terça-feira, 26 de maio de 2009

"Estou Farto! Cansei-me! Dizem que não se muda de mulher nem de clube? Pois vão ver se, neste último caso, se muda ou não!..."

Começo por esclarecer que esta é, para já, definitivamente, a última vez que vou, aqui ou em qualquer outro lado, falar do Benfica.

Tenho, com efeito, intenção de, a partir de amanhã, como forma extrema de protesto e rejeição, associar-me formalmente à concorrência, farto como estou de pactuar com a mediocridade e a incompetência mais gritantes e escandalosas nas quais, sinceramente, recuso, a partir de agora e com carácter, como digo, irregressivelmente definitivo (o que basta, basta!) rever-me: mal por mal, deconforto por desconforto e estranheza por estranheza vou associar-me a quem seja pelo menos competente, garanta bons espectáculos e não venda ano a ano novas ilusões nesta Feira da Ladra dos Embustes, indigna e desprezível, em que um núcleo persistente de ineptos e novos ricos da gestão, em má hora alojados no seio do "meu" Clube, depois de algumas coisas de facto bem feitas e até globalmente promissoras, acabaram decididamente por transformá-lo.
Vejamos, emtão, os factos que estão na génese desta minha decisão, dificilmente tomada após mais de cinquenta anos (!) de acendrado e nunca negado, nunca vacilante, 'benfiquismo'.

De 'benfiquismo' noutro Benfica, entenda-se: num que decididamente acabou, substituído por esta versão caricata, cafona, ordinária, deploravelmente grotesca, pingona, rasca, triste e indigna.

a) No final da época passada, a S.A.D. do Sport Lisboa e Benfica despede um técnico (José António Camacho) que era manifestamente desajustado dos objectivos reais do Clube; que (e porque!) tinha métodos completamente ultrapassados e obsoletos (aliás perfeitamente conhecidos no seu país de origem, Espanha, onde se encontrava há muito desempregado) circunstância essa que se reflectia claramente nas soluçantes exibições da equipa de futebol por ele treinada e--pior ainda, tratando-se de uma equipa que disputava (e disputa!) competições profissionais ao (apesar de tudo...) mais alto nível--nos (medíocres e invariavelmente frustres) resultados por ela alcançados;

b) O técnico em causa (que era, ao que se disse na altura, "uma aposta pessoal do presidente da S.A.D." já havia, aliás, anteriormente e sem visível vantagem para o Clube desempenhado idênticas funções neste, tendo saído (no término, aliás, de um processo de indecisões e hesitações que lesaram gravemente os interesses do Benfica) logo que o clube espanhol Real Madrid formalizou a decisão pela qual o técnico evidentemente esperara aquele tempo todo em que esteve sempre... "meio-dentro-meio-fora" (e que era, evidentemente também, a única que lhe interessava e pela qual não se importou, de resto, de sacrificar os interesses do Clube que continuava a pagar-lhe pontualmente os vencimentos) de integrá-lo nos seus quadros como técnico principal da equipa de futebol;

c) Para o lugar do técnico em causa terá, então, sido indicado o nome do treinador sueco Sven-Goran Eriksson, ele próprio um anterior técnico de sucesso no Benfica, entretanto migrado para o futebol italiano e, depois, inglês.
Uma delegação do Sport Lisboa e Benfica, composta pelo presidente da S.A.D. e pelo Director Desportivo do Clube, Sr. Rui Costa, antigo jogador entretanto designado para o cargo, deslocou-se a Manchester (cidade do norte de Inglaterra onde o técnico sueco se encontrava, nessa altura, a treinar) e, depois de uma inabilíssima manobra de aproximação, facilmente detectada e tornada pública pela imprensa desportiva nacional, acabou por ver gorado o propósito de re-contratar o treinador sueco.

Ao que se disse na altura, este pretenderia ver os seus honorários a receber do Benfica complementados por umas indemnização por parte do clube inglês Manchester City que, por sua vez, se prepararia para despedi-lo devido à falta persistente de resultados desportivos.

Para tanto, era necessário que o clube em causa ignorasse o acordo firmado entre o técnico e o Benfica uma vez que, despedido Eriksson mas imediatamente a seguir contratado por outra instituição desportiva, deixava objetivamente de fazer qualquer sentido indemnizá-lo fosse do que fosse, recusando-se o clube inglês continuar indirectamente a pagar parte do salário do seu ex-treinador na forma de uma indemnização que, na prática, duplicava os honorários do técnico no seu novo clube.

d) Falhada, assim, a contratação de Sven-Goran Eriksson virou-se o Benfica (viraram-se os Srs. Luís Filipe Vieira, presidente da S.A.D. e Rui Costa, Director Desportivo) para um outro treinador, o português Carlos Queiroz.

Também neste caso (por razões que ignoro) o processo de abordagem se alongou desmedidamente tendo acabado por, também ele, terminar sem o resultado pretendido, pelos vistos, pela S.A.D. mas não pelo Sr. Queiroz que terá preferido ir treinar a selecção nacional da modalidade cargo que, ainda hoje (sem grandes motivos para festejos mas enfim...) lá vai ainda, bem ou mal, desempenhando.

e) Falhadas a seguir uma à outra as duas contratações (ambas, aliás, muito discutíveis em particular a do Sr. Queiroz, um técnico sem quaisquer provas positivas dadas a nível do futebol sénior; um técnico cujos únicos resultados positivos a este nível haviam sido conseguidos na condição de treinador adjunto do técnico escocês Alex Ferguson no Manchester United e que era abertamente contestado por uma parte da imprensa portuguesa da especialidade que nele não via o "mago" que outros, ainda assim, se obstinavam em continuar a pretender "ver" nele); falhadas, dizia, ambas as contratações, virou-se, então, a Direcção Desportiva do Sport Lisboa e Benfica para um treinador espanhol relativamente deconhecido (completamente desconhecido entre nós) e praticamente inexperiente, um tal Enrique Sánchez Flores, ex-jogador, bem-falante, comunicativo mas cujo único sucesso curricular efectivo consistia numa passagem "competitivamente engraçadinha" pelo secundaríssimo clube espanhol Getafe e um despedimento por insucesso desportivo no já maiorzinho Valência.

A aposta (diz-se que do Sr. Rui Costa, director Desportivo, em particular, supostamente grande conhecedor das alegadamente inúmeras qualidades, virtudes e méritos pessoais do treinador espanhol) até nem seria, em si mesma, é preciso honestamente reconhecê-lo, de todo má.

Clubes como o Benfica não podem, neste momento pelo menos, permitir-se contratar grandes nomes; nomes consagrados do futebol interncional (os Fergusons, os Mourinhos e por aí fora--aliás, no caso deste último, quando pôde tê-lo sob contrato, um génio gestionário qualquer, então ao serviço do Clube, entendeu deixá-lo pura e simplesmente "fugir" para a concorrência com os resultados que se conhecem e que só o senhor em causa era suficientemente obtuso para ser capaz de não prever...); mas, dizia, a aposta até nem era necessariamente má em si mesma.

Não podendo dotar-se, como disse, de um técnico consagrado e de grande nível mundial, a via teria de ser a da contratação de jovens treinadores com admissível futuro, desde que (e aqui é que "bate o ponto", como costuma dizer-se) houvesse da parte de quem contrata o esclarecimento, a lucidez e a experiência necessários para blindar os contratos a realizar com todo um clausulado muito preciso onde a questão salarial estivesse expressamente equacionada que é como quem diz: claramente enquadrada na dos resultados desportivos.

Ou seja: nenhum gestor minimamente apto para o cargo; nenhum administrador efectivamente dotado e competente, a menos que já tivesse anteriormente falhado tudo quanto havia 'para falhar' e se visse, subitamente, confrontado com a urgência desesperada de apresentar um resultado qualquer até porque a época futebolística estava à porta e pressionava ela mesma no sentido de que um "coelho" qualquer fosse tirado da "cartola" dos negociadores a fim de ser, neste caso, apresentado aos sócios e simpatizantes já inquietos e impacientes; nenhum gestor minimamente idóneo e capacitado para o cargo, dizia, se ia "espetar" com um funcionário completamente desconhecido, de méritos objectivamente duvidosos e portanto evidentemente à partida "estrategicamente questionáveis", pondo-lhe incondicionalmente nas mãos, no fundo, a direcção de todo o futebol profissional do Clube e ainda mais: colocando-se a si próprio e à instituição que diz servir, na situação de, caso o funcionário em causa falhasse (e as hipóteses de isso acontecer eram, pelo menos, tão consistentes e tão prováveis como o contrário) ter de ser aquela a "comprar-lhe de volta o Clube", obrigando-se, para tanto, a esportular três milhões e tal de euros para o ver, como diz o povo, no caso, "pelas costas".

f) Ora, sucede que o tal funcionário desconhecido, sempre bem-falante e verbalmente insinuante veio mesmo a revelar-se um fracasso total!

Das várias provas em que se viu envolvido com o melhor e o mais caro plantel profissional dos últimos anos só não viu falhar uma e apenas porque uma arbitragem de facto deplorável, inqualificável e catastrófica decidiu entregar-lhe de mão beijada a prova em causa, uma tal "Taça Carlsberg" ou coisa que o valha que foi, então, como disse, a única coisa que o Clube sob a liderança do funcionário em causa não perdeu este ano!

De resto, perdeu tudo: fez uma figura simplesmente indecente na prova europeia em que interveio (e interveio nessa porque falhou a outra, a tal "dos milhões"): ficou em último lugar nela enquanto um clube menor como o Braga fazia, na mesma prova, figura de grande equipa, chegando muito perto da respectiva final; chegou a andar à frente no Campeonato, lugar em que o funcionário em causa nunca tinha estado antes aliás (e apenas quando o crónico campeão vacilou) acabando mal equlibrado num mísero terceiro lugar que teve, de resto, de "suar as estopinhas" para conservar.

g) Perante isto, terá o Clube contactado (finalmente!) um BOM treinador, português, com provas dadas que se terá, por seu turno, disponibilizado para vir treinar o Clube na próxima época.

Preso, todavia, ao contrato firmado com o tal espanhol bem-falante e inepto que colocava nas mãos deste o poder de eternizar-se a seu bel prazer num cargo para o qual não tem, porém, é óbvio (já não lhe é necessário fazer mais o que quer que seja para demonstrá-lo) a mínima qualificação; sem meios financeiros para se movimentar à vontade na situação a si próprio criada pela incompetência negocial originalmente demonstrada, viu-se o Clube forçado a "engolir o sapo" de manter o espanhol no cargo, para o que "cozinhou", aliás, no "Canal Benfica", uma tosquíssima e indigna "campanha" com "mensagens" de rodapé a (imagine-se!) rogar ao técnico que ficasse (!!), mensagens essas que se faziam, afinal, eco e "pendant" de uma tarja empunhada sabe-deus-por-quem no Estádio, durante o jogo com o Belenenses e que eram, afinal... duas únicas, passadas e repassadas durante o jogo até (literalmente!) à náusea e ao vómito, a fim de criar a falácia e a ilusão de um "movimento", ainda por cima, se calhar... "espontâneo", pedindo--exigindo--a manutenção do tal fulano espanhol!

Quer dizer: não podendo; estando, em resultado de um estúpido acto de (péssima!) gestão, proibido de "despachar" de vez um funcionário incompetente, optou o Clube por fingir que o desejava (que remédio!...) até porque (era obviamente esse o propósito da patética "campanha" a que "tal canal" televisivo dirigido, aliás, por um sportinguista, se prestou) que a "nação benfiquista" o exigia e, por isso, era preciso denunciar o pré-acordo com o verdadeiro treinador (que não o era, diga-se de passagem, só para mim: o insuspeitíssimo Prof. Manuel Sérgio era outra das personalidades que subscreviam expressa e formalmente a sua contratação) mantendo à frente do futebol do Clube, pelo menos mais um ano, o funcionário incompetente.

Ou seja: passou-se da inépcia ao embuste, à burla, à manipulação (im!) puras e simples: um cretino qualquer, sabe Deus quem e porquê, afirma que "apenas quem quer prejudicar o Benfica" (!!) pretende afastar o funcionário incompetente e, de imediato, isso se torna política oficial do Clube que, desse modo, enceta, de pronto, uma fuga para a frente de resultados não muito difíceis, aliás, de prever: se o funcionário incapaz teve artes de estragar uma época inteira com decisões tácticas absolutamente obtusas, estúpidas, contumazmente imbecis e naturalmente falhadas (um defesa-esquerdo a época inteira no banco; um central a... defesa-esquerdo; um médio-centro à direita; um médio interior central à... esquerda; defesas-centrais de estica-e-encolhe-entra-e-sai; um ponta-de-lança de grandes qualidades, saberá-deus-porquê, grande parte da época no banco, enfim, um verdadeiro caos técnico e táctico levado à cena, cega e teimosamente, domingo após domingo) sob a sua prosapiosa e falsamente modesta égide; decisões... "técnicas" e "tácticas" geniais que, provavelmente, nem ele sabe explicar por que razão (ou falta dela) as tomou; contratações estúpidas ainda por cima caríssimas como, por quatro milhões de euros, a de um tal "Qualquer-Coisa" Balboa que é um autêntico "case study" da incompetência, quer própria (o homem é um cepo incrível que nem na terceira divisão do Malawi ou do Zimbabué tinha lugar assegurado) quer de quem o contratou; rios de dinheiro deitados à rua em resultado de decisões como estas, ia dizendo, apenas podem deixar adivinhar uma nova época de... "triunfos" e, como dizia alguém com inegável espírito crítico e piada, "grandes exibições nas conferências de imprensa" após as derrotas por parte de um fulano a quem (só aquele tipo de adolescente na "idade do armário", leitora devotada da "Caras" ou da "Maria" e, como dizia a canção, "com mais buço que p." pode ainda acreditar no contrário...) para além de falar e pavonear-se ufano nas revistas cor-de-rosa e nos "flash interviews" após os falhanços, poucos ou nenhuns méritos efectivos se conhecem...
Pois, por tudo isto, bato com a porta e amanhã mesmo, como disse, farto de cretinadas e aldrabices, "faço as malas clubistas" e ala-que-se-faz-tarde!
Como dizia um título de romance antigo: "longe é para lá do oceano"!
No caso, é para lá de... um rio ou dois...
Enquanto "estes" lá estiverem, ah! Isso, com certeza!...

segunda-feira, 25 de maio de 2009

"Deixei, desde hoje, de ser "do" Benfica. Definitivamente?

Acabo de saber que 'Quique' Flores permanece, afinal, como... "técnico" do Benfica.

Como a estupidez e a incompetência têm limites e um desses limites é claramente a minha paciência, 'demito-me' de imediato de adepto do clube (com letra minúscula, desde o anúncio da decisão em causa) deliberando cortar, também de imediato e de modo, ao que tudo indica, irreversível e definitivo, a partir do anúncio da referida comunicação, todo e qualquer laço institucional e afectivo presente ou futuro com ele.

Não sei se, alguma vez, poderei mudar de ideias: sei que, neste preciso momento, a minha decisão tem a força da mais absoluta finalidade e da mais determinada irreversibilidade.


[Imagem ilustrativa extraída de insearchofstupidity.com]

"Outbreak"/"Fora de Controlo", filme de Wolfgang Peterson

Por mero acaso, "zappeando" como de costume... "por aí", fui ter ao Canal Hollywood onde estava, no preciso instante em que por lá passei, a iniciar-se a exibição do filme "Outbreak"/"Fora de Controlo", de Wolfgang Peterson que preencheu, a partir desse momento, o meu serão televisivo de anteontem.
O filme é, diria eu, para utilizar um lugar-comum muito útil, um típico "produto industrial" norte-americano fazendo concretamente parte de uma espécie ou categoria de filme cada vez mais estabilizada e mesmo cada vez mais tipificada (devido, essencialmente, à multiplicação contínua, em condições de praticamente invariável mera replicação industrial, de um temário básico essencial sobre o qual mudam apenas circunstancialmente os rostos e o exterior imediato das próprias circunstâncias); categoria essa cujo propósito fundamental é, devo acrescentar, supostamente a crítica de um conjunto de aspectos particulares do "American way", designadamente, no caso vertente específico, do famosíssimo ou do famigerado "complexo militar-industrial" ao qual se deve, como é sabido, desde há muitas décadas, tanta desgraça (tanta miséria, tanta desigualdade, tanta repressão e opressão) globais mas sobre o qual se repetem, afinal, apenas, neste tipo ou nesta tipologia de filme em este "Outbreak" se integra, em última análise, meras vulgaridades a que a própria repetição automática, mecânica, retirou já qualquer verificável eficácia real.

Nem de outro modo seria, aliás, possível que tantas coisas, em si mesmas de uma inaudita gravidade, fossem ditas num espectáculo literalmente "para todos", levado a cabo dentro mas, de igual modo, fora dos Estados Unidos e ainda por cima levado às pessoas por uma máquina industrial à qual se ligam, em última instância, afinal, tantos interesses com óbvias e conhecidas afinidades com os que alimentam o (e se alimentam, na realidade, de um modo ou de outro, da) acção do tal "complexo" imediatamente atrás recordado...

Aqui, é um vírus cultivado secretamente pelos militares norte-americanos cuja acção, imprevistamente libertada em África, no então Zaire, desencadeia uma horrorosa pandemia que, numa primeira fase pelo menos, literalmente ninguém sabe exactamente como (e alguns não querem...) deter ou, no mínimo, circunscrever e conter.

Ora, bastará ouvir reproduzir este (chamemos-lhe) "núcleo témico" básico do filme para se perceber, imediatamente, as evidentes analogias de fundo que ele evidencia com "coisas" famosíssimas e ultra-populares envolvendo autênticos "blockbusters" cinematográficos como "Jaws" e/ou, sobretudo, "Jurassic Park" de Spielberg (de algum modo, o "pai" e inspirador deste tipo de "coisa fílmica" específica) razão pela qual este último, em particular, me veio, de imediato, irresistivelmente ao espírito após o visionamento das sequências iniciais de "Outbreak".

Onde, no filme de Spielberg, com efeito, havia um conselho de administração cúpido, ganancioso e irresponsável (em "Jaws" eram as autoridades locais com interesses directos na indústria do turismo) que desencadeava a invasão dos dinossauros e a quase regressão do quadro real da própria evolução biológica natural a paradigmas literalmente... jurássicos e, depois, por cobardia e para proteger o investimento realizado no parque que dá o título ao filme, se atrasa criminosamente na acção correctora do seu erro/falta original; onde, dizia, existia isso, no filme de Spielberg, há aqui o próprio exército (ou uma qualquer exclusivíssima "comissão secreta" dentro dele) que cultiva, por imperativos de ordem militar particularmente pouco ética e, especificamente, pouco humanista, o vírus--sendo que o resto do filme segue, em termos de tema, praticamente ao pormenor o antecessor ou antecessores aqui citados, entre inúmeros outros cujos títulos poderiam, de igual modo, ser citados a propósito...

O filme joga ainda (é outro aspecto--eu quase diria: involuntariamente...--interessante pela tipicidade de que, na realidade, se reveste) com terrores e fantasmas em maior ou menor escala (geralmente em... maior mas enfim!...) estavelmente implantados no subconsciente colectivo da sociedade norte-americana: nele baila, com efeito, a meu ver (e não só meu, aliás!...) a ideia/terror de saber como seria se, depois de levar a guerra a tantos pontos e lugares do globo, os norte-americanos pudessem, um dia, vê-la instalada, com a ferocidade de que ela tantas vezes se revestiu nesses pontos e lugares externos, fosse declarada na sua própria terra conduzida por esses mesmos que, em nome do povo norte-americano, a levam a todo o mundo da Somália ao Vietname, do Chile ao Iraque e ao Afeganistão.

Ora, também isto já "vimos" em "ene" filmes antes de "Outbreak" e nem é preciso chegar às wellesianas mas muito recentes "Guerras dos Mundos" cinematográficas ou (claro!) a determinados episódios do mega-clássico televisivo "Twilight Zone" no qual, sobretudo, na primeira série ainda a preto-e-branco, os terrores da guerra fria nuclear eram óbvios e, em alguns casos, gritantes senão mesmo evidentemente já para-neuróticos.
Não é, como digo, necessário remontar a qualquer dos casos referidos: basta pensar, por exemplo, em algumas sequências de "Village Of The Damned" de Carpenter (1995), por exemplo...

Outro aspecto ainda (este ligado a "coisas" como "Aracnophobia" de Frank Marshall, uma espécie de "western simbológico" disfarçado de filme "de calamidade/terror" ou a "Poltergeist" de Tobe Hooper, directamente respeito à questão da "culpa civilizacional" associada, sobretudo, ao genocídio índio e ao terror de imaginar ver os povos vítimas desse mesmo genocídio reerguerem-se para o vingarem nos próprios genocidas e que é obviamente um motivo ficcional onde não será difícil ver uma variante do anterior.

É esse, na realidade, o tema de "Poltergeist" (um filme simpático a que pessoalmente até acho, confesso, uma certa... 'graça') e, de algum modo não muito dificilmente demonstrável, aliás, também o de "Aracnophobia" onde as vítimas são agora os povos da América Latina sobre os quais, de igual modo, se fizeram tão continuada como, por vezes, drasticamente, como é sabido, sentir os efeitos do expansionismo comercial ianque que, no plano interno, havia já conduzido, na prática, ao quasi-extermínio das diversas nações índias de norte a sul do "seu" próprio território.

Em "Outbreak", o tema, de algum modo, "actualiza-se" e transfere-se agora para uma África que o "Ocidente" conserva como grande depósito global de matérias-primas essenciais ao seu próprio modelo de "desenvolvimento" para o que tem, como se sabe, constituído elemento absolutamente capital a conservação dos países produtores das mesmas, por evidentes imperativos de concorrencialidade ou, melhor dizendo, de bloqueio desta última, num estado de atraso industrial, por definição, essencial e crónico.

Então, é de África que vem agora a retaliação ou "vingança simbológica" na forma de um vírus que, após ter sido inadvertidamente 'exportado', é involuntaria mas devastadoramente reimportado, em seguida retornando na forma de uma arrasadora catástrofe sobre quem, originalmentre, o criou e exportou...

Para terminar, diria (é, também, uma velha tese minha) é inegável o interesse potencial--o interesse, sobretudo documental e antropológico/político--deste tipo de filme onde a sociedade norte-americana é, pois, posta, com a subtileza e o cuidado necessários, perante um aspecto verdadeiramente nuclear e essencial da sua identidade antropológica e cultu(r)al, digamos assim--aspecto sobre o qual discorre, como se sabe, com a sua característica perspicácia, Simone de Beauvoir no clássico "L' Amérique au Jour le Jour": a culpa.
A culpa individual mas, sobretudo, colectiva da qual a América tem, manifestamente, grande dificuldade em libertar-se--sendo que a sua ficção pop está, obviamente, marcada (e de que maneira!) por ela.

O problema é, volto a dizer, a repetição exaustiva de um temário que, de tantas vezes repetido, deixa objectivamente de operar como denúncia, passando no limite à condição intelectual e politicamente inofensiva de mero "suporte témico" intrumental do "caso de vida" ou "história de amor, renúncia e heroísmo" que constitui, afinal, a verdadeira chave do interesse comercial do "produto industrial" que é o filme--ou que são os filmes do "ciclo" ou "família" témicos aqui representados...

"Le Chancellor" de Jules Verne

As leituras conduzidas (com a mais deliciosamente aleatória--e deliberadamente caótica!--das autonomias e das liberdades) ao sabor destes longamente aguardados tempos de reforma levaram-me desta vez, de forma, aliás, muito pouco provável e até escassamente previsível a Júlio Verne.

A um Júlio Verne francamente pouco conhecido e 'menor', em todo o caso--o Verne de uma "coisa" para mim até hoje completamente desconhecida intitulada "Le Chancellor".

Ora, a obra em causa é, como disse, claramente "um Verne" 'menor'.

É também "um Verne" sem argumento, sem propriamente aquilo a que, no Cinema, se designa por um 'script ': é, na realidade, uma longa crónica diarística de um naufrágio e a obra arrasta-se, desigual e sempre, na realidade, completamente incapaz de consolidar-se e definir-se como ficção, com personagens que, de todo, não se destacam, não se individualizam, não "vivem", "entrando" e "saindo" da narrativa ao sabor das circunstâncias, imaginando talvez o autor que, tendo optado por recorrer ao (aliás, em si mersmo, legitimíssimo) expediente de contar a "estória" em forma de "Diário", estaria dispensado do imperativo de ter de conferir estrutura efectivamente orgânica ao seu conto.

Se foi esse o caso, é preciso dizer que o intento não se concretizou.

De todo.

"Le Chancellor" é, na realidade, uma claramente deficitária e, no fundo, desajeitada para-ficção em que nada efectivamente acontece ainda quando... "tudo" acontece; em que não há verdadeiras 'pessoas ficcionais' e que--pior ainda!--coisa alguma, na realidade, em última instância, justifica como livro.

Eu diria, enquanto leitor, que é uma excelente ideia (ou um conjunto de excelentes possíveis mensagens e ideias: o tópico do canibalismo, no fim, é aterradoramente actual e/porque fortemente simbológico) a que falta, contudo, de forma gritante, uma "estória", isto é, um suporte ficcional específico (lá está!) orgânico que, como disse, a legitime realmente em termos narrativos, digamos assim.

Tratar-se-á, assim, de uma obra sem interesse, cvompletamente inútil?
Não iria ao ponto de afirmá-lo. A obra tem, para mais tratando-se de Verne, um autor consagrado (embora excessivamente "tipificado" e conotado: "é" um autor de livros "para a juventude"...), diversos aspectos interessantes, relevantes mesmo a mais de um título, ainda mesmo quando não é, realmente, possível dizer que se trate de um grande momento de literatura e/ou ficcção--o que pode não ser, aliás, diga-se de passagem, exactamente a mesma coisa...
O interesse da obra reside, a meu ver, sobretudo, em dois pontos:

-primeiro, desde logo tendo em vista os inúmeros amantes e admiradores da obra de Verne, na possibilidade de conhecê-lo melhor através de uma das suas obras secundárias por meio das quais é possível a esse olhar em maior ou menor escala, exegético perspectivar e enquadrar mais completa e mais adequadamente o objecto da respectiva admiração.

De certo modo, com efeito, é possível observar a "opus" de Verne (ou, em tese, a de qualquer outro autor seja de que literatura ou tempo for) "in the making" fazendo o olhar crítico e analítico que sobre ela(s) intentemos lançar, incidir sobre a própria "carpintaria textual" aqui imperfeitamente recoberta pelos necessários "acabamentos textuais", ou seja, fazendo esse mesmo 'olhar crítico e analítico' incidir sobre aquelas circunstâncias narrativas ou narracionais sobre as quais o "dedo composicional" do Autor não pôde, não conseguiu (ou, em alternativa, não terá querido) por uma razão ou por outra, actuar do mesmo modo eficaz e definitivo pelo qual interveio nas obras mais conhecidas: naquelas, digamos assm, referenciais.

Esse, pois, um universo no seio da qual a obra tem tudo para revelar-se relevante: o dos "vernistas" e dos críticos ou historiadores--dos exegetas--"vernianos" mas também literários, em geral.

-um outro constituído pelos antropólogos, sociólogos e historiadores (mas não necessariamente apenas dos da literatura: dos historiadores 'tout court') que aqui acharão seguramente matéria(s) de particular interesse.

Cito algumas:

a) É sabido que verno foi, em mais de um sentido, foi um precursor senão mesmo uma espécie de "áugure" ou mesmo, para alguns, de 'profeta'.

É costume afirmar que o foi de algumas invenções e descobertas mais ou menos científicas e/ou industriais hoje comuns.

Ora, eu penso (e o livro, de algum modo--a meu ver, pelo menos--confirma-o) que, se o foi especificamente disso, ele o foi também de um certo desconforto e de uma certa inquietação epistemológica e especificamente humanista subliminar que eu diria que correu, de algum modo, paralelamnte ao próprio positivismo de expressão materialista e especificamente tecnocrata ou potencialmente tecnocrata cuja glorificação não é menos comum associar, com razão ou sem ela, ao seu nome.

Há, designadamente na última obra sua conhecida, a visão, de algum modo, premonitória e até alegórica ou alegorizadora de um mundo em regressão até ao caos original, na forma da dissolução material do próprio planeta numa imensa massa líquida que tudo (cidades, países, continentes, espécies animais, humanidade) cobre--e anula.

Isto é, a intuição consciente ou inconsciente (e, acrescentaria eu: cada vez mais clara à medida que a idade e a observação de Verne vão aumentando) de uma espécie de círculo completo traçado no curso da própria História humana a qual, após ter sido por si própria conduzida a um pico de sucessos e triunfos materiais (lá está: científicos, tecnológicos, etc.) parece apostada (ou condenada?) a trazer-se a si mesma de volta ao início de "tudo"--ao nada, no caso sa citada derradeira obfra conhecida de Verne--ideia que fica, aliás, muito claramente induzida neste "Le Chancellor", designadamente nas sequências finais em que Verne faz uma descrição verdadeiramente arrepiante da humanidade deixada entregue a si própria e aos seus instintos mais elementares e primários.

b) A ideia de que a um progresso técnico e científico global pode não corresponder necessária e automaticamente um igual (ou equivalente) progresso de natureza realmente civilizacional e especificamente humana, humanista.

Esta ideia ou este motivo não serão, como se sabe, propriamente em si mesmos algo de efectivamente novo na História da Cultura e das Representações Cultu(r)ais Humanas.

De facto, ela prende-se com um outro anterior motivo cultu(r)al ou (como costumo dizer:) "filo-bio-representema" e/ou "filo-bio-cognema" humano ligado, por sua vez, directamente à ideia primitiva de "tabu"--uma das mais primitivas formas de "conhecimento" e reorganização crítica da realidade que, como é sabido, se... conhecem.

Do tema ou motivo bíblico da expulsão do paraíso (ou da mulher de Lot ou de tantos outros lugares selectos do temário ou mitário bíblico) a Mary Shelley e ao seu ultra-famoso "Frankenstein" são sempre versões num certo sentido "concêntricas" ou "mutações" de um mesmo "bio-filo-cognema" básico que, a meu ver, continuamente se recria a si mesmo indo, por exemplo, desembocar directamente no "representema" antropológico clássico do "aprendiz de feiticeiro", por sua vez, claramente ecoado naquela "impressão" subtil que da obra de Verne, neste caso, em tese, se desprende e que já atrás citei: a que diz (ou insinua--e neste caso com uma ferocidade inaudita...) como já atrás avancei, que muita técnica--muito progresso material e tecnológico--e autêntico Progresso civilizacional em termos globais não têm obrigatoriamente de coincidir entre si, sendo mesmo que o desencontro objectivo de ambos pode até, no limite, conduzir a uma regressão radical da Humanidade, recolocando-a no exacto ponto em que a evolução filogénica e biológica se encontrava quando o Homem emergiu finalmente de entre as restantes espécies animais.

c) A ideia, complementar da anterior, de que, por muito que se avance cientificamente, é essencial não negar, no limite, o papel não-racionalmente "significador" global de Deus conferindo ao universo uma "ordem" meta-física final que a Ciência não explica (que ela não tem propriamente de explicar) ou sequer obrigatoriamente de entender.

É este, diria eu, o papel, em maior ou menor escala "simbólico" ou "simbológico" preciso, das personagens dos Letourneur, pai e filho, assim como de Miss Herbey, uma espécie de (e não o digo de forma completamente "inocente" nem gratuita, entenda-se...) Pai, Filho e... Espírito Santo no contexto simbológico latente possível da "estória"...
Qualquer uma destas ideias é obviamente algo de, ainda hoje, no essencial, actual e moderníssimo--hoje que o positivismo oitocentista deixou marcas poderosíssimas na própria configuração global de um mundo onde a espiritualidade e, especificamente, os valores de puro humanismo estão longe de constituir referências ou "âncoras cosmovisionais" básicas ou, seja de que modo for, efectivamente centrais e, ainda muito menos, essenciais, ao próprio paradigma ou paradigmas primários de "progresso" e/ou "desenvolvimento".

Comprovando a actualidade desta visão subliminar do livro de Verne, este pode dizer-se que, curiosamente, antecipa muito claramente "coisas ficcionais" cuja actualidade ninguém poderá questionar como, para não irmos mais longe o clássico "Deliverance" do cineasta norte-americano John Boorman cuja "mensagem" final está tão próxima daquela que entendo ser, no limite, a do próprio Verne que é, no mínimo, extremamente difícil não pensar imediatamente num no momento de pensarmos e enquadramos temática e historicamente o outro.

Para terminar: mau grado as óbvias fragilidades intrínsecas, designadamente ficcionais, de "Le Chancellor" (fragilidades envolvendo, desde logo, também já o disse, a--imperfeitíssima--construção/articulação das personagens; a--rígida e repetitiva--estruturação do edifício narrativo e especificamente textual, também) a indisputável modernidade da Obra de Verne pode, afinal, ser algo de teticamente mais rico e complexo do que a mera antecipação de alguns dos "gadgets" por meio do recurso acrítico intensivo (de facto, num certo sentido, exclusivo e até obsessivo) dos quais se passou, em termos civilizacionais globais, do ideal ou ideais "gnoseotópicos" oitocentistas lighados à ideia do triunfo final da Ciência como fundamento da príopria vida social e política dos povos ao mundo aterrador completamente descarnado e desumanizado de "1984" de Orwell e do "Brave New World" de Huxley...

""Habla Con Ella" de Pedro Almodóvar, algumas notas de visionamento"

Aproveitando o ensejo oferecido pelo jornal "Expresso" que, como se sabe, em articulação com a revista semanal "Visão", decidiu recentemente distribuir com a sua edição regular dos sábados um pequeno acervo de versões-DVD de películas do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, pude ver (ou, em alguns casos, rever) um razoável núcleo destas, algumas das quais, confesso, desconhecia por completo.
Por estranho que possa parecer tratando-se de um dos grandes sucessos do realizador de "Kika" (até ao presente, claramente a minha preferida...) encontra-se neste caso o oscarizado "Habla Con Ella" de 1999.

Ver ("visionar", como decididamente prefiro dizer) o filme permitiu-me, devo desde já dizer, confirmar a veracidade pontual de um velho aforismo popular que se refere a determinadas coisas ou até mesmo pessoas (que até um dado momento das nossas vidas, ignorámos ou simplesmente, por uma razão ou por outra, desconhecemos) dizendo do facto que não sabíamos verdadeiramente o que estávamos com isso a perder...

Com efeito, o filme é, é preciso desde já dizê-lo, um objecto absolutamente único e fascinante perante o qual, diria, é muito difícil--senão mesmo materialmente impossível--permanecer, em última instância, indiferente.

É, desde logo, um daqueles "objectos narrativos" e/ou, de um modo mais lato, "estéticos" insólitos (não especificamente cinematográficos, aliás) e completamente inclassificáveis cuja relação com quem deles se acerca para frui-los possui a rara (e num certo sentido: ideal) característica de situar-se sempre num plano crítico, de um modo ou de outro, colocado para além do domínio da pura e limitada Estética.

Ou seja: trata-se de "objectos" dos quais é (volto a dizer: sempre!) necessário dizer mais alguma coisa para além do normal apuramento ('normal', obviamente tratando-se de obras ditas 'de Arte') do respectivo conteúdo específico em "beleza" ou até, no limite, em "perfeição".

É, diria eu, uma espécie de muito lata "categoria" mais ou menos 'existencial' ou 'de episteme' onde se incluem "coisas" como o que de mais pessoal e característicamente "baconiano" nos chegou saído dos pincéis de Francis Bacon (ou, noutro exemplo, de Paula Rêgo); o que de mais retintamente "gaudiano" saíu da mão de Gaudì ou até (por que não?) o que de mais especificamente "profoffiefiano" saíu da de Prokofieff e de "scönberguiano" da de Schönberg, para citar apenas alguns "casos" e exemplos.

Alguns "casos" exemplares.

Obra sempre tendencialmente sanguínea e labirinticamente seminal--sempre latentemente escatológica e visceral...--"Habla Con Ella" resulta ser, no limite, um "cross" verdadeiramente fascinante e pessoal, entre a "estória" «de fantasmas», a alegoria abstracta (o "conto moral" ou "com uma moral") e a narrativa infantil ideal, isto é, aquela em que se encontra tessitariamente plasmada essa característica perfeita e única das crianças que consiste em serem elas completamente cegas perante as implicações, categórica e categorialmente, "morais" dos adultos e, em geral, das pessoas que, adultas ou não, perderam já, de um modo ou de outro, a inocência original com que possivelmente cada um de nós chega a este mundo...

"Estória" de fantasmas porque, no filme, ironicamente apenas se fala (e até se namora!) com fantasmas, com espectros ou mortos.

Que o mesmo é dizer: no filme, apenas com os mortos a comunicação e o Amor são possíveis...

Dito de outro modo, ainda: vivemos num tempo em que apenas os mortos e os espectros nos ouvem ou em que apenas nos chegam, quer aos sentidos, quer, noutro plano mais íntimo e pessoal, aos próprios sentimentos como tal, as vozes silenciosas e únicas, impossíveis, irreais, dos mortos e dos fantasmas.

...O que nos coloca, diria eu, directamente no âmbito da segunda componente ou ângulo do "cross" atrás citado: o da alegoria moral "abstracta".

Grafo "abstracta" com aspas exactamente porque, graças ao seu modo muito pessoal ou muito... "almodovariano" de encenar a... "tese" em causa", Almodóvar consegue sempre contornar com evidente sucesso, com brilho e uma discreta, notável "inteligência narrativa", o perigo da contaminação do filme pela retórica e pelo indesejável didacticismo ou simplismo--senão mesmo aberto moralismo--em que não seria, em última análise, muito difícil que outro cineasta ou outro narrador, em geral, menos hábil e esclarecido, caísse.

As personagens que o cineasta espenhol constrói para dar corpo e rostos à sua "estória" (que é, de facto, em sentido literal sua: para além da realização também o argumento de "Habla Con Ella" é do próprio Almodóvar) a começar pela soberba 'persona' de ficção que é o enfermeiro Benigno (repare-se na ironia do próprio nome muito subtil e muito inteligentemente potenciador de um certo muito disscreto mas também muito "almodovariano" burlesco atrás do qual o realizador esconde, aliás com admirável contenção e/ou discrição, a defesa da ideia bíblica básica de que "o reino dos Céus pertence sempre, em última análise, aos pobres de espírito", na corte dos quais o simpático e indefeso, marginal, Benigno obviamente tem lugar garantido...); as personagens, dizia, que Almodóvar constrói para fornecerem à "estória" rosto e corpo, exactamente porque são seres humanos e não mais ou menos minuciosas "ilustrações" ou tipos permitem-lhe que a enunciação da tal "moral" bíblica final nunca chegue até nós envolta, por outro lado, nas roupagens sempre indesejáveis e sempre narracionalmente importunas e impertinentes (porque menorizadoras, quer da desejável humanidade ideal intrínseca das figuras ficcionais, quer sobretudo da nossa própria humanidade-- e até da nossa inteligência!--de espectadores) do óbvio e do ostensivo.

Benigno não é um ser perfeito (longe disso!): é sim uma criança grande ("subnormal", lhe chama, a dado passo, o que parece ser o director clínico ou o gestor-chefe do hospital...); um ser puro (e, nesse sentido, naturalmente a-social senão mesmo claramente anti-social: um verdadeiro "marginal", um pequeno e discreto 'Charlot andaluz' (curiosamente, uma das filhas deste, Geraldine, figura no elenco do filme...) perdido num mundo completamente àparte do da maioria e/ou da "ordem", fora do qual, aliás, a completa, "perfeita", inocência de que ele é portdor e "exemplo", se confunde perigosamente com crime e baixeza, puros e... "simples").

E é precisamente porque Benigno não é perfeito que o "risco de moralismo" potencialmente contido na 'defesa ficcional' da tal ideia de que apenas os pobres encontrarão um lugar verdadeiramente seu no reino dos céus não consegue entrar no filme.

Mais: a inteligência narrativa de Almodóvar vai ao ponto de introduzir, sim, mas a fortíssima sugestão de uma inteligentemente "encriptada" problematicidade final na formulação dos nossos juízos morais ao relacionar muito subtil mas, de modo algum, gratuitamente a 'violação' de Alícia por Benigno com o despertar físico final--ou seja: com a cura--desta...

Uma variante subtilíssima do velho aforismo anglo-saxónico de que "out of the mouth of babies does the truth produce itself" ou coisa que o valha...

Por fim, vale a pena referir aquilo que Unamuno chamaria o [inteligente!] "casticismo" do filme.

Um "casticismo" onde irrompe, por vezes, irreprimivelmente um certo "kitsch camp" (lá está!) retintamente "almodovariano" mas que ecoa também, para além de uma pós-modernicidade muito fácil de voluntária ou involuntarianente nos chegar a todos... "por via aérea") a "revisitação crítica" (e, todavia, também ela objecto de mais ou menos reconhecível "ambiguicização" de "um certo" cinema espanhol muito anos '50, isto é, muito "Sara Montiel", muito "Paquita Rico" ou muito "Carmen Sevilla" (lembram-se, por exemplo, de "La Mala Educación" do mesmo Almodóvar?...) onde estarão, de resto, muitas das raízes vivenciais e cultu(r)ais, num sentido e noutro: identitárias, do realizador...

Há sem dúvida uma certa tendência persistente quase compulsiva (e, a meu ver, não totalmente bem integrada no todo) no filme que o empurra talvez em excesso para o melodrama (a "estória" de Lydia é, a meu ver, um dos pontos mais contestáveis do filme pelo modo como o abre e até dado passo, conduz mas como, também depois acaba por 'cair' e se perder um pouco no fim, ficando a constituir uma espécie de incidente quase autonoma ou, noutro sentido, paralelamente melodramatizador no contexto global do filme); há, dizia, então esta "tendência" que, em tese, beneficiaria, pois, de um certo "abaixamento" relativo (de ângulo, de personagens) de modo a "encaixá-la" mais harmoniosa e, com certeza, mais organicamente no «objecto» final e global que é o próprio filme.

Resumindo: em "Habla Con Ella" temos todos uma proposta autenticamente única de Cinema de um homem que é também um magnífico e imaginativo escritor e construtor de personagens e situações ("Patty Diphusa", por exemplo, do mesmíssimo Almodóvar, é uma obra particularmente interessante que vale a pena ler pelos méritos intrínsecos de criatividade e domínio da matéria verbal que evidencia!) onde, desde logo e por exemplo, o esteticismo característico de um determinado cinema "de autor" (português, seguramente!) não é decididamente a resposta (em Portugal, com efeito, para o bem e para o mal, o esteticismo constitui, como se sabe, uma saída mais ou menos natural e característica para o problema da inexistência generalizada de capitais e, de uma forma mais geral, de uma "industrialidade" sólida e organizada) mas onde também a frieza e o mecanicismo sempre, de um modo ou de outro, topicamente "industriais" o não são--dela, proposta--podendo dizer-se, para terminar como começámos, que aquilo que a define reside, em última instãncia, de forma paradoxal (ou talvez não...) no facto de ser tão pessoal e inclassificável quanto, no limite (felizmente!) indefinível...

domingo, 24 de maio de 2009

"O Adeus a um Gentleman"

Sou "do" Benfica.

Já aqui o disse várias vezes, desse modo, marcando (ou tentando, pelo menos, marcar) um determinado posicionamento pessoal, muito preciso, muito deliberado e também muito longamente reflectido de quasi-militância contra a pedanteria e o supremacismo vácuo, o sobismo delambido de alguns "intelectuais" "de cá da quinta" para quem só se pode ser (publicamente, pelo menos...) "de" um clube (em particular se for 'de futebol' ou 'sobretudo de futebol') em "casos" muuuuito especiais e (como dizer?) devidamente "autorizados" e, claro, apenas após se ter recebido o aval de algum 'pensador' mais ou menos oficialmente encartado ou de outro 'intelectual' perfeitamente estabelecido e institutucional, portador, por exemplo, de idêntica "fraqueza" ou, se assim se preferir dizer: do poder reconhecido de decretar isenções e "bulas"...

Não "bolas", bulas!

É evidente que eu não "do" Benfica apenas para "chatear" os presumidos e os snobs: sou-o, desde logo, "porque sou, pronto!" e sou-o, depois, já mais a sério (ou já completamente a sério) porque entendo que as pulsões irracionais que nos habitam e até que, de algum modo, nos caracterizam e, em última instância, nos definem como indivíduos apenas podem ser objecto de são e higiénico--de educado e essencial--processo de sociabilização se eclarecidamente sublimadas e reduzidas educadamente a código ou ritual--a um código e/ou um ritual "negociáveis" no plano de um diálogo civilizado, responsável e socialmente digno a manter, por sua vez, no contexto mais amplo, mais lato de uma atitude cultu(r)al orgânica, global e integrante onde cabem de algum modo (de algum modo nobre) in-discriminada ou in-discriminatoriamente (e vou dizer isto sem hesitar e sem, seja-como-for, "me esconder", ham?...) Mozart, Beethoven, Kubrick, Tati, Bacon, o Benfica ou Magritte, algumas das minhas diversas paixões e incontáveis "béguins" cultu(r)ais de que não prescindo e que me recuso a sectoriar ou a hierarquizar demasiado em atenção aos gurus e fariseus cultu(r)ais que por aí pululam...
Sou, pois, "do" Benfica, pronto!
Desde logo, do tal "Benfica sociológico" que falo noutro ponto deste "Diário".
... Ou coisa parecida.

"Um" Benfica onde, ser-se-ia levado a pensar, a figura invulgarmente polida--insolitamente... civilizada--de 'Quique' Flores caberia às mil maravilhas.

"Caberia"?

Então, não cabe?

Pois, o problema é que, com o 'Quique' se passa, descubro-o por fim com infinito desconforto ("in dismay", como diria, neste contexto, um desiludido como eu que em vez de lusófono fosse anglófono e dispusesse, por isso, de uma língua admiravelmente sintéctica e exacta) o que tantas vezes se passa com os nossos "icones" e "ídolos" pop "de cabeceira": a gente acostuma-se a admirá-los, às vezes, até a amá-los e, depois, vai-se a ver, ou são uns "fachos" horríveis como a Bardot e o Autant-Lara (cujos filmes--fraquinhos, pronto, tipo "Mirroir de L' Histoire" filmado com duas câmaras e uns fulanos muito castiços por ali, vestidos à Lagardère--fizeram, porém, as delícias da minha lisboetísima adolescência de frequentador babado de tudo quanto era "Cinearte" e "Royal"...) uns vendidos danados como o Kazan; uns mal-encarados "da porra" como o Torga e o Saramago ou uns "talvez pedófilos" 'lixados' como o Chaplin, o Erroll Flynn e o Reverendo Dodgson.

E por aí fora.

O 'Quique', é verdade, que eu saiba, não foi tão longe como alguns destes: não fotografou jovenzinhas púberes em poses de Lolita; não casou com nenhuma nem andou por aí a dar vivas ao canastrão do Le Pen e a (desculpem-me a expressão!) a "marrar" constantemente com tudo quanto é árabe ou judeu que tenha o azar de lhe aparecer pela frente.

Limitou-se a ser um péssimo treinador (de facto, um treinador, sob diversos aspectos, literalmnte inexistente); o mais atencioso e respeitador dos treinadores inexistentes que não conheci pessoalmente, nestes últimos vinte ou trinta anos de vida.

E olhem que eu não conheci pessoalmente muitos, ham?!...

Portanto, já vêem...

Por isso, quando praticamente disse adeus a uma época inteira que foi toda ela tão alegre, educada e mesmo triunfalmente "atirada por ele para o maneta", tive, desde já o confesso, um suspiro instintivo, imediato e irreprimível de alívio!

Bolas!

Que já estava farto de ter quem me explicasse todos os domingos, tim-tim-por-tim, por que exacta razão "tínhamos" outra vez perdido; quem da forma mais cortês e irresistível me soubesse convencer de que falhar objectivos atrás uns dos outros era uma modalidade, afinal, fabulosa e absolutamente única de sucesso--sucesso esse digno de um grande clube europeu que "tínhamos", claro, de continar a ter, não deixando, um segundo sequer que fosse, de lutar e trabalhar para isso, insistindo exactamente no mesmo tipo de meio de atingi-lo!...

Agora, se faz favor, queria um que ganhasse mesmo ainda que que, a explicar, fosse um bocadinho menos brilhante...

O Carlos Pinhão, que era um fulano engraçadíssimo e que escreveu sobre futebol numa altura em que para se escrever sobre futebol era preciso perceber de futebol, costumava dizer que os franceses "do tempo dele" tinham a melhor imprensa desportiva, os estádios de futebol mais airosos e espectaculares, os equipamentos mais giros, o único problema deles era que lhes faltavam equipas e jogadores que soubessem... jogar à bola e vencer "coisas" nesses estádios e com esses equipamentos a fim de que esses jornais e revistas pudessem, na realidade, justificar-se...

Este "mot d'esprit" do Pinhão (que tinha muitos e alguns, de facto, muito bons!) ecoa, aliás, um outro, também muito engraçado, que fala de médicos e de uma estranhísima e original metodologia cirúrgica que, uma vez posta em prática e tirando o pormenor insignificante de o paciente ter morrido no fim, acabou constituindo um sucesso memorável...

Lembrei-me do Pinhão e destes médicos "à Jerry Lewis" ou "à Woodie Allen" naquele instante em que "me despedi" interiormente do 'Quique': é que também a este verdadeiro "gentleman" do futebol falta muito pouco para ser grande: "apenas" perceber um pouquinho só que seja da arte de pôr futebolistas a jogar (mas mesmo a jogar!) em campo--arte essa a que alguns, com característico horror e, no fundo, com o mesmo alegre, descontraído e educadíssimo distanciamento do próprio Flores, chamam com irreprimível desdém (como comecei por recordar) futebol...

É que--e já o demonstrou à saciedade--tirando isso, o homem tem tudo...

sábado, 23 de maio de 2009

"A Streetcar Named Desire"

Encontram-se aqui representados, um dos filmes mas também um dos actores sem esquecer um dos realizadores e um dos dramaturgos, todos eles "chave" do século XX.
O filme é, claro, "A Streetcar Named Desire".
O actor, Marlon Brando, o realizador Elia Kazan (uma figura extremamente contestável de homem e de cidadão mas um "metteur-en-scène" realmente notável) e o dramaturgo Tennesse Williams--todos eles aqui reunidos num momento autenticamente fabuloso de Teatro.
Teatro, sim porque o filme é, na verdade, essencialmente, Teatro mas o Teatro a este nível, agregando um tal património global de criatividade, profissionalismo e puro(s) talento(s) é, de facto, algo de absolutamente único e--literalmente--deslumbrante.
Quanto ao Cinema, ele é aqui, sobretudo, o instrumento dócil, maleável e esclarecido (esclarecida e disciplinadamente dócil) que congrega, articula e finalmente conjunta tudo num «objecto» final, de facto, empolgante e muito dificilmente repetível.
Aos nomes citados, é preciso acrescentar os de Karl Malden (um soberbo, patético 'Mitch') e, sobretudo, o de Vivian Leigh, uma 'Blanche DuBois' animada de uma intensidade e de um pathos fabulosamente credível e pungente que Williams e Kazan envolvem num esgotante, arrasador, "jeu de massacre" (onde há, aliás, provavelmente, muito de projectividade existencial e de património experiencial sublimado do próprio Williams...) com Brando/'Kowalski' e que este, por exemplo, reconhecendo implicitamente o êxito do projecto, se queixava de não ter atingido com Jessica Tandy que foi outra Blanche famosa.
Penso, muitas vezes, no sucesso inegável da síntese entre Teatro e Cinema que Kazan aqui inquestionavelmente logra--algo que, por (outro) exemplo, um Oliveira entre nós igualmente, como é público, procura, de um modo infinitamente mais intelectualizado e (talvez pudéssemos dizer assim, num sentido argumentativamente brechtiano ou para-brechtiano:) épico mas, também francamente menos abrangente e menos fácil de induzir a adesão, em maior ou menor escala, popular.

"Ciciollina e o libertinismo como «comédia ontológica e existencial»"

Cicciollina ou o apogeu do kitsch.
Pronto!
Não vou negar!
Chamem-me o que quiserem mas a verdade é que tenho mesmo, confesso, um fraquinho muuuito especial por ela...
Aquela ideia de concorrer a um parlamento político (numa sociedade e num país que geraram, por exemplo e entre muitos outros, um Andreotti, um Craxi, um Bossi ou um Berlusconi é (ninguém poderá honestamente contestá-lo!...) uma provocação e um sarcasmo--uma forma de intervenção, queiramo-lo ou não, política!--de autêntico génio!
Chamar, na prática, àqueles figurões todos reunidos uma cambada de prostitutas e ao areópago onde escandalosamente campeiam um autêntico filme pornográfico não é para todos!
Pessoalmente, tenho de admitir que não resisto a uma boa provocação.
Mas há também um aspecto mais sério no "cicciollinismo" e esse envolve o corpo e as suas 'funções' assim como a, sem dúvida necessária--essencial e, sobretudo, urgente!--des-mistificação da estúpida atitude cultu(r)al obsessivamente auto-repressiva e auto-punitiva--auto-escamoteadora--relativamente a ele, comum nas sociedades latinas e designadamente mediterrânicas e/ou peri-mediterrânicas.
Nestas, com efeito, um absurdo dualismo de incidência fortemente maniqueizada em cujo contexto o corpo (que é, todavia, a nossa porta de entrada no grande universo material original que começamos--e acabamos...--por ser) faz com que o vejamos invariavelmente como um intruso e um estorvo importuno à experiência única e irrepetível de um suposto meta-ser que o transcende, antecede e deve, tão forçosa quanto arbitariamente, subjugar.
A prevalência e a persistência de uma fortíssima tradição dual e dualista judaico-cristã, "mutada" em inúmeras representações de natureza existencial, genericamente cultu(r)al e algumas até com expressão civilizacional própria têm constituido um pesado obstáculo a uma cultura de verdadeiro Conhecimento e de idónea valorização da condição humana como tal.
Queiramo-lo ou não, as provocações do tipo da que Cicciollina soube meter numa operação de marketing pessoal particularmente subtil e astuciosa contribuem (idealmente, de modo decisivo) para a reabertura do debate imediatamente político, é verdade (quem é mais indecoroso?
Uma Cicciollina que vende o corpo ou um Berlusconi que vende... uma sociedade e um país--admirável--inteiro?...) mas também e sobretudo cultu(r)al que é essencial fazer em torno do modo estável, característico, como nos relacionamos com o nosso próprio Eu e de uma perspectiva mais ampla e ecoforme com a materia e o real, em geral.
Uma ampla e correcta re/leitura de Sade começa, de algum modo, na voluntária ou involuntária 'actualização' ou "aggiornamento" que dela fez esta astuta ninfa húngara de silhueta diáfana e hábitos libertinos que faria, seguramente, as delícias cosmovisionais--talvez mesmo uma causa e matéria para uma nova "Justine"...--do autor da original para já não falar das de um Genêt ou até de um, apesar de tudo, mais comedido Vaillant...

"João Bénard da Costa"

Deixo aqui um aceno de simpatia e respeito por João Bénard da Costa, muito recentemente falecido e que, recordo, com maior detalhe, um pouco mais adiante.

"Georgegloomygeorge"

Recordo-o aqui, num dia em que me 'deu forte'... "para as cores e formas"...

"Grafitto"


TisaltterItIsALEtTeriTeRis
aLetErIsgETUtTAbOC eBeteR*

"Axiom" [Composição original do titular do blog]


ApeDleRHeISoFaGOLdenWheTheres

"Algumas reflexões pessoais de natureza antropológica e filosófica"


Eis alguns conceitos e reflexões envolvendo e, em alguns casos, precisando o modo particular como 'vejo o mundo'.

A minha visão ou o meu... "sistema" filosóficos--como, neste último caso, titulou classicamente Bertrand Russell, num livro outrora, de facto, famosíssimo.

Há, efectivamente, todo um acervo de ideias e conceitos que considero essenciais para entender, diria eu, o modo particular, específico como está organizada ou estruturada a "realidade".

Creio, para começar, que aquilo que, na essência define (e fundamenta, "explica") a "realicidade" (termo e conceito que, devo desde já dizer, distingo claramente da ideia que pode ser expressa através do termo alternativo "realidade"); creio, para começar, dizia, que aquilo que define essencialmente a "realicidade" genericamente considerada é o facto de ela não integrar naturalmente em caso algum, a ideia ou o conceito de "futuro".

Ou seja: o "futuro" é uma conceituação naturalmente estranha à "realicidade".

É nesse sentido, tendo formulado essa noção, que afirmo, de forma convicta, que o "futuro" possível dessa mesma realicidade se situa por detrás, isto é, antes e não diante, dela.

A própria origem ou génese objectiva da realicidade explica como toda ela se desconstrói e desmodela a partir de um ponto referencial teórico depois do qual ela ao contrário da voz comum não se forma nem, como disse, se constrói : entra, pelo contrário, em crise.

A realicidade, tal como eu a vejo é a expressão matericial ou concretação de uma crise aguda do que apenas podemos designar por "arrealicidade" ou "não-realidade teórica-zero".

Um zero teórico, pois, mas que, do ponto de vista da realicidade que dela configura o "eco inversional" igualmente teórico, tem de ser considerado (para efeitos, desde logo, da reorganização ordenada e "sistemática" ou tão sistemática quanto possível do nosso "olhar teórico e crítico" sobre o "mundo") um zero, em qualquer caso.

A nossa ideia de Tempo", por exemplo; as diversas representações objectuais de "Tempo" estão, diria eu, teoreticamente erradas exactamente porque somos levadas a formulá-las "às avessas", i.e. como se a «realidade» estivesse de facto em formação e não, como suponho teoricamente que está, em des-integração e dissolução naturais.

Dito de outro modo, ainda: a «realidade» não dispõe de modos estruturais e naturais objectivos de (auto)representar-se, quer no plano, chamemos-lhe abstracto ou de "projecto", quer em termos especificamente materiais concretos, a ideia de um "destino" ou "objectivo final" para si.

Do ponto de vista dela, com efeito, o seu "destino" não existe, pura e simplesmente: se hoje podemos representá-lo como ideia ou ideação em si, é porque, devido a um erro nuclear nos processos (eles mesmos, a seu modo, "naturais", é verdade...) de re/produção contínua da própria «realidade» (melhor dizendo: 'de gestão funcionante da expansão e des-integração da própria realicidade') a "consciência" (i.e. o 'fenómeno funcional' ou 'funcionante', puramente secundário, da "filo-bio-conscienciação") se interpôs já, de forma objectivamente disfuncional, entre 'a realidade e ela própria', deformando definitivamente todo o processo de desintegração natural do real.

Quando digo que o nosso modo ou modos de "perceber" e de representar o "Tempo" se encontram completamente invertidos é exactamente naquele sentido preciso em que, do meu ponto de vista, o 'futuro do real' deve ser visto como situando-se atrás de si, sendo que, no limite (exactamente porque o real nunca "se dirige" realmente "para" tendo, sim, de ser visto como "vindo" sempre, em última mas real instância "de"--esse é, de facto, o seu fundamento único, teoricamente demonstrável e efectivo: "vir de") a própria noção de um "Tempo" pode admitir-se como configurando um conceito completamente inútil para a percepção teórica possível da verdadeira estrutura, natureza e desenho concepcional do próprio real.

Quero eu dizer: justifica-se que uma construção integre e use (que ela integre porque usa!) de um modo ou outro, o Tempo como uma dimensão teoricamente referenciante essencial da sua própria natureza intrínseca, específica, de realidade em construção.

Já se torna, pelo contrário, discutível se uma des-integração precisa (ou, até, se é capaz de representar e, em última análise, de formularuma qualquer noção realmente operativa--de perceber) um Tempo ou temporicidade que, na realidade, ele próprio, a existir seria apenas ou configuraria apenas uma dimensão mas da própria desintegração ou desagração da "arrealicidade teórica" entrada em crise na origem do real.

É admissível, é verdade, que uma noção de "Tempo" neste caso pudesse ser usada como "calendário" da des-integração mas seria, sempre, a nmeu ver, algo de, em última instância, inessencial tendo em vista qualquer possível utilização realmente construtiva.

Portanto, voltando ao princípio: a essência ou natureza da realicidade é expandir-se a partir de um ponto teórico situado, diria eu, no centro igualmente teórico de si.

Primeira "lei" do real: o real expande-se. Não procura, afasta-se: de um centro mas também, em resultado do próprio modo como foi admissivelmente gerado, de si próprio.

Advêem daí duas outras hipóteses téticas possíveis:

-primeira: tudo, no real é mutação ou, como também digo: concretação da própria expansionalidade ou essência (essencialidade) expansional e dissipacional do real.

-segunda: essa mesma natureza, estruturalidade ou identidade expansional do real, ao atingir determinados valores quantitativos, gera naturalmente crises locais ou periféricas no tecido da realicidade que, sentidas (na origem materialmente) por esta como ameaças à sua integridade orgânica natural, a forçam a renuclear-se continuamente tendo em vista um mecanismo ou tropismo funcional reintegrador, originando, desse modo, "grãos" , granulosidades ou 'anisotropias' no texto originalmente íntegro e naturalmente uno do real, determinando que eaquela integridade natural se torne a prazo num problema (que a ontologia filosófica estuda) que tem de ser "resolvido".

A verdade é que é difícil não ver como, neste processo, o próprio real como tal se converteu já num problema.

-terceira: em resultado da primeira destas hipóteses, é possível perceber como aquilo que chamamos "razão" nada mais é na realidade do que (a) uma propriedade ou atributo da própria matéria como tal.

Eu diria: uma 'técnica' funcional dela, nada mais.

Uma forma.

Mas uma forma que deriva (b) da própria génese e, em seguida, da própria estruturalidade expansional/dissipacional da realicidade.

A "razão" (como a "causalidade" que é, de facto, uma mera 'representação operativa' dela) nada mais é, em tese, por sua vez, do que a abstractização e a funcionalização autónoma ou autonomizada da estrutura sequencial material resultante da expansão, representada, de um modo ou de outro, em todos os indíviduos e/ou individuações que compõem o real e, de um modo muito específico e particular, nos seres conscienciados na respectiva "consciência".

A "razão", vista desta perspectiva meramente funcionante transformacional ou "mutacional" (a razão é uma mutação da linha ou da linearicidade que, por sua vez, é a expressão abstracva e teórica da expansão) e opera, assim, como uma espécie de ponto geométrico teórico entre o "universal" (o real ou realicidade como todo) e os "indivíduos", i.e. as diversas 'anisotropias funcionantes' que se geraram da própria necessidade sentida pelo real de garantir ulteriormente a consistência e a integridade possível de si mesmo.

-quarta hipótese: resulta daqui que outra "lei teórica" do real possa ser que este tem "horror" não apenas ao "vazio" mas, de igual modo, e por razões teoricamente demonstráveis, ao "demasiado grande".

O "horror ao demasiado grande" é uma medida de disfuncionalidade e/ou "crise" na estrutura do próprio real.

-quinta hipótese: a necessidade de renuclear a fim de assegurar integridade ulterior à sua própria estrutura determina que o real passe naturalmente a descontínuo e tenha recomeçar a cada nova introdução de individuicidade na sua estrutura funcionante global.

Dito de outro modo: quando se consciencia o real passa, de forma natural, a abstracção e a conceito.

Torna-se, de facto, uma ideia ou impressão teórica de si.

A "razão" representa, assim, a expressão limite da "crise".

Outro princípio: por tudo quanto disse e de tudo quanto disse, se pode concluir que a "razão" é, na realidade, apenas a forma teórica de si.

Ele imita a natureza objectiva e material da realicidade sequenciando instintiva e, no fundo mecanicamente, sinais vindos quer do exterior--i.e. da realicidade exterior--quer do interior da própria consciência quando esta se tornou mais um «objecto» entre os diversos objectos que compõem genericamente o real.

A "razão" não tem conteúdo nem pertence realmente aos indivíduos que a medeiam: de facto, estes limitam-se a mediar essa 'propriedade' ou 'atributo' naturais--e materiais--do real que consiste em sequenciar funcionalmente dados que lhe chegam quer de fora quer de dentro da própria razão enquanto coisa ou, ela mesma, 'indivíduo'.

Por que motivo o fazem com a precisa ordem sequencial por que o fazem?

Porque o real lhes imprimiu desde o primeiro instante teórico essa forma de deslocar-se--ou de "ser".

O grande "erro" do real (o que chamo o primeiro grande atentado ecológico conhecido) consistiu na invenção da "consciência".

É certo que ela parte de uma intenção genuinamente funcionante: se o real sofre necessariamente por virtude do movimento expansional/dissipacional que lhe foi originalmente imprimido, crises profundas de estrutura e tem de ser pontualmente reiniciado a fim de conservar genericamente orgânica a suas estrutura houve que atribuir alguma operarividade autónoma aos núcleos ou "grãos" em que ele tende a dividir-se, no contexto da tal "falácia" inevitável de "(de) composição" que sofre.

O problema, podemos hoje reconstitui-lo, é que passou a haver duas lógicas autónomas gerindo o que, à falta de melhor expressão, chamo a "dissipacionalidade realicional": uma "em (não) tempo real" que tende para a continuicidade pura e uma segunda que é a da "consciência" que não consegue integrar nas suas formulaçõers específicas aquela contionuicidade senão como "ideia teórica" e passou a ter de priocurar fundamentos e/ou 'explicações' para a natureza do real fora daqueles que são os que efectivamente operam e que não podem ser "pensados" senão... "sidos".

Para concluir, evitando alongar excessivamente, esta parte das "notas" que tenciono tomar, diria que, quando aqueles começam a ter de ser "pensados" já começaram, também, a condenar-se a si próprios à in-compreensão de si mesmos e de virtualmente tudo no real.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

"Sequenciação Assintáctica": «Movimelio Krapp»"


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"A Almirante Reis à Noite"

Se existe lugar mágico no mundo é a Almirante Reis da minha infância!
Toda a vida suficientemente imaginativa e original para lograr escapar, mesmo apenas por breves instantes, à tirania pesada do quotidiano, do Martim Moniz ao Areeiro onde ela termina, vinha inevitavelmente dar à Almirante Reis.
Aqui, vinham as senhoras respeitáveis dos Anjos ou Arroios ao cinema (ao "Rex", se se tratasse simplesmente do "povo"; ao"Lys" e ao "Imperial", no caso da classe média, real ou sonhada e, finalmente, ao "Império" se se tratasse já de outro "tipo" de pessoa e extracto social mais ligado ao Areeiro ou mesmo ao mundo ainda mais inacessível das Avenidas Novas) à pastelaria ou até simplesmente ao médico.
À noite, a Almirante Reis era, nos anos '50 e '60, um verdadeiro universo lunar, insondável e incrivelmente fascinante mas também muito burguêsmente íntima e aconchegada, sempre um pouco pomposa enfática e distante mas também sempre, em última instância, receptiva, íntima e maternal...