sábado, 30 de agosto de 2008

"Os meus ídolos-7"

O "velho" Tati!...
O velho e genial Tati!... Foi uma verdadeira revelação quando vi (e ouvi!) "Mon Oncle" pela primeira vez no Lys (desde aí, revejo-o com regularidade, integralmente, ao menos uma vez por É preciso dizer que, no filme (como, mais tarde em "Playtime") tudo é sublime e perfeito, da música à expressão muito "neo-renoiriana" e também muito... "debussyiana" do amor por um tempo e por uma cidade.
Podem, esse tempo e essa cidade não ter realmente existido que esse facto (ou esse não-facto) não deve constituir impedimento para que, ainda assim, os amemos, a um e outra, como a nenhuns outros e lhes sintamos poderosamente a irremediável ausência...
É o que faz Tati em "Mon Oncle" (e, por absurdo, em "Playtime" que é, então aí sim, uma verdadeira ópera, é Música em estado puro); Tati de todos os artistas que conheço aquele que mais perfeitamente realiza essa tarefa, ela própria, narrativamente ideal e transcendente, de viajar, de forma tão contínua quanto invariavelmente deslumbrante, de uma mera forma para outra mera forma (desde logo, do Cinema para a Música) transcendendo-as a todas mas, ao mesmo tempo e sem paradoxo, apurando-as e consumando-as a todas.
Em "Mon Oncle" existe uma depuração tão perfeita do acessório e um esforço tão fabuloso, tão perfeito, de concentração na essência ou na essencialidade das coisas de uma certa realidade (e, nesse sentido, da própria realidade como tal) que confesso que nunca deixa de me escandalizar quando, por exemplo, se compara esse ballett absolutamente definitivo que é o filme de Tati com, por exemplo, "Não O Levarás Contigo" de Capra que era um 'Capra' horrivelmente demagógico e caricatural onde "o que diz Tati" soa não a Poesia (e a recusa corajosamente inteligente de uma certa realidade imperfeita e limitada) mas a mero... rótulo de embalagem de detergente...
Em síntese, diria que se há uma Arte e concretamente um Cinema "em estado gasoso" ou "absolutos" são seguramente os deste Tatischev tão genial e, por isso, tão fatalmente incompreendido.
Em rodapé, o "meu" Lys: ao pé, um pouco mais abaixo na Almirante Reis, havia uma loja de roupas onde o proprietário exibia pequenos cartazes de cinema. Um deles, que lá esteve semanas a fio, era d' "A Porta dos Lilazes" com o Pierre Brasseur. Sempre que saía das aulas na "Luís de Camões" nunca resistia a ir lá espreitá-lo com uma emoção nunca traída...

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

"Os meus ídolos-6"

Os meus amigos mais "puristas" não me perdoam que misture futebol com escritores ou artistas e intelectuais em geral. Tanto pior: é exactamente isso que aqui faço questão de fazer, juntando "paixões" como Duras, Beckett, Hitch ou Hawks com o Cavém e estes Fernando Caiado e Arsénio que me levam direitinho a uma infância de puros deslumbramentos que luto em vão por recuperar nestes ásperos rituais de premeditada vulgaridade (da mais deliciosa vulgaridade, atenção!) a que aqui-agora dou comigo a entregar-me com uma espécie de furioso prazer e sede de comum de que já me julgava de todo incapaz...
"Mon Oncle". Mon Paris. Mon génie.

"Os meus ídolos-5"


O às vezes beckettiano Hitch?...

"Os meus ídolos-4"


Hitch e as suas magníficas, kafkianas obsessões...

"Os meus ídolos-3"

...ou "North By Northwest", o mais furiosamente erótico e o mais kafkiano dos filmes de Hitchcock?...
Para mim, o Hitchcock dos Hitchcocks!...

"Os meus ídolos-2"

Já que falo a seguir n' "O Rio Bravo", a obra-prima do Hawks, aproveito para lhe tributar aqui uma sentida homenagem com este fotograma onde o "Dude/Dean Martin" redescobre a coragem ouvindo o "Deguello"... O filme é a coisa imperfeita mais perfeita que conheço. O próprio Hawks devia pensar isso porque, depois de um "rascunho" disfarçado em "To Have And Have Not" (com um Walter Brennan/Stumpy que aí acumula: é ele o bêbado) tentou (sem êxito) refazê-lo em "Eldorado". Mas o que ele tinha a dizer já o havia feito de forma inultrapassável neste "Rio"... maior. Uma das coisas que me encanta no filme (para além do facto de cada um dos dois herois ter conseguido aí consagrar definitivamente o "tipo" a que andou toda a vida agarrado: o consumidor "profissional" de "booze": Martin; o ícone defintivo da "Americana": Wayne) é o facto de ele ser uma autêntica festa para as emoções e (até) para os sentidos e de se constituir numa absolutamente empolgante consagração da irracionalidade, um alimento como se sabe essencial à vida...
É fundamental que existam fora da vida real modos de projectarmos aquilo que em nós há de mais impossível (ou de mais perfeitamente) absurdo e irracional.
É fundamental que possamos ser ao menos uma vez na vida alcoólicos e recuperar como se nunca tivessemos provado uma única gota de álcool; que tenhamos olhos nas costas (para abater um indivíduo empoleirado no "loft" de um bar sem sequer uma vez olharmos para ele, depois de andarmos anos a fio a embebedar-nos diariamente) e que sejamos além disso os únicos a ver (o sangue no copo) aquilo que era impossível que ninguém mais visse num raio de "quilómetros" ou que um indivíduo morto (o figurante assassinado das sequências iniciais) voltasse espontaneamente à vida com o único propósito de atirar um dólar para dentro de um escarrador---e por aí fora; é fundamental que haja um génio da narração que nos faça acreditar que tudo isso é a coisa mais natural deste mundo---e não só a mais natural: a mais bela e excitante, também...
É, com efeito, preciso um génio para nos conduzir assim ao limiar mesmo da nossa própria adolescência sem deixar de nos recordar a nossa condição essencial (ou ideal?...) de Homens.
Se tivesse de escolher "o filme da minha vida"... não o escolhia porque entre este irrepetível "Rio Bravo" e o não menos irrepetível "Mon Oncle" de Tati não seria pura e simplesmente capaz de decidir-me...

"Os meus ídolos-1"

O "velho" Domiciano!... Quantas irrepetíveis, empolgadas alegrias ele me deu em miúdo à pala das suas descidas fabulosamente enérgicas ao longo da linha para "cruzar", como dizíamos em "liguagem técnica"!... Tinha um irmão, o Amílcar que jogou com ele no Sporting da Covilhã (outra inexplicável "paixão" minha de criança!...) que eu "conhecia" das separatas do "Mundo de Aventuras" da Menina Beatriz da cave... Não que fosse "do" "Mundo": era "do" "Cavaleiro Andante", mais "aristocrático" e conservador...
O meu pai comprava-mo (assim como aos álbuns e aos "Especiais de Natal" mas, secretamente, eu preferia o "Mundo" que o meu pai não comprava... Era mais popular. 'Dizia melhor' com as matinés inimaginavelmente ricas em termos de odores do "Olympia" (onde eu descobri que os filmes não eram todos iguais e que variavam conforme o realizador, passando eu a escolhê-los tendo esse aspecto sempre em vista) ou com as da "geral" do "Politeama" onde eu vi pela primeira vez o "Rio Bravo" (com uma emoção que incrivelmente se renova a cada novo visionamento).
Voltando ao Cavem (havia grandes polémicas nas bancadas para "saber" se se dizia "Cávem" ou Cavém---era parte do prazer de atravessar olivais sem fim, caregadinhos de lama para chegar à Luz...): se não fossem ele (e o Ângelo, por exemplo) acho que não seria "tão do Benfica" como sou. Eram os meus heróis!