sábado, 27 de junho de 2009

"Pier Angeli, 'il mio angelo personale'..."

Foi (com a 'cintilante' Audrey Hepburn, na 'Natasha' da mal-tratadíssima "Guerra e Paz" de King Vidor) outra das minhas paixões cinéfilas juvenis mais arrabatadoras e persistentes.
(Não certamente por acaso eu pronunciava à época o seu segundo nome com acento no "e": "angéli"...) .
Teve uma irmã gémea (Marisa Pavan, casada com Jean-Pierre Aumont) que nunca, todavia, atingiria metade sequer quer do seu, apesar de tudo globalmente discreto, sucesso profissional, quer, em minha opinião sobretudo, do seu pessoalíssimo encanto particular.
Vi-a, pela primeira vez, salvo erro, no "Lys", num filme com o Danny Kaye, intitulado "Merry Andrew" ("Viva o Palhaço" no título português) e nunca mais deixei de "amá-la" e de esperar ansiosamente a oportunidade de revê-la.
Aconteceria, aliás, algumas vezes ainda em coisas como "O Cálice de Prata" (dirigido por Victor Saville e de que o Newman se havia de envergonhar toda a vida por tê-lo protagonizado...) ou o (para mim, à época, deslumbrante e virtualmente hipnótico) "A História de Três Amores" do Minelli, que me recordo distintamente de ter visto na esplanada do "Capitólio" e que tinha um elenco fabuloso (que eu, porém, mal via por só ter olhos exactamente para a angelical Pier...)
Bons tempos, esses em que ainda havia Piers capazes de simular a pureza com esta desafectada, suave exactidão, com este exímio quase absoluto rigor, com esta escrupulosa e 'definitiva' perfeição!...

"Cuore" de Edmondo di Amicis

De um modo ou de outro, o fascismo mental em estado puro.
Gasoso.
A forma abstracta última do mesmo.
Foi na minha meninice durante algum tempo (juntamente com as histórias... de terror do "Bambi" e da "Bela Adormecida" na versão do Disney, uma das minhas referências incontornáveis, absolutas.
Tive-o na edição da Minerva que me ofereceram num Natal qualquer da já longínqua década de '50 do século passado.
Tal como me chegaram à época na versão portuguesa (muito adaptada, aliás!) "estórias" como a do Graciano (o rapaz abrutalhado e pobre "do povo" que nos é apresentado, nessa edição da Minerva, como um verdadeiro paradigma--e exemplo--de "pobreza trabalhadora mas sempre respeitadora e humilde", tal como idealizava--e pretendia, aliás, ver eternizada--a pobreza o próprio salazarismo--ou a do menino da narrativa "Dos Apeninos aos Andes" (o torturado e muito... edípico Marco, do filme e da série de animação...) para já não falar nesse "O Pequeno Patriota Paduano", um "viva la muerte" para crianças...) marcaram, para sempre, primeiro, como modelos, mais tarde como anti-modelos puros, o adolescente que fui e, até, no limite, o homem que sou, detestando seminalmente o aparato grotesco, sempre, de um modo ou de outro, no limite, sexualmente ambíguo e 'cinzento', do patriotismo seja como e onde for que ele se manifeste assim como o primarismo, profundamente decadente (e estruturalmente triste!) dos rituais guerreiros sejam eles de que tipo forem.
Tudo graças ao "Cuore" e às leituras familiares que dele (em casa da minha avó, sobretudo) tantas vezes, sobretudo ao serão, se fizeram.
Obrigado, pois, velho Di Amicis por essa pedagogia... por absurdo à qual devo, aliás, grande parte da (pouca) lucidez que hoje possa eventualmente ter conseguido reunir...
Seria interessante considerar o papel desempenhado pelos mecanismos naturais de fixação edípica na construção mental de uma sociedade fascista ou para-fascista, como era a portuguesa dessa década de '50.
Há nessas... 'androcracias' gritantemente retóricas e mesmo ostensivamente recitativas de inspiração patriarcal espartana, "subterrâneos" mais ou menos persistentes (eu suponho mesmo que tópica ou hipoteticamente estáveis) de transferência em matéria de identidade sexual que derivam, em tese, por sua vez, do modo particular como essas sociedades, aparentemente «virocêntricas», se baseiam, na realidade, em última instância, em modelos de docilização e estr(e)ito controlo mental e físico mais ou menos consistentes e precisos onde a "Mãe" (figurada por transfert na "Pátria" ou, como lhe chamava Natália Correia, num contexto um pouco distinto mas num "desarrincanço semântico", de facto, curioso e, sobretudo, antropológicamente fecundo: na "Mátria") permanece, muito para além do ciclo e/ou do tempo normais como um elemento que, transformado secundariamente em "cultura", fixa (neste caso, de forma completamente artificial, o sujeito a si próprio e ao Tempo, impedindo-o estratégica ou significadamente de «crescer».
A "Mãe" é, de facto, uma presença quase obsessiva ao longo do livro.
Ela opera aí, no contexto desse "fascismo mental" ou "subjectivo" ("subjeccional") que fornece, de facto, muito claramente e em última análise, a semente ou o «sopro vital» de todos os fascismos objectivos e históricos concretos como o utensílio cultu(r)al primário de que se serve o poder para controlar e dominar.
Para se exercer.
Há, diria, em todo o processo de fascização intensiva de uma sociedade, uma suspenção libidinal nuclear estratégica que, por um lado, induz o desejo obsessivo--senão mesmo o culto organizado--mais ou menos reconhecível da Morte (correspondente ao triunfo natural da pulsão de Thanathos sobre a de Eros) que o franquismo tenebrosamente consagraria no seu famigerado (e histérico!) tristemente clássico "viva la muerte" (e onde traços evidentes de "submissividade sado-masoquista" de natureza reconhecivelmente--homo--sexual se tornam globalmente claros a um olhar crítico atento) e, por outro, a transferência neurótica secundária persistente da ideia de prazer--de desejo--para a violência pura onde aquele se desreprime, então, neuroticamente numa acticidade elementar e 'absoluta' que o poder controla e "significa" ulteriormente a seu bel-prazer.
Neste sentido (volto a dizer: neurótico) elemental, o fascismo, as sociedades fascistas como tal, são, de facto, "o grande hospício" organizado e não é por acaso que Reich (o Wilhelm não o "dritte"...) centra toda a sua (re) visão pessoal de Freud, como se sabe, central e determinantemente no "Político".
Para muitos de nós, libertar-se da tutela da "Mãe" através da ressexualização libertadora 'total' final do paradigma feminino (veja-se desde logo aquela que pode, em última mas real instância, ser entendido como a "essência cultu(r)al absoluta", a grande 'lição' histórica e mental do "Maio de 68"...) foi, com efeito, o primeiro acto de (auto) reconhecível rebelião--de rebelião especificamente política--que teremos, como geração, conseguido protagonizar e, sobretudo, operar.
Por isso, também, longe de ser com ela incompatível, um Sade, por exemplo, é cultu(r)almente tão importante (eu diria mesmo: tão seminalmente essencial) em última análise, para a Revolução.

"Os «anjos» homenageados por um confesso não «devoto»: eu!"

Mais abaixo falo com irreprimível tristeza da morte de um deles, "anjos".
De 'Charlie', o homem que ninguém alguma vez viu.
Ninguém de nós, pobres mortais, quero eu dizer.
Como não era exactamente "cliente" da série, ignoro se algums dos anjos, alguma vez teve essa oportunidade--e a aproveitou.
Eu juro que nunca o vi!
Refiro-me, claro, quando falo destes 'anjos' a 'Jill Munroe' (a agora desaparecida Farrah Fawcett-Majors), a 'Kelly Garrett' (Kate Jackson) e a 'Sabrina "Bree" Duncan' (Jaclyn Smith) .
Volto aqui a homenagear a espécie de "ingénua vulgaridade" em todas elas "encarnada" e, de um modo particular, o "anjo" que das três nos deixou já, reproduzindo (com a melancolia que se pode sem dificuldade supor) os "angélicos" rostos originais.

[Nota: Já agora, acrescento que, para mim, que tive uma "paixão assolapada" durante muito tempo pela Pier Angeli (isto é rigorosamente verdade, ham?!...) o "anjo" preferido era definitivamente o «anjo» do meio, 'Kelly', que dava 'uns ares' à trágica actrizinha italiana, grande amor de James Dean (meu odiado "rival" desses anos de ferocíssima inocência!...) a crer no que afirmavam as já muitíssimo vorazes e ávidas de privacidade Hedda Hoppers da época...]

"Barry Lyndon", «fisicamente o mais belo dos Kubricks»"

Pessoa amiga falou-me ainda bem recentemente dele e nomeadamente do actor (Ryan o' Neill) que nele desempenha, ao lado de Marisa Berenson, o papel-título.

Muito justamente grato, o "Quisto" faz absoluta questão de oferecer à pessoa amiga em causa este fotograma como tributo à excelente ideia que foi essa de lembrar-nos a todos da existência de um dos mais belos e imprevistamente... "problemáticos" filmes de Kubrick.

'Problemático' por sê-lo particularmente a temática que comporta?

De modo algum!
Apenas por ter deixado virtualmente sem reacção a Crítica--que sempre esperou (e tentou, de resto, "ver" nesta sumptuosa adaptação de um texto um pouco menos conhecido de Thackeray) significados ocultos e conteúdos subliminares complexos na Obra do realizador de "Lolita" e "A Clockwork Orange".

Aparentemente, em "Barry Lyndon", Kubrick terá apenas tentado (e logrado, aliás--é preciso reconhecê-lo!) um filme esplendoroso e prodigiosamente envolvente, carnal, física (sensualmente!) 'excitante' onde (como no muitíssimo mais explícito e incomparavelmente mais violento "Lolita", por exemplo) o amor e a abjecção se cruzam, ainda assim, subtilmente--aqui, todavia, repito, de um modo incomparavelmente mais ínvio e discreto do que nesse doloroso exercício de devorismo autofágico e cruel 'apogeu suicidário' que é a mais famosa adaptação cinematográfica do texto nabokoviano.

Porém, a sequência em que Redmond Barry humilha publicamente o enteado é do mais puro e dilacerante "hard core" Kubrick...

"Uma interpretração psicanalítica pessoal do Cinema de Alfred Hitchcock"

Falo dela um pouco mais adiante--e em mais de um sítio deste "Diário", de resto.

Foi um dos rostos-chave do obsessionário pessoal hitchcockiano.

Sempre tive a ideia de que Hitchcock (como Chaplin, por exemplo) era senhor (seria em bom rigor "sujeito" ou "objecto"? Talvez... "subjecto"...) de uma sexualidade muito imperfeitamente resolvida nos seus estádios mais precoces circunstância que, de resto, determinaria (como muitos dos seus filmes, aliás, mais ou menos clara e amplamente atestam) uma certa postura subliminarmente ambígua em termos de padrão estável de identidade sexual, expressa das mais diversas formas e maneiras em personagens e situações presentes ao longo de toda a sua filmografia; personagens e situações essas que acabariam por tornar-se tornar-se, pois, clássicas de uma certa pulsão homossexual mais ou menos latente ou latencial persistente e de que o duo central do filme "A Corda" (as personagens de Farley Granger/'Philip' e John Dahl/'Brandon') são muitas vezes apontadas como o exemplo mais evidente e revelador.

Há, com efeito, precisando, um pouco melhor, a minha ideia pessoal relativamente a esta problemática da sexualidade possivelmente não por inteiro 'resolvida' do Hitchcock-indivíduo, em muitos dos filmes do Mestre, de "Rebecca" (que é, é verdade, tanto "dele" como de... David O' Selznick, que lhe impôs, como é sabido, diversos pormenores do 'script' e até especificamente determinados colaboradores) e "Under Capricorn" (que era, também, um pouco "partilhado" em termos de projecto cinematográfico global, entre o próprio Hitch e Ingrid Bergman--que lhe terá "exigido" que o fizesse) a "Vertigo" (onde dá, finalmente, expressão definitiva e narracionalmente perfeita ao «motivo») passando por "Psycho" ou "Marnie" (filmes nos quais o conflito assume, por sua vez, formas muito próprias) (1) uma espécie de "fantasma" (até--quase--no sentido preciso e físico em que vulgarmente se usa a expressão "imagem-fantasma", no cinema ou na televisão...); há, com efeito, dizia, em muitos dos filmes de Hitch uma angustiada sugestão de mais ou menos clara e sempre impendente instabilidade identitária de base, uma "coisa" instintiva e nuclear sempre narracionalmente direccionada no sentido da sublimação (ou representação ficcional circunstancialmente encriptada e "simbologizada") final--algo que assume, diria eu, expressão muito precisa e, em meu entender, muito reveladora numa espécie de imagética-tipo, também essa cuidadosamente "codificada", topicamente centrada na angustiada/angustiante--obsessiva--supressão do arquétipo feminino, de algum reconhecível modo, original (ligado, na minha 'tese', à "Mãe") originando, por seu turno, uma espécie de "female archetypal blur" genérico que radicará, a meu ver (em tese, pelo menos) causalmente na tal negociação original incompleta e des/estruturalmente deficitária do ciclo edípico tipo.
E é essa imperfeita negociação original que, a meu ver, o leva, na minha hipótese de 'leituração' pessoal desta problemática, tão constante quanto, sobretudo, topicamente, a vacilar e a hesitar ou a oscilar permanentemente entre no quadro de uma visão tópica, em última instância, sempre, no fundo, in-definível e dramaricamente bipolar--dissociacional--da Mulher (2) que é, por ele, vista como vacilando perpetuamente entre a versão "vulva devoratrix" (isto é, algo fascinante e remoto mas também sempre, de um modo ou de outro, obviamente 'ameaçador' da masculinidade do sujeito--Grace Kelly em "To Catch a Thief"..." ou Eva Marie Saint/'Eve Kendall' em "North By Northwest"--decididamente o «meu» Hitchcock absoluto, definitivo e perfeito... ) e a mulher-refúgio alternativa (que pode ser a "little sister" de "Shadow of a Doubt", de "Strangers on a Train" ou ainda aquelas quasi-"little sisters" de "Vertigo"--Barbara Bel Geddes/'Midge' e de "Marnie"--Diane Baker/'Lil Mainwaring'--que passa, como se sabe, o filme praticamente a "tentar", sem o conseguir--como nas mensagens oníricas tipo--"dizer" algo a Connery que se recusa tenazmente a ouvi-la...).

Para mim, é muito concretamente a questão da supressão (desejada? Temida? Sempre problemática) da imago materna assim como da sua in-fixidez e tendência persistente para a dissociação e para o desdobramento (às vezes, numa "coisa" abertamente "devoradora", como 'Mrs. Danvers' que traz, por sua vez, à--quase...--superfície, os "motivos" do incesto e da submissão para-masoquista--está na origem dos contínuos e multímodos "desdobramentos"/"diossociações" que à mistura com algum mais ou menos discreto "sadismo tensional simbólico" povoam o cinema do Mestre.

Às vezes, a "Mãe" é "exorcizada" e, de algum modo, "executada" em figuras de governantas-algozes (Cf. v.g."Under Capricorn" em Margaret Leighton/'Milly' ou o já citado e incontornável "Rebecca" onde a figura espectral de 'Mrs. Danvers' possui uma 'gravidade narrativa' que devora tudo e todos em seu redor) as quais roubam à persona feminina supostamente referencial e, de alguma forma, essencial, o protagonismo ficcional e simbológico ou mesmo expressamente a tiranizam e reduzem existencialmente à expressão mínima, numa espécie de repersonificação mutacional persistente da mesma persona drammatica de base que se "repete", assim, pois, com "matizes" e/ou "desdobramentos" próprios em "The Man Who Knew Too Much" (com 'Lucy Drayton'/Brenda de Banzie).

Não é, em meu entender, propriamente difícil tipificar as personae femininas hitchcockianas (fazendo-as coincidir pontualmente, em termos genéricos, com as de Chaplin) em três grandes "categorias" a saber:
-a Mulher original, possivelmente arquetípica (ou "arquetipal") uma Mulher (des) estruturalmente in-fixa e 'problemática' que ora se deixa substituir e matar por imagens disfuncionais diversas de si, ora "tem de" ser morta a fim de permitir a libertação definitiva do "sujeito".
-As modalidades disfuncionais referidas que vão da 'Mrs. Danvers' de "Rebecca" à 'Milly' de "Under Caricorn" (versões ambíguas de opressora exógena e mutação específica da própria "Mãe" que não se consegue "integrar" (e/ou superar) levando até ao completamento ideal o ciclo edípico como tal;
-A mulher-camarada (a que chamei um pouco facetamente "panty pal" onde a personagem torurada e inquieta do "herói" busca refúgio ocasional (e onde poderá estar uma espécie de ponte "simbólica" camuflada não apenas entre os sexos mas, de algum modo sobretudo, entre as sexualidades?), uma figura que não gera medo mas com a qual, pelo contrário, a proximidade é possível e, sobretudo satisfatória.
Já citei vários 'casos': poderia juntar-lhe outros.
Poderia juntar, por exemplo, a personagem de 'Stella'/Thelma Ritter em "Rear Window", outro dos grandes momentos da "hitchckockiana".
É preciso dizer que, por vezes, a "Mãe" aparece clara ou mesmo expressamente "colada sobre" esta última figura, como sucede em "To Catch a Thief" ou em "North By Northwest", em ambos os casos um papel exemplarmente desempenhado pela inesquecível Jessie Royce Landis.

NOTAS
(1) Em "Psycho" é a ambiguamente "pecaminosa" Janet Leigh que, incapaz de se remir a si própri, se desdobra /e se renova ou renasce secundariamente redimida) na figura de Vera Miles.

Também em "Psycho" muito difusamente baseado num "pop gore" de Robert Bloch, a Mãe castradora e incapaz de agir como Mãe protectora é "ficcionalmente executada" (embora simbologicamente no fim, assimilada ou "engolida") por um xistencial--e sexualmente!--trágico Norman Bates/Anthony Perkins.

A dissociação está toda "lá"--assim como o está em "Marnie" onde é a mesma personagem que se redime e "resolve" com a assistência de um "herói" redentor, um Connery inesperadamente paciente, subtil e delicado.

(2) Em "Vertigo" a excelência narracional é atingida tanto pela sobreposição absolutamente perfeita, exacta, orgânica entre os conteúdos "latente" e "real" da "estória" (muito remotamente inspirada em Pierre Boileau/Thomas Narcejac e especificamente na novela de ambos intitulada "D' Entre Les Morts") e o modo labiríntico, (labirinticamente "framed") como a "estória" é construída, com as identidades 'saindo continuamente de dentro de si mesmas', num contínuo jogo de espelhos onde a des-sacralização da Mulher (a sua morte e impossível re-nascimento) é "celebrada" ficcionalmente de forma realmente notável através da qual sobressai a "conclusão" final da impossibilidade da perfeição associada à "referência arquetipal" feminina assim como, cumulativamente, a necessidade ingente de matar o que não se pode atingir e, por iso, nos tem obsessivamente prisioneiros e tiraniza.
A Morte da "Mãe".
[Na imagem, a prodigiosa Eva Marie Saint, para o titular deste blog a 'loira' hitchcockiana]

"Uma das minhas mágoas..."

...é a de não ter tirado uma fotografia, em Roma, ao lado deste notabilíssimo personagem (á esquerda no retrato) quando tive oportunidade.

O personagem em causa é, como já certamente identificaram, Peter Ustinov, para mim, definitivamente o "Príncipe de Gales" de "Beau Brummell" e/ou o "Nero" de "Quo Vadis", de Leroy antes ainda de Kubrick o ter chamado para o elenco de "Spartacus" e de (para mim) ser o soberbo "compère" de "Lola Montes" de Ophüls que só muito mais tarde pôde (por razões ligadas à classificação etária dos filmes durante a ditadura) ser.

Voltando, porém ao Ustinov e designadamente àquela "mágoa" de que falo no título: nós tínhamos acabado de chegar a Roma com os alunos da 'Secundária do Laranjeiro' e de na Piazza Del Poppolo ter havido um reboliço danado porque a rapaziada insistiu em fotografar a Victoria Principal (à época, uma daquelas vedetas, sempre muito efemeramente... definitivas e fugazmente incontornáveis que "vêm sazonalmente com as marés"--geralmente televisivas--para, de imediato, providencialmente voltarem ao limbo de onde vieram--e que é, de resto, o seu 'habitat natural'...) ao lado de dificilmente imagináveis canastrões como são (ou eram) por exemplo, o Larry Hagmann (o impagável J. R.) e o hilariante Patrick Duffy; mas também da malograda Barbara Bel Geddes (falecida de cancro e que tivera o seu momento 'absoluto' de glória com o Hitch, em "Vertigo", onde foi uma das imagens arquetípicas 'mutantes' de "panty pal", a sexualmente 'tranquilizadora', muito caracteristicamente hitchcockiana, "mulher camarada" ou "symbolic mother/sister figure" que abunda--muito erradamente ignorada, aliás--nos filmes do "Mestre" ao lado das clássicas "killer blondes" de Grace Kelly à fabulosíssima Eva Marie Saint, para mim, o arquétipo final, absolutamente 'perfeito', dessa imagem tópica de "elusive, burning-ice/castrating pelvis" ou "bogey quim"--ou, ainda mais... 'erudita' e mais freudiamente: "vulva devoratrix"--que instintivamente associamos à primeira daquelas actrizes) e da infinitamente mais bela e a todos o títulos mais interessante Linda Gray.

Bom mas, como ia dizendo, a Principal estava casualmente em Roma, as raparigas do grupo (leitoras da "Maria", da "Caras" de então e dessa "trapalhada" toda, "anestesia mediática" que à época despertava ainda muito tentativa e muito discretamente para a... "vida") precipitaram-se aos gritinhos para ela de máquinas fotográficas em punho, os seguranças saltaram à uma sabe-deus-de-onde, a Principal enfiou de cabeça numa joalharia quualquer, enfim, foi um berbicacho danado!

A Emília Brandão, o Chico "de História" que "comboiavam" o grupo e eu próprio (que com o Camões e a Maria nos mantínhamos a alguma prudente distância do "circo"....) a tentar explicar que as miúdas só queriam uma fotografia, que não era para vender nem coisa parecida, que, se calhar, no dia seguinte, já ninguém sabia onde ela, fotografia, estava (se é que ainda estava em qualquer lado...) a Principal (que as devia vender por bom dinheiro) a esconder a cara lá dentro da loja, a malta a protestar, pessoal cada vez em maior número a parar, italianos a gesticular como só eles sabem, enfim... uma verdadeira barraca "à portuguesa"!

Logo que pude (quando "aquilo", por fim, amainou um bocado e o pessoal começou, finalmente, a dispersar) deixei-os a todos a digerir o desapontamento e a irritação e 'pisguei-me' Via Del Corso abaixo à descoberta da cidade até que, de súbito, dou comigo diante da mole imensa do edifício do Coliseu onde aparentemente se filmava qualquer coisa que metia este bom Ustinov vestido de toga romana como no clássico do Leroy com a Kerr (outra das minhas "paixões cinéfilas" 'absolutas'!) e o Robert Taylor por quem a minha Mãe e a minha Tia Graziela nutriam confessas, idênticas, paixões.

Vendo aquela meia dúzzia de "maduros" boquiabertos, imóveis em redor dele próprio e de "tudo quanto era técnico e fio espalhado no chão", absolutamente determinados a não arredar pé e a contemplá-lo como basbaques "que se prezam" (de sê-lo e parecê-lo--pessoalmente, confesso que não resisti a ficar ali beliscando-me entre o deslumbrado e o pura e simplesmente incrédulo, incapaz de crer nos meus olhos, lembrando precisamente tudo quanto com ele já vira e admirara!) o Ustinov cheio de bonomia dirigiu-se-nos directamente, dizendo que, se quiséssemos, podíamos fotografá-lo à vontade durante o tempo que pretendêssemos ("a reasonable lapse of time") mas que (please! Pretty please!") depois deixássemos e aos técnicos finalmente trabalhar ("get some work done"...)

Ainda tenho (claro!) a fotografia que lhe tirei diante dos muros exteriores do Coliseu (e que--a minha impressora e o meu 'scanner' não fossem os estúpidos "prone to break down pieces of pure crap" que são!...--teria todo o gosto em usar como ilustração desta entrada).

Do conjunto destes dois cinematográficos incidentes, ficou-me, numa palavra e para terminar, uma reflexão pessoal susceptível de ser, sempre, em qualquer caso, feita sobre os distintos modos de (como dizer?) "habitar topicamente a popularidade", contrapondo-se (e opondo-se mesmo!) neste caso aquele que identifica claramente mais uma daquelas vedetinhas fulminantes e descartáveisque vão e vêm ciclicamnte com... o vento e o de um actor da cabeça aos pés, cujo profissionalismo e discreta seriedade o definem e, em última (mas sempre real!) instância, distinguem.

Nunca esquecerei o velho "Usty", vestido de romano, sorrindo bonomicamente, numa pose cumplicemente irónica, humildemente à espera que nos fartássemos e o deixássemos definitivamente em paz.

Curiosamente, da Principal só me ficaram, ao fim destes, apesar de tudo escassos anos, o nome (e o caricato mergulho para dentro de uma loja qualquer, na Piaza del Poppolo...)

Lembram-se de algum filme com ela, de alguma interpretação particularmente notável, de uma única coisa que ela tenha dito ou feito que merecesse, de algum modo, ser recordada?...

Pois...

Eu também não...


[Na imagem: Peter Ustinov com Martine Carol em "Lola Montes" de Ophüls]

quinta-feira, 25 de junho de 2009

"Morreu Farrah Fawcett-Majors!"


Não era uma grande actriz?

Pois não!

Nem seria, até, admito, apesar de alguns momentos que, para alguns, expressamente assim indiciavam (como a sua participação, no teatro, em "Extremities", substituindo Susan Sarandon ou, mais tarde, no cinema, no filme de Robert Duvall, "The Apostle", por exemplo) em bom rigor, uma actriz...

Não era a mulher mais bonita deste mundo?

Tão pouco o era.

Mas foi alguém que, no fundo, de um modo ou de outro, nos acompanhou durante anos; que (como sucede com tantas personalidades famosas, umas justa, outras menos e algumas até injustamente de todo) nos preencheu 'ene' serões de, em boa verdade, ingénua estultícia e da mais inocente banalidade televisiva, com os seus "Anjos de Charlie", vindos a lume numa época cultu(r)al em que os anjos--mesmo apenas os de Charlie...-- não eram ainda a total impossibilidade em que desgraçadamente a idade--a nossa própria idade e, talvez, sobretudo, a do mundo à nossa volta...--conseguiu que, entretanto, se tivessem, para nossa imensa tristeza e irregressível infelicidade, por inteiro, tornado.

Farrah e os "anjos" vinham para nós (vieram, seguramente, para mim!) numa etapa da cultura dita "de massas"--num momento da... "Idade Mídia"--em que ainda era, pois, possível às pessoas vulgares, mesmo as que presumiam de uma certa "respeitabilidade" pública e privada, deslumbrarem-se sem reservas nem falsos pudores com inanidades que, sendo-o obviamente, tinham o grande, o inestimável mérito, de, no fundo, não fazerem realmente nem bem, nem mal algum, fosse a quem fosse...

Era, ainda, o tempo em que o país recolhia a casa deliciosamente excitado com a perspectiva de serões de confortável tontice familiar preenchidos com os efeitos especiais (fascinantemente pueris!) do "Espaço Dois-Mil-e-Qualquer-Coisa", com os 'delírios textuais' do inimaginável argumentista ou argumentistas da "Micção" (perdão!) da "Missão Impossível" como, a outro nível, se excitava, manhã após manhã, com a "estória" inimaginavelmente medonha, literalmente tenebrosa (hoje alguns diriam: imperdoavelmente traumatizante!) do Marco e da sua sempre angustiosamente remota e inatingível mamã.

Como, de resto, ainda não havia muito, se perdera por completo de amores com as 'aventuras' sempre invariavelmente correctas--"morais"--dos Cartwright da "Bonanza" ou com as (já reconhecivelmente menos "morais" e francamente mais... "guerra fria") do já, por sua vez, claramente pré-bondiano "Dangerman".

...Ou ainda com as do meu preferido, o surreal e delirante "Mister Solo", com o Robert Vaughan no "Mr. Solo" e o David MacCallum no "Illia Kuryakin" e que o Mel Brooks parodiaria, aliás, com grande primarismo mas inversamente proporcional sucesso, numa série de culto, "Get smart", entretanto reposta na inefável "RTP Memória".

Ora, voltando um pouco atrás, a essa deliciosamente vulgar Farrah, é preciso (e é da mais elementar justiça!) reconhecer que alguém que partilha connosco nem que sejam apenas quinze ou vinte minutos de vulgaridade e cândida, inócua, tarouquice diária é alguém a quem devemos definitivamente, queiramo-lo ou não, alguma coisa.

Com a morte, hoje, da boa da Farrah, já só noutro lugar podemos aspirar a devolver-lhe as horas de entretida e inocente pasmaceira que lhe ficámos a dever.

"Good riddance, angel! One of these days I'll pop up there to pay you back!

And that's a promise!..."

"Da Ficção Como Representação e Atitude Originalmente Religiosa" [T.I.P. text in progress]

Revendo quase por acidente a versão cinematográfica de "The Master Of Ballantrae" de Stevenson, dirigida por William Keighley em 1953, sou conduzido, ainda uma vez, à minha própria "tese" pessoal envolvendo a questão do que poderíamos talvez designar (eu assim o faço, em todo o caso e à falta de expressão melhor) pelos "fundamentos filogénicos hipoteticamente estáveis das representações ficcionais em geral".
Eu creio com efeito (ao menos, repito, como "tese") que aquilo que vulgarmente designamos pelo termo "ficção" (designadamente do caso das formas ou das modalidades mais "pop" nas quais o elemento de inter-mimese ou contaminação se revela mais presente e mais forte) está (como dizer?) mais ou menos sólida (e também secundária ou terciariamente) a uma espécie de "fundo biofilomórfico estável" radicado na forma precisa que veio a assumir a "consciência" humana atingida a fase da hominização final que, em tese ainda, limita à "ficção", às formas ficionais de representação consciente ou inconsciente da realidade, possibilidade objectiva, material, de multiplicar-se e, sobretudo, a de diversificar-se (sendo finitas as de diversificar-se sê-lo-ão, por definição, as de multiplicar-se) pelo que é, a meu ver, possível supor, como hipótese genérica teoricamente demonstrável, o carácter naturalmente finito (ou, no mínimo, teoricamente finível) daquelas mesmas "representações ficcionais" como todo.
Vendo, aliás, uns dias antes, também, o clássico de Tod Browning "Mark of the Vampire", dei comigo, a dado passo, instintivamente a sobrepor alguns aspectos muito concretos do guião do filme a um conjunto particular de posturas de natureza objectivamente cosmovisional ligadas, por sua vez, a uma certa atitude religiosa básica, objecto de sucessivas mutações ao longo da História da Consciência Humana (e designadamente da das Formas Transformacionais do Pensar Religioso, em geral) envolvendo na essência a "explicação" do mundo.
Estão no filme de Browning (eu diria: disfarçadas de 'motivo narracional puro', associados ao mito do vampiro e tradicionalmente "fixadas" de modo a terem passado a constituir verdadeiros "topos" continuamente retomados pelo "genre" no seu todo) um conjunto de modos de relacionar-se "religiosamente" com o real como sejam a questão do tabu (uma das primeiríssimas formas de tentar alcançar modelos abstractos, senão mesmo teóricos, estavelmente causalizados, do real) ou, não menos claramente, e aliás a ese outro directamente asociado, o da não-submissão individual à autoridade que a tradição judaico-cristã abstractizará substancialmente fixando-o na forma do pecado da desobediência e do sacrilégio de que há traços praticamente por toda a Bíblia, do Antigo ao Novo Testamentos.

terça-feira, 23 de junho de 2009

"Miss «Sheer Fascination»"


Se me perguntarem, eu nego!

Não tenho qualquer fétiche!

[Bem... pensando bem... talvez... pronto, se tiver de ser, eu confesso!

Avanço um nome: "Mary Poppins".

Infantil, não é? Pois, a verdade é que, ainda hoje, não resisto, volta-não-volta a rever sequências inteiras de um filme de cujo realizador ignorei, aliás, durante anos, por completo o nome.

E, no entanto, quando o filme começa, a luz-Andrews ilumina subitamente aquilo tudo e o que é uma razoável e, em si mesma, literalmente perecível 'pepineira', torna-se imediatamente, uma experiência que, inexplicavelmente, parece renovar-se de modo quase miraculoso a cada novo visionamento.

Porquê?

Não me perguntem porquê!

Cá para mim, a razão só... podem ser duas: "Julie" e "Andrews"...

Mas é daquelas coisas que não explicam.

Como gostar de "petit suisses" com doce de framboesa ou de gravatas azuis--de preferência com bolinhas brancas...
Agora que, se eu tivesse de repente de dar um nome à perfeição, física e vocal, se calhar acabava dando o da bela mulher que Hitchcock acha que quase lhe estragou a sua (também por causa dela!...) absolutamente fascinante "Cortina..." e cujo "Feed The Birds" nunca deixo de escutar em reverencial silêncio, ai, isso!...]

"Tony, the Bleagh..."


Há muito que me habituei a ouvir (sempre que tem lugar a cíclica eclosão de um dos frequentíssimos escândalos de venalidade e corrupção em que o mundo pós-moderno parece ter definitivamente convertido numa "especialidade"--senão mesmo numa verdadeira "vocação"-- sua) coisas do tipo: "Pois! Será verdade mas é exactamente isso o que, no fundo, distingue as democracias das ditaduras: nestas, os males permanecem sempre, de um modo ou de outro, escondidos .

Naquelas, vêm a público e podem ser denunciados".

Pois, a público virão--alguns, pelo menos.

Admito até, em tese, que muitos.

Agora, aquilo que é preciso responder a esses curiosíssimos advogados e amigos da "democracia" que a vêem tristemente limitada à tarefa (im?) puramente passiva e, no fundo, neutra de desbraguilhar-se regularmente em público, ficando-se (ou... finando-se?...) em última análise, por aí a sua possibilidade objectiva de habitação da realidade e de 'intervenção' na História e na Política é que denunciar definitivamente não basta para fazer de um regime político uma democracia.

Denunciar é, na verdade, apenas uma fase ou um estádio do conjunto integral do processo democrático--um utensílio funcional de disciplina e correcção.

A Democracia não é, com efeito, por definição, uma atitude ou um posicionamento intelectual e cívico meramente contemplativo ou até (um pouco mais correctamente) in/essencialmente crítico sobre a realidade.

A Democracia inicia-se, é verdade, aqui, neste segundo caso, isto é, no posicionamento crítico, sobretudo se substantivamente distribuído pela generalidade da Cidadania nela contida.

Não acaba, porém, aí.

Democraticamente indissociável da crítica é a correcção objectiva, material, concreta dos males detectados.

E é isso que falta à maioria (senão mesmo, em maior ou menor grau, à totalidade) dos sistemas a que persistimos em chamar "democracias", hoje.

É imperioso juntar à crítica a acção nela radicada e fundamentada.

Para isso, insisto mais uma vez, entre outras medidas possíveis a introduzir no ordenamento político e até constitucional dos regimes formalmente democráticos ou "demomórficos" como o nosso, na obrigatoriedade absoluta de os candidatos a eleições deporem os seus programas assim como todo um exaustivo projecto contendo o modo, os cálculos, as quantificações, e os modos específicos por si concebidos para levar aqueles mesmos programas à prática para além de um sistema tipificado e muito preciso de sanções tendo em vista os eventuais incumpridores.

Assim como, ainda, a responsabilização pessoal dos infractores dolosos ou dos incompetentes que por inépcia ou má fé lesam o Estado e nele a Cidadania e os seus legítimos direitos.

Não basta, com efeito, pretender, como ainda há pouco defendia um anterior presidente da Assembleia da República ou um conhecido "comentarista" televisivo entre muitos outros, que é preciso aumentar as retribuições pecuniárias atribuídas à "difícil e espinhosa" actividade dos políticos.

Se entre nós existisse uma verdadeira Opinião Pública, ela apenas, aliás, acederia a considerar tal possibilidade se, conjuntamente com um quadro claro de aumentos no que às referidas regalias materiais diz respeito, viesse, de igual modo, um outro, rigorosamente simétrico, de natureza sancionatória efectiva para os casos em que os agentes políticos não cumprem as suas tarefas e funções.

Tenho um Amigo que é pai de um garoto, hoje universitário, e que frequentava uma escola, à época chamada ainda 'primária' onde, porém, métodos pedagógios considerados muito "avançados" eram já activamente, como se constata pelo que vai seguir-se, praticados.

Um desses métodos consistia em premiar os alunos pontuais com rebuçados e chocolates.

Ora, para além do que de nutricionalmente debatível podemos admitir que existe na prática de difundir padrões regulares de consumo de açúcares entre as crianças, um outro problema (que o "avanço" da escola em questão, pelos vistos, de resto, foi capaz de discernir) se levantava.

É que, como não existia um quadro sancionatório correspondente--só um de natureza ou sentido positivos que apenas contemplava prémios a quem atingisse determinasdos objectivos--o que sucedia é o que está expresso na situação em que, a dado passo, se viu envolvido o filho do meu Amigo que, vou já adiantando, chegava regularmente tarde às aulas.

Até que, um dia, zangado, o meu Amigo decidiu interpelar directamente o filho: "Olha lá! Se tu até tens a possibilidade de receber prémios por chegares a horas, por que é que os outros chegam a horas e tu chegas sempre atrasado, conforme a tua professora regularmente me comunica?!

"Oh! Pai!--respondeu o miúdo--Para os prémios que elas dão, não se justifica levantar-me tão cedo como muitos dos outros meninos...

Cá em casa temos, aliás, rebuçados e chocolates muito melhores do que os que elas dão.

Assim, não preciso de me levantar cedo, como te disse.
De resto, só os meninos cujos pais não lhes compram guloseimas ou compram piores do que as da escola, é que precisam de chegar--e chegam!--a horas...

Eu fico de manhã na cama e tenho guloseimas à mesma--e ainda melhores..."


"So much for affirmativa action!..."

Em casa, nas escolas "avançadas" ou... na política.

Voltando, aliás, um pouco mais atrás, àquela com que abri esta 'entrada' envolvendo a asserção de que "o que distingue, afinal, a democracia da ditadura é o facto de, nela. os podres sociais, económicos, etc. não serem escamoteados": será por isso que o "Público" de 22.06.09 noticiava que o improbabilíssimo ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair (e cito) "pediu ao seu sucessor, Gordon Brown, que efectuasse em segredo [sic] o inquérito independente (?) à guerra no Iraque, por temer sujeitar-se a um julgamento público, se o mesmo fosse feito às claras [sic] (...).

E será ainda por isso que mais à frente acrescenta ainda o jornal:

"Blair, que resistiu a pressões para um inquérito público, enquanto primeiro-ministro, parece ter tomado a decisão deliberada de não manifestar os seus pontos de vista a Brown, por medo que isso se viesse a saber.


"Por temer sujeitar-se a um julgamento público"

"Inquérito [não] feito às claras"

"Por medo de se vir a saber"


A democracia distingue-se da ditadura por, nesta, as coisas não serem escamoteadas da opinião pública e serem, ao invés, divulgadas e julgadas aberta e livremente por esta?


Pois!


Deve ser isso...

"A Spoonful Of Sugar..."


Engraçadíssimo, sem dúvida, um texto assinado pela indefectível 'advogada' e porta-voz local das posições oficiais sionistas entre nós, Esther Muccznik, no "Público" de 07.05.09, intitulado "Um peregrino na tormenta".

É preciso dizer que o "peregrino" em causa é o Papa Bento XVI e a "tormenta", o Médio Oriente a ferro e fogo.

Ora, sobre a situação na Palestina e o papel aí desempenhado pelo "blindadíssimo" Estado-eucalipto que é Israel, tenho a minha própria opinião que não é, todavia, este o ensejo para ser retomada.

Aqui, é, sim o de registar (e, por isso, comecei por utilizar, a propósito do assunto aqui focado, o adjectivo "engraçadíssimo") a imensa ironia que está contida no modo curiosamente encomiástico e admirativo como uma judia se refere ao cidadão alemão Joseph Alois Ratzinger, teólogo cristão, pianista, admirador de Bach e Mozart e... antigo confesso membro das juventudes hitlerianas.

É caso para dizer: as voltas que o mundo dá!

...E para concluir acrescentando ainda que as voltas que ele dá apenas são ultrapassadas, em natureza e, sobretudo, em grau, pelas piruetas e saltos mortais que as conveniências políticas fazem muitas vezes dar!...

segunda-feira, 22 de junho de 2009

"Sobre A Anunciada Beatificação De Um Homem Tíbio E Sem Grandeza"


Vou ser simultaneamente sacrílego (como o "herói" de Kurosawa...) e intencionalmente grosseiro: o Vaticano, esse gigantesco "caça níqueis espiritual" cuja sobrevivência constitui, na situação actual da civilização, uma monstruosidade intelectual e civilizacional dificilmente explicável; o Vaticano, dizia, faz hoje (ainda hoje!) santos como... os pombos e as galinhas fazem m.!

Aliás, a instituição-Vaticano configura, nos tempos que correm um completo contra-senso: tal como se obstina em preservar-se e existir, permance, com efeito, inquestionavelmente uma aberração dificilmente imaginável.
Moralmente relevante e, sob muitos aspectos, até, em última instância, determinante (no sentido muito preciso em que o cristianismo em geral o era, por exemplo, para Voltaire...) o problema é que esse estatuto de objectiva, muito ampla (e, sob muitos aspectos, apenas potencial) 'conveniência' ou mesmo (não me custa, por diversas razões, todas elas de natureza sobretudo pragmática, admitir em tese a referida possibilidade) possível objectiva 'necessidade moral' e até (por que não?) civilizacional (logrou, afinal, de algum modo...--"tant bien que mal"...--sê-lo durante décadas) assenta todo ele numa base teorética que se encontra, por sua vez, para todos os efeitos, esgotada e, por isso, hoje-por-hoje, completamente esvaziada enquanto suporte epistemológico credível, seja de que modelo objectivo e prático de moral for.

Argumentar, com efeito, por exemplo e para não irmos mais longe (o 'exemplo' é, creio eu, suficientemente esclarecedor e dispensa-nos, aliás, de enunciar outros que não seria, todavia, particularmente difícil identificar e adiantar...) nos tempos que correm, em defesa de uma suposta "infalibilidade papal" (já nem falo na questão em si da suposta "infalibilidade" como tal equacionada relativamente a um homem...); mas argumentar, dizia, com esse verdadeiramente extraordinário--surreal, mesmo!--dogma da "infalibilidade" quando recorrentemente assistimos a posicionamentos objectivamente absurdos e mesmo intelectualmente aberrantes, como aquele que recentemente envolveu (e continua, de resto, a envolver, agora noutro tom mais comedido e mais discreto, é verdade, mas está "lá"! Continua "lá"!) o uso do preservativo ou a questão dos fundamentos (?) "teóricos" para a recusa a ordenar mulheres não abona, de facto, minimamente, da lucidez, da honestidade intelectual e, de um modo lato, do esclarecimento, seja de quem for dos que desse modo e nesse intelectualmente inadmissível sentido se posicionam (em defesa da "proibição" absoluta do primeiro e da exclusão não menos categórica das segundas) tanto como dos que aceitam sem pestanejar o "valimento" efectivo e supostamente "intrínseco" dos referidos... "argumentos".

A recusa a ordenar mulheres é, aliás, no plano teórico, tão indiscutivelmente indefensável e tão teimosamente irracional (e mesmo escandalosamente obscurantista) quanto a primeira o é, no plano material e até do simples e elementar bom senso.

O modo como, por outro lado e de forma cumulativa, a igreja se permite reclamar para si o "direito" (insustentável e intoleravelmente demiúrgico!) de declarar a "santidade" de pessoas que, ou pura e simplesmente nunca chegaram sequer, ao que tudo indica, a existir (como um tal Santo Expedito a quem, ainda assim, possivelmente milhares pedem todos os dias as mais improváveis graças e milagres); ou, se existiram de facto, terão sido tudo menos aquilo que vulgarmente se entende poder em bom rigor caber na designação de 'santidade'; o modo como a igreja o faz, dizia, raia, na realidade, a mitomania assim como parece objectivamente ecoar os delírios megalómanos e impossivelmente visionários dos surrealistas com Dali e Breton ou Rimbaud à cabeça...

Pois, uma das "últimas" do Vaticano, depois da tomada de posição assumidamente política, que configurou o inqualificável--e provocatório!--"projecto" de canonizar aquele que foi, por sua vez, seguramente, um dos mais politicamente intrusivos e reaccionários papas dos últimos tempos (o que, tratando-se de papas, não é, aliás, dizer pouco...) que fez da intervenção anti-comunista militante uma verdadeira profissão de fé e até, a seu modo, um programa ou um projecto persistente--cá para mim, mais até do que persistente, foi obstinado, foi mesmo obsessivo!--de... sacerdócio; uma das "últimas" do Vaticano, dizia, passa, segundo o "Diário de Notícias" de 10.10,08, pela injuriosa, e ofensiva, canonização do, no mínimo, tíbio (eu diria mesmo: tibiamente suspeito!...) Pio XII, uma vez que sobre ele recaem, como é sabido, as mais fundadas suspeitas de ter cedido por completo à tentação... "diplomática" (leia-se: comprometedoramente pusilânime...) de uma objectivamente criminosa cumplicidade com a besta nazi no seu afã genocida global e especificamente anti-semita.

E não colhe argumentar que o Vaticano não foi o único a fechar os olhos à trágica e bárbara, inominável, realidade do genocídio judaico.

Não colhe argumentar que as próprias correntes evangélicas que compunham a igreja alemã da época, os "cristãos alemães" (1) ou que, no limite, a própria Inglaterra (como refere, por exemplo, de forma aliás expressa e directa, Saul Friedländer, num interessantíssimo ensaio sobre a complexa mas não menos interessante figura do "S.S. humanitário" alemão, o trágico Kurt Gerstein (2) que se filiou nas Schutzstaffel hitlerianas alegadamente com o propósito de sabotar, a partir do interior, a criminosa acção destas); não colhe argumentar, dizia, que mesmo esses (que estavam, pelo menos num caso, no dos cristão alemães, fisicamente mais próximos do problema e, portanto, dele conheceriam aspectos que seria, muito no limite e em tese, possível admitir que o próprio Vaticano conhecesse, digamos, menos bem) estão longe de ter feito tudo quanto podiam para evitar aquele mesmo genocídio ou, pelo menos, para aceitar corajosamente o (espinhoso, sem dúvida!) ónus de denunciá-lo.

...Ou ainda que homens de negócios reputados do 'mundo livre' (como Henry Ford, por exemplo talvez máximo) se puseram abertamente do lado da propaganda mais escandalosa e mais estupidamente anti-semita sobre cuja base argumentativa assentaria, aliás, a tragédia material do Holocausto.

Não adianta porque (obviamente!) o crime, mesmo o crime persistente, o crime generalizado, o crime à escala global não pode, em caso algum, justificar e muito menos "legitimar" o... "direito secundário ou consequencial ao crime" (uma das bases sobre que se suporta, em última análise, todo o edifício moral da igreja é precisamente essa de ela, igreja, ser suposta agir em todos os casos, como uma instância ética "absoluta", isto é, intervindo sempre em defesa da não-relatividade im/puramente circunstancial e meramente casuística do Mal).

Ao propor-se canonizar um homem pusilânime e sem qualquer dimensão ou grandeza ética (reconhecível quanto mais demonstrável!) a igreja obstina-se em provar que, na prática, age como se ainda hoje o não tivesse percebido (assim como àquilo que se encontra, em última análise, por trás das meras circunstâncias ou do fenómeno em si e que é, se possível, ainda mais grave) ou que tendo-o percebido se obstinasse inexplicável (mas também comprometedoramente) em ignorá-lo...


NOTAS

(1) Veja-se, a título de mero exemplo, aquilo que o Dr. Otto Dibelius, uma alta figura da hierarquia da igreja alemã da época, escreve, segundo Saul Friedländer numa obra cuja identidade editorial a seguir se dá, aos pastores do seu distrito: (...) Apesar do tom depreciativo do termo, senti-me sempre anti-semita. Não podem negar que em todas as manifestações de desintegração da civilização moderna o judaísmo desempenhou sempre um papel importante (...)" [sublinhados meus].
Ou ainda (cf. Saul Friedländer, op. cit. pág. 30) a declaração entusiástica do mesmo Dr. Dibelius a propósito da vitória eleitoral dos nazis em Março de 1933: "Entre nós muito poucos deixarão de se regozijar com esta grande renovação".

Para já não falar na pessoalíssima (ou nem tanto...) "reflexão" do pastor F. Anderson que diz, ainda segundo o mesmo autor, Saul Friedländer (cf. op. cit. pág. 29) que... "quem come um judeu, estoira" (!)

(2) Cf. Saul Friedländer, "Kurt Gerstein: Entre o Homem e a Gestapo", trad. port. de Maria José Miranda, ed. Morais Editores, Lisboa, 1968.
[Imagem ilustrativa extraída com vénia de oreclamista.blogspot.com]

"Publicidades..."


Do "Diário de Notícias" de 10.10.09:

"Publicidade vai aumentar na televisão".

Leio boquiaberto!

Devo dizer que tenho pela publicidade, comercial ou política, a instintiva repugnância que qualquer pessoa adulta sente por qualquer forma de condicionamento, de "mind control", por muito camuflada e bem disfarçada que esteja ou muito atraentemente... "dourada" que tenha sido.

Considero, mesmo, que a publicidade opera, no limite, como uma forma demonstrável de "terrorismo açucarado" a que deixámos como sociedade de reagir negativamente de tal modo nos habituámos a vê-la diariamente nas roupas ilegitimamente usurpadas de "cultura" com que a traveste toda a espécie de "con man" e "con woman" vulgo "publicitário/a".

A própria base (chamemos-lhe 'teórica' ou teorética) sobre a qual assenta a ideia de "publicitar" alguma coisa ou alguém (um sabonete ou um primeiro-ministro ou até mesmo um governo inteiro) configura, a meu ver (é difícil, aliás, reflectindo mesmo apenas um pouco não percebê-lo) a própria aplicação concreta material da mais repelente amoralicidade e a mais desprezível das desonestidades intelectuais.

A negação mesma do princípio de universalidade essencial e escrúpulo inteleccional sobre que assenta nuclearmente a ideia de Cultura com maiúscula.

Por muito que, com efeito, os tais "publicitários" se obstinem em tentar fazer com que acreditemos que "anunciar" é sinónimo de "informar", o que está ali em causa é vender um produto independentemente da sua qualidade intrínseca (ou até mesmo apenas da sua qualidade possível), sendo, para tanto essencial que os defeitos pr+óprios da "peça" ou da pessoa a 'vender' sejam, no mínimo, senão negados, escondidos,

Elididos.

Sonegados.

Insisto: a própria essência 'teórica' da "pub", como lhe chamam familiarmente os franceses, integra (consiste n) uma incontornável desonestidade de base.

Quem informa, é neutro e age, por consequência, neutralmente, i.e. fá-lo por definição com isenção, de forma desinteressada e equidistante, relativamente a algo ou alguém que constitui o objecto da sua mensagem; quem publicita, mede a eficácia intrínseca do que faz de um modo in/essencialmente, 'assimétrico', 'significado' e desonestamente "descentral" pela sua aptidão para tornar apetecível algo que (volto a dizer: por definição--ou ausência primária e... profissional de princípios?...) não é (longe disso!) no mínimo dos mínimos indispensável que em si mesmo o seja.

O que, no fundo, mais repulsivo existe na publicidade é precisamente essa sua pretensão de constituir uma actividade séria e até uma forma legítima de "cultura".

Não é!

O "publicitário" é, sim, uma espécie de... "prostituta total" que não se limita a vender o corpo: de facto, é, no limite (e na realidade!) a própria "alma" que ele vende indiscriminadamente a quem melhor lhe pague, na forma de uma tremenda falsidade que finge, todavia, sempre com o maior dos à-vontades ou dos despudores, acreditar não existir, afinal, em nada daquilo (de muito mau) que faz.

Em nome da publicidade, mutilam-se desavergonhadamente filmes mutilando-os em absurdas "partes" que os seus autores nunca sequer sonharam pudessem existir e violam-se (profanam-se!) regularmente dos mais diversos modos e maneiras toda a espécie de outras obras de Arte, das telas à poesia.

Klee vendendo cosméticos sem poder defender-se da barbárie em que o envolveram e de que o fazem vítima inerme é tão culturalmente miserável e intelectualmente desprezível como um fragmento de Beethoven ou Vivaldi ajudando, também eles completamente vulneráveis e indefesos, a "despachar" frigoríficos e louça de casa-de-banho por conta de um empreiteiro ou outro labrego qualquer naturalmente dotado para o atraso e para a boçalidade!
Escandaliza-me até à incredulidade que ainda mais publicidade seja autorizada a passar na televisão!

Eu não entendo, aliás, por que (in!) exactas... "razões" o direito à recusa a ser incomodado com publicidade não desejada, reconhecido (embora nem sempre 'praticado' mas enfim!...) para as caixas-do-correio seja como se não existisse para os televisores e os rádio-receptores.

Por que (volto a dizer: in/exactas) "razões" e com que igualmente im/precisos e indefiníveis "fundamentos" tenho de passivamente aceitar ser regularmente bombardeado com toda a espécie de necedades e inanidades de cada vez que exerço o meu banalíssimo direito de ligar o botão de um televisor que é meu ou de entrar numa estação de metro que não sendo exactamente minha nem por isso deixa de ser mantida com o meu dinheiro e onde, por isso, tenho o direito de gozar de alguns... direitos--desde logo, o de me deixarem os ouvidos e, sobretudo, a cabeça em paz!

Era bem deste tipo de "ditadura obsessiva do condicionamento e da vulgaridade" que falava, final, Orwell, no seu famosíssimo "1984".

Dessa tirania política e dessa intelectualmente mortal forma de 'colonialismo intelectual' e de 'opressão cognitiva'!


[Imagem ilustrativa extraída com a devida vénia de uncovering.org]

domingo, 21 de junho de 2009

"A pornografia da virtude"


Hoje, por uma razão qualquer, estou particularmente irado contra a "pornografia da virtude" que me cerca e oprime por todo o lado e das mais distintas maneiras.

"To make a long story short", farto de ser por ela perseguido, decidi, então, proteger-me fazendo como os crentes mas invertendo-lhes/subvertendo-lhes senão em rigor a (i) lógica em si, ao menos (chamemos-lhes) as circunstâncias fabulares ou mitiformes concretas com que eles usualmente preenchem a referida (i) lógica...

Assim, em vez de invocar anjos, arcanjos "and the likes of them", chamo em meu auxílio os meus próprios deuses e deusas subversores dessa vocação e desse imenso estímulo à (auto) castração que pode ser, usada sem verdadeiro critério, a "virtude"---deuses e deusas que, neste caso, são Madonna e (muito especialmente) Cicciollina, essa boa Cicciollina que, um dia, decidiu afrontar directamente o circo parlamentar de um país absolutamente único e luminoso, que já foi 'de' Dante e Miguel Ângelo ou Da Vinci (para já não falar dos meus admirados Pratolini, Calvino e Buzzati) e que hoje o destino decidiu punir impondo-lhe o supremo bufão que é Berlusconi...

Vem, pois, oh tábida bacante arrancar-me à garras impiedosas da ferocíssima demasiado honrada santidade!
Há purezas e inocências que corrompem!...


[Eloquente? Talvez mas também um tudo-nada nietzscheano, não?...]

sábado, 20 de junho de 2009

"Nação valente e imoral..."

Do "Público" de 10.02.09:

"Em menos de 24 horas, Marcelo Rebelo de Sousa reabriu o debate da sucessão da liderança do PSD, com críticas acutilantes a Manuela Ferreira Leite, para logo recuar afirmando que a presidente do partido é a "a pessoa certa no lugar certo".

É o que eu digo: ele há, em Portugal, gente tão lúcida e tão congruente que para cada situação não lhe basta UMA coerência, precisando invariavelmente de VÁRIAS...

É assim o Portugal de hoje! Entre o Marcelete e o Vasquinho que é como quem diz entre o "Cerebelo em Repouso" e o "Poluído da Mente"...

Só me dá para dizer como dizia o Solnado: "E a gente tem que se lavar «naquilo»!...

E tem: só há um Portugal e logo para tanta gente!...

[Imagem extraída com vénia de desciclo.pedia. com]

"Assim não!...


Do sempre fielmente execrável e pré-fascista "Correio da Manhã", retiro a notícia que abaixo transcrevo sem mais comentários.

Qualquer comentário que pudéssemos fazer seria, de resto, fatalmente, pelo simples facto de ser feito, demasiado lisongeiro para uma gente (?) e uma situação que nos transportam a todos como País, tão alegre quanto, afinal, triunfalmente, para essa saudosa "aurora paleolítica da Humanidade" pela qual, pelos vistos, três quartos da nação, ainda hoje, ansiosamente suspira--e não apenas, como por aqui facilmente se constata, no momento de votar...
A notícia reza assim:

"Um homem (?) de 67 anos foi detido por posse ilegal de armas (!!) pela GNR de Famalião.
Os militares foram chamados, ao que o CM apurou, porque o homem, caçador, batia na mulher com chicotes e armas de fogo que tinha em casa. Está em liberdade."

Estará mas agora tem um problema: sem armas de fogo nem chicote, como vai o pobre daqui em diante gozar não apenas a justíssima liberdade à qual foi, como seria, aliás, de esperar, imediatamente devolvido mas, sobretudo, as delícias de uma abençoada ventura conjugal tão animadamente vivida, sem um momento de monotonia, em harmónica comunhão de existências e ideais com a afortunada companheira de uma vida?...


Assim não, não é?
E depois querem que o País ande para a frente!...



[Imagem extraída com vénia de esoterika.com: o "nosso" homem é o segundo a contar da esquerda, à frente do senhor elegante de sobretudo de pele, seu irmão mais velho]

"Adquira já o seu Burlova"


Depois do Magalhães, o BURLOVA, o novo relógio portátil do Portugal sucático e pós-moderno! Fácil de levar para qualquer lado, trabalha com uma mão-cheia de palha, um decilitro de água benta, 250 de maçãs camoesas e um decilitro de feijão... fraude.

A inventiva nacional não pára!
O progresso (sempre no escrupuloso respeito pela defesa dos valores ecológicos!) acima de tudo!
Obrigado, Governo!

Vivó Bio-Portugal sempre na senda certa do Progresso!
"Merci", plano tecnológico, "thank you" Univ. Independente e seu melhor aluno, o Dr. Socas!!



[Curta pausa]



Hum... Pois...



[Imagem ilustrativa extraída com a adequada vénia de hypescience.com]

"Instante 'social'"

A imagem reproduz um instante do 'momento elegante do mês', por alguns, de resto, já descrito como a "circunstância eurovegetativa do século": o casamento do "petrónio lusitano", o ministro português dos negócios estrangeiros com o travesti franco-alemão de origem portuguesa Annemarie Traitée de Lisbonne que o grande diplomata conheceu durante um estágio na antiga Iugoslávia.

A foto foi obtida no exacto momento do "Sim" trocado entre ambos.

"Tiveram sorte, os c.b.ões!..."


A nossa imagem mostra o sábio Doutor Pedreira rindo ironicamente dos que chamam 'facilitista' ao Ministério da Educação.

E é o Dr. Pedreira, que é um democrata e um senhor!

Se fosse o deputado Martins mandava-os era logo todos para o c. que era o que eles estavam mesmo a pedir!...

C.b.ões!

Facilitista é a p. que os pariu!...

Nem merecem o pão que comem, os filhas da p.!...

Um homem para aqui a sacrificar tudo por eles, a querer só o bem deles e os sacanas de um c. a chamarem nomes!


Haviam mesmo era de dar com o Martins!...

"Delambidonas! 'Querias'!..."


Espantosa imagem da Autocracia "exibindo-se" na rua ao primeiro-ministro, tentando em vão desviá-lo da linha de progressismo intransigentemente modernizador e democrático que escolheu para o País!

Ele há cada badalhoca mais descarada!...

Mas desengana-te, filha, que esse é dos bons, dos democratas de carreira!

A esse não há autocracia que lhe entre!...


Delambida! Querias!...

"Um Escândalo! Mas já chegámos ao Montijo ou quê?"


E por falar em exibicionismo: revelamos agora uma curiosíssima imagem do Progresso Educativo do País "tentando" a sábia Ministra da chamada Educação, num instantâneo verdadeiramente único e notável da nossa reportagem que revela o momento exacto em que o atrevido malfeitor exibe perante a excelsa senhora as impertinentes, pingonas e deslavadas «jóias de família»!

Já uma senhora educada não pode sair sozinha à rua, ham?!

Ah! É bem verdade que os escândalos neste País não têm fim!...

"Ignorance is our thing! You ask for it, we have it..."


Este ainda está incrédulo com os disparates que por aí se vão se dizendo, na televisão e fora dela...

E mais não digo que não gosto nada do ar que se respira nos tribunais--que é, segundo o libérrimo e tolerantíssimo regime "sucático" vigente uma espécie de "habitat natural dos jornalistas" e dos que o não são (mas não gostam--sei lá!--que os "ports" entre nós sejam demasiado "free" e coisas assim, por exemplo...)
Malucos, numa palavra!...


[Na gravura: John Cleese, o grande cómico britânico, ex-Monty Python, tal como o 'apanhou', num curiosíssimo «instantâneo», o «desciclo.pedia.org», de onde a imagem acaba, com a devida vénia, agora mesmo, de ser 'roubada'!...]

"O «mar "A-G-N»..."


Era o Jô Soares que tinha um "sketch" famoso que terminava invariavelmente com a escandalizada (e sempre incrédula) exclamação: "A ignorância da juventude é um espanto, 'tendeu?!"

Volta-e-meia, recordo essa frase do conhecido cómico brasileiro--sobretudo, quanto leio legendas de filmes, leio os jornais ou oiço os locutores da «nossa» televisão.

Ainda ontem, por exemplo, a Teresa Dimas, da SIC, "descobriu" excitadíssima a existência de um terramoto na Grécia cujo epicentro se situaria, segundo ela, a não-sei-quantas milhas da costa helénica, em pleno mar... "A-Gê-Ene"!

Exacto!

Mar "A-Gê-Ene".

É caso, diria eu, para ter cuidado--especialmente se se sente bem na actual profissão e não está a considerar a hipótese de qualquer (des?) promoção, pelo menos para já: é que se um dos três "estarolas" do Ministério da Educação a 'apanha' a dizer "coisas" destas, fá-la imediatamente para aí secretária de Estado da Costura, digo, da Cultura ou coisa que o valha!...
Ou coisa... pior!

Mar... "A-Gê-Ene", oh, Teresinha??!!

Tem de estudar mais um (bom!) bocadinho (de preferência, noutra que não na 'Independente, ouviu?...') e fazer os trabalhos de casa com mais cuidado, ham?...

É que, em inglês (de onde ouviu muito apressadament, aliáse--isso é óbvio!--a notícia original) pode dizer-se (e diz-se!) "Aegean Sea" mas, caramba, a gente cá também tem língua, valha-me Deus e nela, nessa "nossa" língua, "Aegean" diz-se... "Egeu"!

Já há muito tempo, caramba! Andava eu ainda na escola (e olha que já foi há uns anitos, ham?...) e já assim se dizia...
Ah! Não sabia?...


[Imagem ilustrativa extraída com vénia de images.artnet.com]

quinta-feira, 18 de junho de 2009

"Já tenho candidato!..."

Legenda:

Já sei em quem vou votar nas eleições do Benfica. Naquele candidato 'aéreo' que é uma espécie de "side-kick" ou de "comedy relief" dos "notáveis".
É o único que parece ter assimilado a cultura do Benfica... "pós-moderno"!...

Ainda o treinador não começou a trabalhar e já ele o está a despedir!...

quarta-feira, 17 de junho de 2009

"Modernidade e Pós-modernidade" [em construção/T.I.P. text in progress]

Um tema sobre o qual me parece (e por mais de uma razão, aliás) cada vez mais importante que, como 'época social e histórica', reflictamos prende-se com a necessidade (para mim, evidente e imperiosa!) de precisar, com o rigor possível, o conceito cultu(r)al de 'Modernidade' e, muito em particular, com a de distinguir ulteriormente entre esta mesma 'Modernidade' e aquilo a que alguns chamam a 'Pós-modernidade' e que eu pessoalmente opto por classificar, recorrendo a uma expressão que se me afigura consideravelmente menos desgastada e, por isso, menos esvaziada de conteúdo específico, preferivelmente como "neo-" ou mesmo "meta-modernidade".
Sobre a primeira destas questões--a de saber o que possa em bom rigor entender-se por "Modernidade", eu diria que o conceito em causa não é, na minha visão pessoal da História e da Cultura ou das culturas que a habitam, teoricamente dissociável de um outro que eu próprio entendi para o efeito cunhar e que está, por sua vez, directamente ligado a um certo modo tópico a que eu chamaria--atribuindo ao termo um sentido muito específico e concreto, ainda que (como dizer?) não politicamente valorativo--'tradicional' de conceber as relações entre a História e ela própria assim como as que existem, não menos topicamente e na base até dessas, entre as pessoas e a própria História--algo que entendi, pois, na tal semântica pessoal que atrás refiro e à falta de melhor classificação, designar por "trickle-down societation" ou, no plural, "societations".
"Trickle-down societations" ou "societações verticais" (ou ainda, se o termo não parecesse demasiado enfático e excessivamente "pomposo": "verticais--descensionais", num português, repito, sem dúvida verbalmente muito... majestoso, reconheço, mas, ainda assim, possivelmente susceptível de descrever, com um mínimo de hipotética exactidão, o essencial do conteúdo da conceituação em causa).
É minha convicção, com efeito--esclarecendo ulteriormente o que entendo constituir a natureza específica do referido 'conteúdo'--que tradicionalmente foi, em geral, possível conceber a 'habitação' da História humana como obedecendo a uma espécie de amplo conhecimento ou de vasta (mas, de algum modo, também em si mesma finita) "ciencialidade" particular (e sob diversos aspectos, estável)---susceptível, por outro lado, de ser descensionalmente levada de geração em geração, numa cadeia globalmente, como digo, contínua e, de algum modo, até ininterrupta em cuja, mais ou menos pontual, consecução se concretizava e se re-afirmava, se re-consolidava, afinal, a identidade, individual e colectiva projectada, de forma sucessiva ou sucessional, na Cultura--e concretamente nas culturas individualmente consideradas.
Aquilo que, de algum modo, é possível admitir que melhor possa definir, por outro lado ainda, a essência última deste "trickle-down paradigm of historical inhabiting and re/producing", é a circunstância teórica de a talvez-maioria das representações cultu(r)ais existentes em geral nas sociedades possuir, um reconhecível fundamento epistemológico que não apenas as tornava genericamente assimiláveis de forma mais fácil como permitia ainda que essas mesmas representações se instalassem, de um modo geral, na consciência dos indivíduos como na das sociedades por eles formadas com a forma globalmente tranquilizadora de "necessidade".
Dando um exemplo: a "autoridade".
A autoridade tradicional possui claramente um fundamento reconhecível pelo conjunto das sociedades humanas.
Um fundamento indissociável da propriedade objectiva ou objectual do conhecimento, digamos assim.
Aqueles de entre nós, pais e professores, desde logo, que se lamentam da perda gradual do "valor funcional-autoridade" e que sonham vê-la restaurada (eu diria: espontaneamente) a partir do Direito ou da mera vontade política esquecem ou de todo não entendem que a autoridade nas sociedades tradicionais vinha gradualmente com a progressiva aquisição individual de "saber" ou de símbolos muito concretos e precisos desse saber.
Eu costumo dar, sempre que está em causa explicitar especificamente, o meu ponto de vista pessoal sobre este ponto, lembrar o paradigma genérico de relacionalidade entre pais e filhos, durante a ditadura.
A ideia (decalcada do modelo básico vigente nas sociedades ditas 'primitivas') é que "os velhos", "os anciãos" (em seguida, os pais, os professores) possuem autoridade natural porque, como disse, detêm a propriedade funcional efectiva do saber.
Naquelas sociedades 'primitivas', eles são, como se sabe, aliás, o único meio de assegurar a recolha ou "recolecção", fixação e retransmissão continuada do saber.
Ora, assim sendo (i.e. constituindo a referida propriedade do que Marx chamaria os "meios de produção social" de conhecimento a chave e o fundamento demonstrável e rconhecível da autoridade) torna-se óbvio que quem quiser ascender a esta---a qualquer forma ou modalidade igualmente reconhecível desta---deve, naturalmente, assegurar-se de que acede primeiro à propriedade efectiva daqueles mesmos meios de re/produção.
Toda a sociedade da ditadura integra e reproduz (eu diria: fielmente) este modelo genérico mas facilmente identificável e perceptível: da família (onde o acesso à autoridade passa por uma cadeia gradual de prerrogativas geralmente associadas ou à escolaridade, no caso de uma burguesia que pode prolongar as etapas da educação académica formal ou ao trabalho, no caso do proletariado urbano ou rural) à sociedade em geral, ao universo das profissões com todo um sistema ou teoria de "fases" e "diuturnidades" que vão reflectindo precisamente a asimimilação simbólica de autoridade e/ou poder.
O que resulta muito especificamente claro é, diria eu, que a autoridade enquanto valor cultu(r)al possui um código ou uma semântica próprios que a torna genericamente entendível, mesmo nos casos em que ela não se torna, apesar disso, acessível.