar um conceito e uma expressão que me são teoricamente caros) mais do que um Estado formal e, sobretudo, instrumentalmente 'social', um Estado-consciência efectivamente operante, 'herdeiro dialéctico' legítimo do velho Estado nação moderno, capaz de planificar e estruturar, desse modo, organizadamente próprio futuro e tendo, desse modo ainda, sempre prsentes (e integrando-as mesmo no seu próprio funcionamento institucional específico) as legítimas aspirações não apenas políticas e sociais mas, de um modo mais lato, históricas, cultu(r)ais e civilizacionais das diversas forças sociais em presença.
Não há que ter medo das palavras---e muito menos dos conceitos que lhes subjazem (se subjazem, nos casos em que as palavras não são meros chavões sem demonmstrável conteúdo).
Foi, de resto, em larguíssima medida, pelo facto de os economistas e os "seus políticos" terem continuamente aterrorizado as sociedades com termos como "projecto", "planificação" e "prospectiva" (quando não, em última análise, "mudança" e até "História"...) no sentido perversísimo de impor um modelo político e civilizacional árida e impiedosamente economocrata, porque completamente desregulamentado e "livre", que se chegou à situação actual de crise que, mais do que crise, representa, em última análise, isso sim, um verdadeiro estado.
Ora, é contra esse estado que é preciso combater.
É contra ele que é preciso "recomeçar" a concepção dos nossos paradigmas civilizacionais de "economia" e de "política", volto a dizer, exactamente onde a tinham deixado alguns observadores e teóricos das décadas de '60 e '70, quando certos termos não se tinham ainda instalado no consciente mas, sobretudo, no inconsciente colectivo 'ocidental' como verdadeiros espectros, assombrando os diversos propósitos e intenções, individuais e colectivos, de reflexão histórica, económica, social e política, minimamente independente.
[Imagem ilustrativa---fotograma de "2001, A Space Odissey" de Kubrick---extraída, com a devida vénia, de cedarlounge.wordpress]